31.8.06

ORIGEM

"Não temos mais começos", Steiner dixit. Nem sempre, nem nunca. O Francisco (re)começou há um ano. E, como todos aqueles que não são meramente palha ou plasticina, começa todos os dias e todas as noites. Palpita-me que prefere as noites. Sorte a dele. Sorte a nossa.

BONZINHOS


Afinal, a missão portuguesa no Líbano é "humanitária", coisa que parece incomodar o José Pacheco Pereira que porventura acredita nas virtudes militares - as propriamente ditas - da lusa tropa. Todos, aliás, imaginamos os nossos bravos guerreiros a colocar o Hezbollah em sentido, v.g. tirando-lhes as armas, ou a ensinar o exército local a tomar conta do país. Mal por mal, mais vale seguirem o exemplo do senhor da foto. Bons, mas em bonzinhos.

A ETERNIDADE É INSUPORTÁVEL

"Si l'on avait proposé à l'homme de vivre éternellement, je l'aurais, quant à moi, refusé, car l'éternité est insupportable."

Naguib Mahfouz, 1911-2006, via Almocreve das Petas

A GRAVIDADE DO CASO

O sr. Madaíl, ao fim de alguns dias de oportuno casulo, voou a correr até Zurique para ser sumariamente vergastado pela FIFA. Cá fora declarou que as eminências da bola consideravam o mais recente folclore doméstico "um caso muito grave". Também concordo. E a gravidade do caso começa logo no referido sr. Madaíl, no sr. Major, no sr. Leal e noutras luminárias do futebol institucional que já têm o rabo calejado à conta dos anos que andam nisto. Podia aproveitar-se a ocasião, não apenas para remover as equipas portuguesas das competições internacionais por indecente e má figura, mas também para dar o pontapé definitivo nos rabos dormentes destas inutilidades todas.

O REGRESSO DA REALIDADE

Aqui há coisa de duas semanas, quando o dr. Silva Pereira - um clone quase perfeito do seu "mentor" - veio praticamente "anunciar" o fim da época de incêndios e fazer um "balanço" em "hectares" chamuscados, escreveu-se que ele "veio "deitar água" na fervura, sem nenhumas garantias de que, amanhã ou depois, a realidade lhe volte a entrar pela casa adentro." Como a realidade não toma assento no conselho de Ministros do qual o dr. Silva Pereira é quase sempre porta-voz, teima em incendiar mais hectares e em não dar por terminadas as famosas "ignições" do dr. Costa. Aparentemente a natureza não se deixa intimidar pela autoridade governativa. E, pelos vistos, os incendiários também não

ALEGRIA DE VIVER



À excepção do João Villalobos e do José Pacheco Pereira, não vi a brigada blogueira muito interessada na primeira entrevista do dr. Mário Soares depois das presidenciais. Dir-me-ão que Soares passou, que o tempo é doutra gente, que as gerações não-sei-quê e outras merdas do género. Descontando o enlevo com o governo - eventualmente "sol de pouca dura" - e as referências às leituras e à vida internacional (com que eu concordo), apreciei, nesta estiagem intelectual que atravessa a política portuguesa, rever o dr. Mário Soares de que eu gosto. Este:

"A felicidade só relativamente tem a ver com a política. Sinto-me feliz. Quando entrei na campanha sabia perfeitamente que corria o risco de perder. Perdi! Mas a vida continua, como a alegria de viver (...) [Foi] uma experiência com muitos aspectos positivos - que darão frutos no futuro - e, obviamente, altos e baixos. Tenho, como se sabe, uma vida rica: fui uma dezena de vezes preso, deportado, estive no exílio. Foram batalhas perdidas. Sou resistente, tenho uma couraça sólida. Não sou uma anémona impressionável por qualquer crítica que me façam ou por um simples desaire eleitoral.."

Welcome back, dr. Soares. No hard feelings.

PASTORÍCIA INTERNACIONAL


Com a gravidade própria do grande país que Portugal é, o poder anunciou ontem que vão 140 soldados pastar a vaca para o Líbano. A fragata, afinal, já não vai. Em Timor, entretanto, os GNR's patrulham as ruas em vão e a nossa gloriosa "herança" desfaz-se todos os dias mais um bocadinho nas mãos daqueles irresponsáveis trauliteiros. Como dizia uma amiga minha, em marreco é o melhor que se pode arranjar.

30.8.06

LENDO OUTROS

Que é só um: "Erudição Desperdiçada" e "Lolitas".

"Ninguém me tira da cabeça que a nossa predilecção por mulheres pequenas revela uma tendência nacional para a pedofilia: as bonequinhas da mitologia local, baixinhas, maneirinhas, jeitosinhas, como as sardinhas, devem ter quatorze anos e gostar muito de calipos. Será que uma parte dos homens portugueses inveja aquele austríaco que prendeu uma menina no quarto para dela extrair satisfação sexual? Sonharão com uma cave repleta de gaiatas impúberes a quem possam dar umas nalgadas antes do jantar? A sobriedade com que a imprensa lusitana tratou este assunto pareceu-me comprometedora - se tiver paciência, hei-de voltar a ele."


Volte, Luís, a "macheza" lusa precisa ser "descascada".

PARA ALÉM DELA


Há pessoas que já devem estar a armazenar lenços de papel para limpar as mãos. Todavia, no novo filme de Brian de Palma, "A dália negra" (estreia cá em Outubro), baseado na obra homónima de James Ellroy, há mais vida para além da já quase inevitável Scarlett Johansson. Em loira e em mamas, não haja dúvida que é do melhor que há. Para quem gosta, naturalmente.

