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«O governo, em especial Sócrates, tem uma fixação quase psicopática na TVI (e com o PÚBLICO). Jerónimo de Sousa definiu-a bem quinta-feira quando disse que Sócrates procurava fazer “um ajuste de contas” com José Eduardo Moniz. O Congresso do PS abriu e fechou com essa psicopatia, que é política, porque a linha editorial da TVI, ao mostrar como o “rei vai nu”, é fatal para um governo que vive da propaganda. No parlamento, na quarta-feira, Sócrates descaíra-se porque a obsessão foi mais forte que o controle dos nervos: centrou a questão na linha editorial da TVI e sugeriu que queria mudá-la. Há muitos outros sinais desta monomania com a TVI (e o PÚBLICO), como a prosa policial dum blogue deste governo (Câmara Corporativa). A Prisa esteve à beira de afastar Moniz por pressão do governo, quer quando comprou o canal quer durante esta semana. Não o fez agora porque houve uma fortíssima oposição política e da sociedade civil e porque esse servilismo contrariaria os seus interesses empresariais: estaria a provocar o fim da forte relação entre uma parte importante dos portugueses com a marca TVI. Se Moniz saísse por pressão política, seria o princípio do fim da TVI e da sua valorização bolsista. A Prisa teria mais a perder a prazo do que a ganhar. O “ajuste de contas” de Sócrates é revelador do desacerto a que chegou a acção governativa. As vantagens para Sócrates e o PS seriam nulas até Outubro, pois a reorientação da linha editorial não se faria num dia, mesmo que Moniz fosse afastado. Pelo contrário, os efeitos negativos viram-se de imediato: os portugueses ficaram furiosos com esta tentativa de intervenção, como se notou no forum Opinião Pública (SICN, 25.06) ou em caixas de comentários. Com esta e com outras evidentes desorientações, o executivo de Sócrates revelou que, se ainda tem a legitimidade política para se reclamar como Governo de Portugal, já não é o governo dos portugueses. As razões de mais esta tentativa frustrada de intervir na Media Capital são: a obsessão de Sócrates com a comunicação social e a propaganda; uma governação que vive dos eventos mediáticos, do palco, dos ecrãs; um afastamento tão grande da realidade que o governo já não prevê minimamente as consequências dos seus actos (outros exemplos: incapacidade de prever que perderia eleições, oposição generalizada no país às “grandes obras já”); a incapacidade dos dirigentes da PT de enfrentarem as loucuras dos governos, preferindo, para irem ficando, obedecer-lhes e tomar decisões erradas.E se essas são as razões concretas, a origem do problema é apenas uma: a golden share. Enquanto os governos puderem intervir, os governos intervirão. Aconteceu com o governo PSD de Santana Lopes, aconteceu agora com o PS, tinha acontecido antes com o governo PS de Guterres (em 2000 “ponderou” comprar a TVI à Media Capital através da PT). Com a golden share, o Governo pode intervir nos conteúdos. Se age como se sabe na RTP desde 1957 até 2009, fá-lo-á nos media que a PT controle. Daí que das duas uma: ou a PT não deve possuir órgãos de comunicação ou o governo não deve ter golden share. As duas em simultâneo é que não pode ser.»
Eduardo Cintra Torres, Público