6.12.08

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL E CULTURAL NA "SOCROLÂNDIA"


Segue na íntegra o artigo de Eduardo Cintra Torres no Público de sábado (com a devida vénia e amizade) por duas ou três razões muito triviais. Em primeiro lugar, o comum dos portugueses não sabe o que se passa no país. Ou melhor. Só sabe aquilo que os "transmissores" da "mensagem" deixam ou querem que se saiba. Quando abrem a televisão para ver os telejornais, o que aparece no ecrã já foi revisto, corrigido, aumentado ou diminuído em função do que interessa divulgar ou ocultar. Por isso a "mensagem" é mais "massagem" do que outra coisa (para recorrer a um termo do J. P. Pereira). Depois, a maioria da classe jornalística não existe para informar ou para "comunicar". Existe para servir. A opinião pública não coincide com a opinião que se publica e a opinião que se publica normalmente "coincide" com aquilo que o poder quer que a opinião pública conheça ou deixe de conhecer. Pelo meio desta falsa trapalhada (porque nem é falsa nem é trapalhada), aparecem as agências de comunicação metidas, como traças, em tudo o que é "opinião", falada, visionada ou escrita. Nunca se foi tão longe em propaganda como agora. Os meios tecnológicos favoreceram este esquisito exercício e a natureza humana, tipicamente, faz o resto. O "sonho" dos meninos e das meninas dos cursos de comunicação social e cultural é, quando forem grandes, poderem chegar a um Ricardo Costa, a uma Judite de Sousa, a um Cunha Vaz ou, em casos mais telhudos, a "escritores" como Rodrigues dos Santos ou Guedes de Carvalho. Há muito que a nobreza da função de jornalista se perdeu nas trevas do regime. Nada como viver feliz, subserviente e sobretudo tranquilo no respeitinho da "socrolândia". Chamem-lhe, porém, tudo menos jornalismo.

