17.8.06

MARCELLO JOSÉ DAS NEVES ALVES CAETANO


De Marcello Caetano, apenas recordo a imagem televisiva e o silêncio reverencial com que era ouvido em casa quando "conversava em família". O direito levou-me fatalmente até ele. Primeiro nas versões brasileiras dos seus manuais e, finalmente, nas reedições dos originais propiciadas pelas editoras de Coimbra. Morreu no ano em que comecei a prestar mais atenção aos seus escritos jurídicos por causa do currículo escolar. Fora disto, fiz questão em ler as suas "Memórias" de Salazar - escritas a partir do Brasil - e a incompleta e derradeira obra, "A história do direito português". Sem a sua biblioteca, como gostava de sublinhar, deu ainda à estampa uma nova edição da "breve história das constituições portuguesas" onde já fazia alusão àquela que nos rege, a de 1976. Rigoroso, austero e enxuto na prosa, percebia-se que o "ocidente" o seduzia. Não ressumava nenhum preconceito contra a "democracia" nos seus "manuais de direito constitucional". Fundou uma escola de direito público que lhe ficará para sempre tributária. Muitos, senão todos os juristas-políticos que por aí andaram e alguns que ainda por aí abundam, foram formados na "escola" de Marcello. A "teoria do acto administrativo", que desenvolveu no respectivo "manual", fez e faz doutrina e legislação. Na política, Marcello, como sabemos, falhou. Salazar considerava-o "um fraco", apesar da menção ao "intelectual" que sempre fazia. Era, de facto, do melhor que o Estado Novo produzira. Quando substituiu o ditador, já estava cercado - pelos "ultras", pela guerra e pela repressão vagamente "aliviada" - e, por isso, diminuído. Todavia a ele, e depois a Mário Soares, entre 1976-1978 (o pedido de adesão, a reforma do Código Civil, etc, etc), devem-se as verdadeiras reformas de que tanta gente, afinal, reclama a autoria. Marcello deu curso a legislação "social" pioneira, muita da qual subsiste ou foi recuperada e melhorada pelo novo regime. Permitiu que se alargassem os horizontes e as expectativas da classe média. E julgo que gostaria de nos ter levado para o então Mercado Comum. Queria, porém, o impossível: evoluir na continuidade. O resto da história é conhecido. Se fosse vivo, faria hoje cem anos.

2 comentários:

Anónimo disse...

Foi um ditador. Ponto final.

nohexagono@gmail.com disse...

Uma das primaveras mais cinzentas que o nosso pais deve ter conhecido. Mesmo assim, não sabia muito do que aqui deixou no seu post. Aprendendo cada dia.