2.12.08

CANT CULTURAL PORTUGUÊS

«Se no próximo ano o Museu Mar da Língua Portuguesa na sua versão lisboeta ou Museu da Língua Portuguesa na sua versão bragantina aparecer como Museu Subaquático da Língua Portuguesa e atirado para uma daquelas fossas atlânticas dos Açores, não causará espanto nem indignação. Porque a política cultural tornou-se uma efabulação sobre anúncios. Espero bem que o África.cont não seja, à semelhança dos exemplos anteriores, mais uma bola de sabão nascida nessa vacuidade ignorantíssima que tantas vezes se chama "política cultural" e que, mais grave ainda do que usar irresponsavelmente os dinheiros e os bens públicos, se tem servido deles para sustentar clientelas, no sentido romano do termo. Mas temo ter razão. A informação que o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a CML fizeram chegar ao PÚBLICO* confirma, a par das megalomanias lusas do costume, a concepção, tão típica do Governo Sócrates, da cultura enquanto papel de embrulho.»

*"Acontece exactamente um ano depois da cimeira UE-África, e não é por acaso. No próximo dia 9, o primeiro-ministro, José Sócrates, irá anunciar a criação do África.cont, um centro de arte africana contemporânea em Lisboa. Um projecto considerado estratégico para, explicou ao PÚBLICO o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, "a consolidação de Lisboa como espaço euro-africano". Ou, nas palavras de António Costa, presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), para "perpetuar esta realidade de Lisboa ser a ponte entre a Europa e África."

Helena Matos, Público (via Povo)

Adenda: Sobre isto, o Augusto M. Seabra, aqui e aqui.

3 comentários:

almajecta disse...

Desta feita não. Não esquecer que está a FCG e homens do metier a trabalhar há muito.

Anónimo disse...

Espanta-me que em Portugal se continuem a anunciar museus/centros culturais sem fazer primeiro uma análise séria do actual panorâma museológico nacional. Há museus que não têm razão de existir (logo deviam fechar) e outros que precisam de ser reestruturados. Depois desta avaliação, numa visão nacional de conjunto, então pense-se no que deve ser criado.
Chama-se a isto estratégia museológica nacional. Devia também ser para isso que existe um Instituto dos Museus e da Conservação. Haja coragem e visão.
No entretanto, vão-se anunciando projectos de museus e afins, curiosamente fora da tutela do ministério da Cultura (veja-se o caso dos Coches e agora este).
Já agora um dado para reflexão. Há quatro anos, o comendador Berardo inaugurou no seu Jardim Tropical Monte Palace, no Funchal, uma exposição de escultura africana (creio que do Zimbabué), adivinhem comissariada por quem? Alexandre Melo, na altura já assessor cultural do primeiro-ministro Sócrates... Será coincidência. Já agora, e por falar em Alexandre Melo, também colaborador da Ellipse Foundation de João Rendeiro, questiono-me o que acontecerá a esta colecção no meio da confusão que se vive na banca.

L. Neves

Anónimo disse...

A política cultural deste governo tem-se pautado pelo deslumbramento e por "uma mão cheia de nada e a outra de coisa nenhuma". O museu da língua e do mar que teve como única consequência o desmantelamento do museu de arte popular e degradação das respectivas instalações; a criação de um museu dos coches que irá expor uma série de viaturas de aparato do século XVIII como o coche de D. João V e o do Marquês de Fontes, entre muitos outros, em estado de degradação acentuada etc. Muitos outros exemplos poderiam ser citados como a recente proposta de lei para passar para o domínio privado imóveis classificados de monumentos nacionais e que foram adquiridos pelo Estado porque que se consideravam ser espaços de interesse público. Esta era a concepção que predominou desde o tempo de Herculano no século XIX, passando pela 1ª República e pelo Estado Novo para quem era tão importante a preservação dos chamados valores pátrios. Tudo é pretexto para reverter em patacos o nosso património cultural. Com a dita proposta de Lei que, e caricaturando (espera-se), até a Torre de Belém poderá ser convertida em restaurante luxo ou num hotel de charme!
A criação do África. cont. no palacete de Pombal que, por vias de um protocolo firmado em 1982 ente a CML e o Ministério da Cultura por 25 anos, serviu para apoiar a formação de conservadores - restauradores e impulsionar a formação naquela área durante os anos 90, parece que tem os dias contados. O palacete não estava abandonado nem devoluto.
O África cont. é um projecto cujo objectivo é dar visibilidade a este governo. É mais um polo cultural para encher o olho. Oxalá que sejam felizes nesta iniciativa. Aguardemos pelos próximos episódios.