«A ideia de que as pressões sobre jornalistas, ou meras sugestões, partem apenas da central de propaganda do Governo é incorrecta. Uma boa parte desse trabalho é entregue a “agências de comunicação”. Essas “agências” são empresas que vendem um produto: propaganda dos seus clientes. Mas algumas não se limitam a encher os computadores dos jornalistas com informações já em forma de “notícias”, explicando o unicamente suposto lado bom da acção dos seus clientes. Fazem mais que isso. Organizam festas, inaugurações e lançamentos de Magalhães com o dinheiro dos clientes – ou dos contribuintes, caso o cliente seja o Estado. Telefonam a sugerir aos jornalistas que façam perguntas incómodas em directo a políticos que considerem adversários dos seus clientes. E fornecem às redacções e aos blogues “amigos” material e background favorável aos seus clientes e desfavorável aos outros. Inundados de informações e, se necessário, de rumores e insinuações, os jornalistas ficam apenas com um lado da questão. A enxurrada “informativa” facilmente inquina a sua possibilidade de averiguar mais completamente as questões, que entram na agenda mediática deformadas, e deformadas prosseguem até à sua substituição por outras. Para o poder político, as “agência de comunicação” têm a vantagem de diluir o destino do dinheiro destinado à sua propaganda. Como um governo não pode “comprar” jornalistas, arranjou-se o processo de pagar a “agências”, sendo estas que usam o nosso dinheiro de formas que dificilmente viremos a conhecer. Tudo isto é fado, tudo isto é lobbying, claro, um nome lindo para uma actividade que tantas vezes pode ser suja. Sendo as “agências de comunicação” empresas que recebem dinheiro para inclinar a informação jornalística para o lado dos seus clientes, o jornalismo nunca deveria esquecer, ao receber-se um email, um comunicado ou um telefonema de uma agência de comunicação, que tudo isso foi pago pelo cliente que quer “boa imprensa” para si e amiúde “má imprensa” para os adversários. As “agências” recebem do seu cliente quaisquer que sejam os métodos que usem (e que podem ser vedados legalmente a governantes e políticos). Não são perseguidas judicialmente nem de qualquer outra forma. Ficam sempre a ganhar, e bem. Já o jornalismo é abusado e fica sempre a perder. Ao seguir indicações das “agências de comunicação”, um jornalista pode facilmente fazer uma informação que é mais pobre ou mesmo enviesada. E é ele quem dá a cara. Quem passa por fazer fretes. Se houver problemas, é ele que os enfrenta. Entretanto, nas agências de propaganda, arrecadam-se lucros por vezes fabulosos e teoriza-se sobre a sua “científica” actividade das “relações públicas”. Este quadro é particularmente gravoso na actualidade, porque o Governo parece estar empenhado na acção de comunicação comprada no mercado das “agências”. Estas chegam a substituir as funções dos assessores de imprensa dos ministérios e agem em conjunto com a central de propaganda. Não tendo a oposição ou outras partes envolvidas nas notícias acesso aos mesmos orçamentos de propaganda para pagar a “agências de comunicação” concorrentes, o fluxo de eventos, powerpoints e de teleponto, de emails, comunicados e chamadas de telefones das agências para os jornalistas cria um grande desequilíbrio. Isso depois nota-se, e muito, quando se lê os jornais, se ouve a rádio e se vê televisão – e até quando se lê blogues claramente ligados à central de propaganda. Parece que estamos na Rússia: a “informação” vem quase toda do mesmo lado. Criam-se “ondas” de opinião publicada que leva a maioria dos comentadores a criticar muitíssimo mais a oposição do que o poder executivo, o que é um padrão altamente atípico nos regimes democráticos. À parte alguns aspectos da política da Educação, a governação pouco é criticada, quanto mais escrutinada. Não há crise nem recessão. Aliás, a crise é “favorável” ao Governo, o que, seguindo alguns comentadores, parece tornar a crise excelente para todos. A política financeira está correcta, o Financial Times é que está enviesado. É excelente que o Orçamento seja optimista em vez de realista. Na Saúde agora está tudo ok: a ministra “explica tudo muito bem”, mesmo que tenha ocultado o défice ao Parlamento. No Ambiente corre tudo bem. Na Economia também. Nos Negócios Estrangeiros também. Na Defesa também. Na Cultura também. No Trabalho também. Na Administração Interna está tudo bem outra vez. O desemprego aumenta pouco e, vistas as coisas por outro prisma, até desce. O desemprego entre os milhões que andam a recibos verdes não existe. A emigração causada pela política económica é uma invenção. A fuga do investimento estrangeiro não é importante. O Governo faz os possíveis. A oposição é toda desastrosa: a sociedade civil, os sindicatos, o PSD, o PCP, o CDS, excepto o BE, enquanto houver esperança de aliança com o PS. Como queria Salazar, tenta-se “levar os portugueses a viver habitualmente” com este sufoco informativo.»

«Com a crise, as pessoas têm de entreter mais com o que é de borla, a televisão. Mas mais audiência não significa mais receitas, se não crescer a publicidade e se os canais fizerem descontos patéticos nas suas próprias tabelas de preços, como vem sucedendo. A crise no sector televisivo notou-se em primeiro lugar na SIC, porque já vinha caindo na audimetria. Mas, apesar de terminar o ano em segundo, a sua passagem ao terceiro lugar nas audiências três meses consecutivos estabelece um novo padrão. A SIC perde para a RTP1 em primeiro lugar por causa do futebol da Liga, um negócio milionário da RTP1 com o dinheiro dos contribuintes, de contornos obscuros e ainda por esclarecer. Em segundo lugar, porque da RTP1 desapareceram programas do prime time de maior interesse e menor audiência, como os de António Barreto. Em terceiro lugar, pela falta de comparência dos dois privados em áreas que não as telenovelas. Em quarto lugar, porque o orçamento de programação da RTP depende das transferências que o Estado garante e não, como nos concorrentes, das receitas publicitárias: nos privados, sem dinheiro não há palhaços, enquanto à RTP continua a chegar o dinheiro dos palhaços. A quebra de receitas obriga os privados a acabar com programas que não geram publicidade suficiente, caso, na SIC, do Momento da Verdade, da Roda da Sorte e, a partir de Junho, de Rebelde Way. O Momento da Verdade acabou. E ainda bem — porque era mau e porque levou alguns a clamarem pelo regresso da censura. Quanto à Roda da Sorte e a Rebelde Way, não conseguiram fazer frente respectivamente ao Preço Certo da RTP1 e aos Morangos com Açúcar da TVI, mais adequados aos públicos-alvos. Para a queda da SIC poderá ter contribuído a reorientação da sua informação a favor do poder, o que não estava de acordo com a imagem que criou ao longo dos anos. Nos últimos meses, a SIC e a SICN começaram a alinhar com os interesses informativos do Governo, a ponto de se verificar uns sistemáticos alinhamento e servidão nos momentos em que mais interessava ao poder.»


