Decidi aprender árabe. Uma universidade de Lisboa disponibiliza um "curso de língua e cultura árabes", a dia e a horas convenientes. Numa turma de cerca de trinta curiosos das mais diversas proveniências e idades, consigo passar três horas semanais sem ser "invadido" pelo estúpido ruído do nosso quotidiano semi-inútil. Para além do concreto desejo de perceber o "outro" quando o visito, apetece-me compreender o islão. No prólogo do seu livro De la Ceca a la Meca, Juan Goytisolo, escritor espanhol que reside em Marraquexe, explica por que é que é decisivo "devolver ao islão a sua dimensão actual e histórica: a de uma cultura rica e plural, diversa e contraditória, extraordinariamente viva". Segundo Goytisolo, trata-se de um complexo de "sociedades perfeitamente diferenciadas entre si, arte, urbanismo, paisagem, música, costumes, política, misticismo, festividades, celebrações rituais". A desconfiança com que normalmente olhamos para o lado e a imensa ignorância alimentada por séculos de "ideias-feitas", impede-nos normalmente de ir um pouco mais além. Foram vários os escritores "ocidentais" seduzidos pelo Magreb e quase ninguém que por ali passe pode ficar indiferente. Há uns anos, num belo texto sobre "a solidão das culturas", José Pacheco Pereira falava da verdadeira incomunicabilidade dos vários registos culturais consoante as respectivas proveniências geográficas e históricas. Quando por toda a parte se anuncia a "fraternidade" e a "globalização", Pacheco Pereira, com exemplos concretos e tão nossos conhecidos, explica que, mais do que "falarem" entre si, as múltiplas "culturas" "falam" para si e rodam, solitárias, num solipsismo perigoso. Paradoxalmente ou talvez não, a "globalização" não nos tornou mais cosmopolistas. O regime de exportação de "modelos", seja pela televisão, seja através dos mísseis, cavou mais fundo a fossa dos "nacionalismos" e dos "fundamentalismos". A serenidade estrutural da mensagem do islão é outra coisa e merece ser compreendida por nós. Eu, pelo menos, vou tentar entendê-la.
«Somos poucos mas vale a pena construir cidades e morrer de pé.» Ruy Cinatti joaogoncalv@gmail.com
13.10.04
TENTAR ENTENDER
Decidi aprender árabe. Uma universidade de Lisboa disponibiliza um "curso de língua e cultura árabes", a dia e a horas convenientes. Numa turma de cerca de trinta curiosos das mais diversas proveniências e idades, consigo passar três horas semanais sem ser "invadido" pelo estúpido ruído do nosso quotidiano semi-inútil. Para além do concreto desejo de perceber o "outro" quando o visito, apetece-me compreender o islão. No prólogo do seu livro De la Ceca a la Meca, Juan Goytisolo, escritor espanhol que reside em Marraquexe, explica por que é que é decisivo "devolver ao islão a sua dimensão actual e histórica: a de uma cultura rica e plural, diversa e contraditória, extraordinariamente viva". Segundo Goytisolo, trata-se de um complexo de "sociedades perfeitamente diferenciadas entre si, arte, urbanismo, paisagem, música, costumes, política, misticismo, festividades, celebrações rituais". A desconfiança com que normalmente olhamos para o lado e a imensa ignorância alimentada por séculos de "ideias-feitas", impede-nos normalmente de ir um pouco mais além. Foram vários os escritores "ocidentais" seduzidos pelo Magreb e quase ninguém que por ali passe pode ficar indiferente. Há uns anos, num belo texto sobre "a solidão das culturas", José Pacheco Pereira falava da verdadeira incomunicabilidade dos vários registos culturais consoante as respectivas proveniências geográficas e históricas. Quando por toda a parte se anuncia a "fraternidade" e a "globalização", Pacheco Pereira, com exemplos concretos e tão nossos conhecidos, explica que, mais do que "falarem" entre si, as múltiplas "culturas" "falam" para si e rodam, solitárias, num solipsismo perigoso. Paradoxalmente ou talvez não, a "globalização" não nos tornou mais cosmopolistas. O regime de exportação de "modelos", seja pela televisão, seja através dos mísseis, cavou mais fundo a fossa dos "nacionalismos" e dos "fundamentalismos". A serenidade estrutural da mensagem do islão é outra coisa e merece ser compreendida por nós. Eu, pelo menos, vou tentar entendê-la.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário