23.10.04

ALGUMAS PALAVRAS...

...de Joaquim Manuel Magalhães
(...) Ao ler em português com tanto prazer, Quatro Quartetos, neste tempo político português de hoje, penso no lenitivo que Eliot enquanto poeta poderá oferecer a quem vive, sem alienação partidária, o momento de destruição da classe média, essa que conseguiu, ao longo da história recente europeia, ser o centro comum moral e político e económico donde pôde partir a compreensão integradora nos comportamentos e nas leis dos avanços da cidadania alargada à totalidade do tecido social. Contudo, com a governação que temos agora e com um Presidente que não pode ou não sabe ser uma força actuante para lá de vagos discursos, nunca desde os anos do domínio do Partido Comunista a seguir ao 25 de Abril essa classe média foi tão persistentemente boicotada. Os extremos políticos sabem que, se se retirar à média social o seu equilíbrio económico, ela deixa de poder preocupar-se com os valores da cidadania, pois tem de confrontar-se antes de tudo com as suas necessidades económicas primárias que não foi ela a culpada de terem entrado em colapso: isso dá muito jeito àqueles a quem convém manter um país moralmente retrógado nos princípios das próprias leis. Porém terão sempre que ser confrontados com o que implicam essas palavras do Eliot conservador e eticamente esclarecido: "a vergonha/ De motivos tradiamente revelados e a consciência/ De coisas mal feitas e feitas em agravo de outros/ As quais tomaste então por exercíco de virtude./ Então o aplauso dos loucos fere e a honra mancha", "Little Gidding", II.
(in suplemento Actual do Expresso de 23 de Outubro de 2004: A partir de "Quatro Quartetos" de Eliot)

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