Adenda: Este livro de Manuel Maria Carrilho "ilustra" o que aqui se diz, "aplicado" a uma campanha política, por sinal de alguém do partido no poder embora refractário a uma "visão albanesa" do PS.

11 comentários:

Anónimo disse...

O meio é a massagem: Marshall McLuhan

Anónimo disse...

Por acaso isso é mesmo o resultado do Jornalismo. Os Rrepórteres acabaram e foram substítuidos por Jornalistas para poder dar lugar a "Interpretações" feitas pelo Mensageiro que deixou pura e simplesmente relatar factos. Por isso é que quando se pergunta a um candidato a jornalísta porque é que vai para a profissão a resposta é muitas vezes: "mudar o mundo". Isto é o assumir de uma atitude manipulatória e não informativa. O chocante nisto tudo é que as pessoas não se apercebam que ser jornalista é pertencer a um qualquer lobby e que se vai para jornalísta precisamente para isso.

lucklucky

Karocha disse...

Muito bom!

Teófilo M. disse...

O Cintra Torres não é critíco de televisão? è que depois de lido e relido o texto, depois de ter escrito aquilo que os mais avisados já conhecem, dá-me a sensação que se atira ao governo, ou não é assim?

Será por causa da RTP? Será do Guaraná?

Unknown disse...

Só agora é que se deu conta do que escreve? A primeira vez que votei Eanes foi por revolta não convicção após uma desalmada vergonhosa 'massagem' jornalista ( funeral de F. Sá Carneiro)recorda?
As novas tecnologias servem para estarmos mais informados sobre tudo porém temos que ter acesso a elas e trata-las por tu coisa que infelizmente a ignorancia não deixa. O mal não é a Socrolandia é o atraso planetario para as maiorias... já agora que fique dito que Portugal é um dos poucos países previlegiados do planeta... doi não doi?

Anónimo disse...

Duas notas ao longuíssimo artigo de Cintra Torres:

1) Não me parece que "levar os portugueses a viver habitualmente" como, segundo Cintra Torres, queria Salazar, tenha algo a ver com todo o arrazoado que precede esta citação;

2) Quanto às quase ininterruptas transmissões de jogos de futebol e de telenovelas só há um meio: a proibição, pura e simples, chamem-lhe censura ou o que quiserem. A animalização de um povo, com o devido respeito para com os animais ditos irracionais (de um povo ou dos povos, porque esta situação, embora em menor escala, existe em muitos países, e em alguns, poucos, até em maior escala), serve os mais inconfessáveis interesses (porventura hoje até já confessáveis). Através da globalização, a presença mediática do futebol atingiu proporções inconcebíveis, que pretendem anestesiar a consciência dos povos. Pergunto-me, e não estou a brincar, se não estaremos na presença de um crime contra a humanidade? Não permite o espaço discretear sobre a matéria, mas a intenção é tão evidente que dispensa mais palavras.

MINA

Anónimo disse...

Pois é. No tempo da ditadura os jornalistas, na sua maioria contra o regime, eram inventivos e procuravam com os meios disponíveis contornar o "lápis azul" para fazerem passar a mensagem. Eram tips bem mais interessantes e independentes do poder e muito menos domesticados que actualmente. Agora, estão muito mais permissivos aos jogos do poder. e não se coibem de participar nas intrigas da corte. Lamentável!

Anónimo disse...

Um dos defeitos mais detectáveis dos portugueses é o comodismo.
Isto verifica-se até nestas situações em que se exige reflexão.
Surge um problema e desatam a disparar em todas as direcções!
O futebol e as novelas não são a causa da deterioração mental ou intelectual da lusitana criatura. São antes efeitos,nunca causas.

Ninguém quer perceber que neste país não se promove a verdadeira cultura,salvo para elites.
No que toca ao grosso da população o que se faz,e com toda a intencionalidade,é promover uma sub-cultura ridícula que visa manter a plebe entretida com as suas manifestações medievais,fácilmente manipuláveis pela oligarquia no poder.

