11.12.08

VER A ALMA


Era muito novo e demasiado "adulto" para a idade. Nesse dia de Janeiro de 1986, meti-me cedo num comboio para o Porto e a meio da tarde estava sentado numa sala da sua casa a "entrevistar" Manoel de Oliveira. O João Amaral e o Semanário de Cunha Rego "mandaram-me" lá. Ia aparecer o Soulier de Satin, baseado na obra homónima de Claudel. Falámos longamente, rodeados pelas fotografias da família. Encontrámo-nos, de novo, num outro comboio, cerca de três anos depois. Eu vinha de Guimarães e ele entrou em Gaia. Recordei-lhe a entrevista. Estávamos praticamente sozinhos na carruagem de 1ª classe da CP pré-Alfa Pendular. Jovial, amável, conversador, sem tiques de celebridade como o ressequido Saramago. De lá para cá, envelheci muito mais do que ele jamais envelhecerá. Citado por Eduardo Prado Coelho em A Mecânica dos Fluídos, Oliveira descreve a imagem. «Como sabem, a gama de cor é enorme e o que é visível é muito pequeno. Para a nossa vista o que está aquém dos raios vermelhos já não se vê e o que está para além dos raios violetas também já se não vê. Se nós tivéssemos uma visão total, talvez que pudéssemos ver a alma...» É a isso que o cinema tantas vezes incompreendido de Oliveira nos leva. A "ver a alma" das suas "desalmadas" personagens. Os brutos acham-no "parado". Como ele, na juventude e na ironia do seu centenário, se deve rir deles. Parabéns, Manoel.

4 comentários:

Anónimo disse...

Não me posso esquecer (a memória ainda se vai conservando), e isto talvez lhe diga algo, do filme "Vale Abraão" e de duas personagens, a Luisona e a Lolota. E da Maria Semblano. Creio não me enganar nos nomes. Belos tempos!

Unknown disse...

Touché, Caro João Gonçalves!

Anónimo disse...

vi o aniki-bóbó quando andava no liceu.
vi um documentário sobre o Douro.
praticamente não vou ao cinema desde les uns et les autres.
hoje temos tudo em casa sem necessidade de calcurrear a cidade do lixo (Nápoles tem melhor aspecto e cheiro).
já me basta o lixo humano do socialismo
ad multos annos

radical livre

Anónimo disse...

E parabens tambem para si,por um texto que excepcionalmente não está embebido com o azedume habitual. Talvez de facto tenha razão,e tenha envelhecido mais que o Oliveira. Porque não experimenta realizar um filme?