Existem belíssimos textos sobre a SIDA. Quando escrevo belíssimos, quero significar o duplo do bem escrito e do cruel, sem lamechice ou ignorância. Susan Sontag tem um, "A SIDA e as suas metáforas". («Não estamos a ser invadidos. O corpo não é nenhum campo de batalha. Os doentes não são baixas inevitáveis nem o inimigo. Nós - a medicina, a sociedade - não temos o direito de ripostar por todos os meios possíveis.») E recordo-me do corajoso - para a altura - "Mon Sida", de Jean-Paul Aron, no Nouvel Observateur. A SIDA, doença civilizacional, começou por ser um estigma homossexual masculino com origem nas colinas de São Francisco onde, no princípio dos anos oitenta, havia quem se gabasse de "aviar" mais de trinta por dia. O pseudo-exclusivo foi-se perdendo com o tempo e com os costumes, os bons e os maus. A mal chamada "comunidade gay", não inteiramente parva, cuidou-se e a doença "passou" a manifestar-se mais na "comunidade" maioritária que subestimou o poder das "culturas virais" que a "fenda erótica" pode fermentar. De acordo com os últimos dados, "o mausoléu dos amantes" - para recorrer a um título de Hervé Guibert ("A l'ami que ne m'a pas sauvé la vie", outro dos tais textos) - é agora mais frequentado pela "maioria" que imaginava que só acontecia aos "transviados" que se enganavam no caminho do prazer. Não acontecia, nem acontece, e, com as belas práticas iniciáticas das escolas secundárias, tudo será, naturalmente, pior. Todavia, a SIDA é hoje definida como uma doença crónica, não necessariamente mortal, vistas as coisas pelo lado da fisiologia, mas que ainda "mata" muito noutros planos. Esta situação é apenas um exemplo e, como jurista, deploro o teor do acórdão porque, como bem escreve o Eduardo, "à ciência o tribunal disse nada". De facto, "é isto, o século XXI?"
7 comentários:
infelizmente somos medrosos, medrosos demais, e com isso é mais seguro tirar a liberdade aos outros do que pôr em risco (talvez mental) aquele corpo que tantas vezes é posto à prova por boa parte de quem tem medo de cabeça fria.
é incrível os relatos de pessoas que comentam que fizeram sexo sem precauções porque acharam que não era necessário. porque o a fulaninha é de boas famílias, e o fulaninho não tem cara de malandro. Enfim. Quanto ao cozinheiro, para não falar nos outros milhares de indivíduos com a imunodeficiência que, obviamente, também precisam de trabalhar, ele que não faça a nossa comida, claro, ainda apanho alguma coisa! enfim.
é uma tristeza, mas é a realidade.
Qual ciência?
A dos médicos que passam atestados a pedido?
A dos cientistas que há dez (10) anos chamavam ignorante a quem receasse que a doença das vacas loucas (Encefalopatía espongiforme bovina) contagiasse os humanos?
Você leva os seus filhos a um restaurante que tenha um cozinheiro com sida?
Por muito políticamente incorrecto que isso seja, eu não!
Por alguma razão o texto que aqui lhe deixo pergunta 'Quem nunca comeu em hotéis que atire a primeira pedra?'
http://setevidascomoosgatos.blogspot.com/2007/11/quem-nunca-comeu-em-hotis-que-atire.html
ÉsDoutor? disse...
Ora nem mais.
Todos produzem belos textos de intenções mas quando colocados perante uma situação como a descrita, embora acredite que dirão que sim, fazem que não.
Nota: Era para deixar o comentário em castelhano, conforme julgo pela RTP que já é lingua oficial, mas ainda domino mal o idioma por supuesto
Lamento, mas um cozinheiro com hiV que lida com comida em grandes quantidades, que vai ser servida a um grande número de pessoas diariamente, que corre o risco de se cortar, de ter uma ferida na boca ou nas mãos, e sangrar para cima de géneros alimentícios, é um risco considerável na profissão que tem. Neste caso, a discriminação é justificável.
...e mesmo que a justiça tenha ouvido a ciência, o preconceito de tantos " clientes" ditou que fosse feita justiça. A justiça (por vezes) é cega!
A claustrofofia assalta de burro todos os sistemas. A equidade e o bom senso estão a saque.
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