Mas de facto talvez não valha a pena um olhar honesto sobre tudo isto,este pobre país caminha em passo estugado para ser a latrina da europa!

Anónimo disse...

Lá está você, João, a perder tempo com maricadas. Aliás o Cintra (alguém lhe deve ter pisado os calos, ou ele imaginou) diz que tudo isto é fado. Velho e relho, penso eu de que. Diga-me um tempo em que não tenha sido assim. E olhe que já nem falo dos regimes autoritários, com censura, bófia política e tudo. Vá mais para cima ou mais para baixo na história, disfarçada ou de caras, com beijinhos ou á chapada, a paisagem é sempre igual: Uma realidade que é (o Poder que decide em segredo a favor de um pequeno grupo, por ex.) e uma outra que se quer fazer crer que é (o Poder decide ás claras e a favor do bem comum, por ex. e etc.). Como é que se pode dar a volta ?! Não me faça perguntas difíceis João. A verdade é que não sei. Só lhe disse isto porque me chateia um gajo como esse Cintra vir com um testamento desses, com cara de quem acabou de inventar o café com leite.

Anónimo disse...

nâo vale a pena estar com muitas merdas. As agências de comunicação estão a matar o jornalismo porque são compostas, pelo menos os seus homens do terreno, e não só, são velhos jornalistas, alguns foram até bons jornalistas, e sabem como lidar com os "camaradas" que continuam nas redacções: Atiram-lhes com aquela velha cenoura: "Isto é bom para ambos, eu dou, tu dás, e, no fim, ganham todos". O caralho... só ganham as agências e os seus clientes, mas os jornalistas são cada vez mais tontos, cada vez mais incultos e emproados. Uns tristes que envergonham a história da profissão. Portugal está repltetro de gente que não presta a escrever notícias. Mas vá-se ver como é nas redacções, olhe-se o excemplo do DN, mas também no órgãos públicos... por vezes até parece que o director deles todos é o LPM. Porra, chega! O Torres tem razão... mas já nada há a fazer... quem diz o que eu digo sem a defesa do anonimato está fodido, porque é mujito simples: quem assim pensa é dispensável, já não há decência, acabou esta merda toda... e pior, quando se vê os gato fedorento a gozar com estas merdas, só numa primeira abordagem se pode pensar que aquilo é outra coisa que não uma ajuda preciosa para esta fantochada. Ajuda a criar uma camada gordurosa sobre o que realmente importa. Que país de merda, que jornalismo de merda, que gentalha de merda. Como se confunde tudo com o propósito único de tudo confundir e os ratos vão no barco como se este não estivesse cheio de buracos...
Riodades Bernardo

Anónimo disse...

O que Cintra Torres denuncia é a nossa realidade de hoje. Quem viu o jornalismo português e quem o vê, não pode ficar mais arrepiado. Passou o tempo dos bons jornalistas - aqueles que faziam jornalismo sério e não fretes a qualquer poder - e hoje o que temos são uma espécie de mulher a dias da informação. Estão controlados pelo poder socialista e pelas agências de comunicação que trabalham para Sócrates.
A máquina de Sócrates controla tudo e os poucos que ainda resistem à rendição, estão vigiados e, obviamente, marginalizados nos seus lugares, para não terem tentações perigosas para o "Menino d'Ouro".
Os que fazem br*es ao poder socialista têm direito a aparecer na televisão como importantes analistas. É vê-los nas RTP's e nas SIC's e fazem parte desse bendo de mentirosos que por aí anda a enganar este pobre povo de miseráveis.
Quanto às agências de comunicação, cabe-lhes conduzir o jogo sujo que agrada e serve o poder. Ganham mesmo balúrdios para fazer ataques selectivos a quem interessa abater. O livro "Terramoto BCP" é bem elucidativo desse trabalho de destruição sistemática. Manuel Maria Carrilho teve a coragem de fazer a denúncia de um grupo de biltres que sujam a nossa vida pública. Sentm-se tão inchados da sua importância que adoram mostrar-se nas revistas como figuras fantásticas. Esquecem-se que ficam marcados como mercenários da comunicação.