Vi derramarem-se lágrimas de crocodilo de "colegas" e de proto-colegas do jornalista João Mesquita por ocasião da sua morte. E lembrei-me que, na tropa, só existem camaradas e que "colegas" são as putas. Pois muitos dos que "choraram" o seu prematuro desaparecimento estão hoje, graças a Deus, bem refastelados nesse estranho prostíbulo que é a vida dos media. Um prostíbulo que removeu o referido Mesquita praticamente para o anonimato e para a quase total indigência. João Mesquita foi expulso da sua vida ainda em vida e estes hipócritas , sentados no quentinho das suas direcções e redacções, vêm agora chorá-lo em nome da correcção podre que atacou tudo e todos nesta miserável sociedade portuguesa. Atente-se nesta entrevista de Mesquita com apenas dois anos. «João Mesquita lembra “a ressaca da privatização dos jornais públicos, com regras pouco claras e sem uma lei anticoncentração; a abertura da televisão às empresas privadas, um processo também com obscuridades; a lógica do espectáculo a sobrepor-se à informação, com a concorrência a ser levada a níveis extremos e a competitividade a contaminar os jornalistas; a presença cada vez maior de recém-licenciados nas redacções com situações de exploração escandalosas… enfim, era o princípio da situação que se vive hoje – a desregulação do mercado, dos princípios, de tudo (...) Outubro de 2003. João Mesquita fica desempregado mais uma vez. Três anos e meio depois, à data desta entrevista, em Janeiro de 2007, mantém-se desempregado. Já se esgotou o período do subsídio de desemprego e está a viver do subsídio social, 300 e poucos euros por mês, e de uma ou outra colaboração, “cada vez menos e pior pagas”. Por que não tem este jornalista lugar numa redacção? Dir-se-á que a experiência, a memória histórica, o conhecimento de fontes deixaram de ser factores de valorização profissional. Aliás, é público e está amplamente documentado que, sobretudo, desde os primeiros anos deste século as empresas vêm executando um programa de afastamento das redacções dos jornalistas com idade superior a 50 anos. Actualmente, essa tendência já atinge alguns profissionais com menos de 50 anos e, num ou noutro caso, até com menos de 40 – desde que não seja suficientemente moldável e submisso, segundo os padrões da hierarquia. Dir-se-á, então, que jornalistas com espírito crítico não são bem vistos nas redacções do jornalismo actual. Dir-se-á, também, que o acesso à profissão, apesar das avalanches de propostas de jovens recém-licenciados que desabam nas redacções, continua a ser feito maioritariamente através de redes de conhecimentos e amizades. (...) João Mesquita não tem dúvida: “Verifica-se, hoje, uma nova escalada contra o jornalismo – pelo menos como eu o entendo –, que exige de nós, jornalistas, uma reflexão, sobretudo nas redacções, onde não há a discussão que havia e é necessário que haja. As redacções pensam pouco, agem ainda menos, e as direcções e as administrações, que julgam poder falar por nós, só pensam no lucro imediato, nem no lucro futuro pensam”(...) A concluir, João Mesquita lembra que "um ministro dum Governo AD disse, em certa ocasião, que fazer jornais era como fazer salsichas. Na altura, houve uma grande onda de rejeição às palavras do homem. Mas muitos dos que então se insurgiram, hoje, infelizmente, contribuem activamente para que essa ideia triunfe.» Foi a enterrar ontem, na Lousã, ao princípio da tarde.
4 comentários:
Que tristeza. A sordidez deste ignóbil regime na sua mais crua nudez. Há um limite para tudo e também para a alma humana, quando o mal ultrapassa esse limite ela simplesmente desiste de lutar. Foi o que aconteceu a este Homem nobre, sensível, digno e bom.
"O Triunfo dos Porcos"... Nem mais.
Maria
"Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data." Luis Fernando Veríssimo
Luis Fernando Veríssimo é um escritor, jornalista, humorista e cronista brasileiro.
Excelente artigo, este. Mas infelizmente é também assim na generalidade das outras profissões.
Alguma vez ter-se-á de fazer marcha atrás neste processo, há muito em curso, de degradação progressiva da condição humana.
Foi a enterrar o homem e a injustiça que carregou como uma cruz de chumbo. Tenho ido a enterrar muitas vezes a cada morte assim cultivada por um regime crápula e desonroso dos seus mais velhos na alma, apesar de jovens na carne, e Maiores.
Tenho-me pronto de igual modo para ir a enterrar tal e qual.
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