O PROFISSIONAL


O "cluster eólico" - utilizo o termo do "plano tecnológico" - foi prejudicado no seu imparável caminho de sucesso porque a Iberdrola interpôs um recurso hierárquico da decisão da comissão que trata do assunto, a qual escolheu as propostas da GALP e da EDP. Apesar de andarem todos mais ou menos misturados- saem de um lado, entram no outro e, quando são ministros, nomeiam "gestores" que já foram ministros e vice-versa -, na Iberdrola ("ramo" português") manda o dr. Pina Moura. O dr. Pina Moura é, para além disso, deputado do PS e membro da linha "socrática" em vigor, apesar de, muito antes disso, ser o único membro da sua própria "linha". Como tal, o irrelevante dr. Manuel Pinho deve suscitar-lhe o maior dos ascos. E, nada melhor que a sua Iberdrola, para o exibir. Pina Moura é um profissional. Foi-o anos a fio no PC e na "linha dura", como não podia deixar de ser. Consta até que Cunhal acarinhava vagamente a ideia de ver Pina Moura a empunhar cada vez mais alto a "rubra bandeira". Naquele congresso extraordinário da Amadora, de 1986, em que Cunhal pediu aos comunistas para taparem a cara de Soares e votarem nele, lá se vê o camarada Moura de volta de uns papéis, na primeira fila, a votar de braço no ar. Logo de seguida, e enquanto o Muro de Berlim caía e não caía, uma rapaziada mais "aburguesada" foi-se aproximando do PS, à excepção da Zita Seabra que fez um "salto mortal" directo ao PSD. Uns foram saindo em grupelhos inócuos, outros saíram sozinhos e quase todos foram expulsos. O PS abocanhou a maioria. E Pina Moura, com o traquejo estalinista de anos feito, abocanhou, assim que pôde, o católico Guterres de cujo lado direito não abdicou até o ver em S. Bento. Conta-se que era o último a sair do Rato e o primeiro a aparecer no dia seguinte, quando não ficava por lá. Foi o tempo do velho profissional se transformar no "cardeal". Como era de prever, esteve nos governos do referido engenheiro. Acabou a acumular duas pastas - as Finanças e a Economia - até ao dia em que Guterres o "entalou" no Parlamento, jurando que não ia aumentar a gasolina. Ele e a sua amiga Manuela Arcanjo perceberam rapidamente que o barco estava prestes a afundar-se. Nem um, nem a outra estavam lá quando Guterres se descobriu no "pântano". Com os "conhecimentos" adquiridos nas pastas que ocupou, Pina Moura tratou, naturalmente, da vida dele. Depois de comunista, socialista e quase religioso - coisa que, na verdade, nunca deixou de ser -, o profissional apareceu como empresário. Criaturas como Mexia e outras do mesmo género que navegam nas empresas energéticas, são um produto da fina inteligência do delfim do dr. Cunhal. Pina Moura, às tantas, era o "bloco central" personificado para estas áreas interessantes de acompanhar à distância. Era e é. A via espanhola evidencia uma ambição desmesurada. Ao pé de Pina Moura, o dr. Pinho é um menino de coro que nem sequer sabe cantar. Devia aprender a não se meter com profissionais.

UM MANDARIM INTELIGENTE


Tenho estima pessoal por Ricardo Pais que conheço há quase vinte anos. Ricardo é um criador talentoso e um indiscutível homem de teatro que fez coisas bem divertidas e sérias, desde a Gulbenkian, a Viseu, de Lisboa ao Porto, nos teatros nacionais, na Casa da Comédia ou no Frágil. É, como lhe compete, vaidoso. Tem um umbigo tão grande como o seu talento. Foi director do Teatro Nacional de São João no tempo de Carrilho. Na sua magra prestação como ministro, o sr. Sasportes removeu-o para a secretaria-geral do ministério da Cultura como "assessor". Roseta, numa das suas raras descidas à terra, repescou-o de novo para o São João. E ali tem permanecido - estoicamente, segundo ele - como director e director artístico. Numa entrevista surrealista que concedeu ontem ao Público (sem link), Pais afirma-se "mais duradouro do que os governos" e, também como lhe compete, "morde" nas mãozinhas que anteriormente (antes de Pires de Lima) lhe deram, bem ou mal, de comer. Tem razão. Como prémio pela "persistência" e pela gestão "equilibrada" dos seus silêncios e falas, vai ser o presidente do conselho de administração da entidade empresarial pública TNSJ. Esta fantástica "nova" entidade é, naturalmente, mais do mesmo, ou seja, paga a partir do orçamento de Estado, das receitas do Teatro e de algum mecenas. Lida a entrevista, parece que Ricardo Pais anda, há anos, a fazer um grande favor à pátria por existir. De Rui Rio, já que Pires de Lima foi metodicamente posta no bolso do casaco do encenador, Pais diz o politicamente correcto: mal. Provavelmente também queria o Rivoli e o mais que lhe caísse no colo. Há, em quase todos os "criadores" da democracia, um "lado" "Almada Negreiros dos pequeninos". O Estado e os responsáveis políticos são péssimos, mas é bom que eles existam e que paguem bovinamente as continhas e as subtilezas dos "criadores", garantindo ao regime um módico de "qualidade" de vida "cultural", obviamente avaliada pelos próprios. Ricardo Pais é, apesar de tudo, um mandarim inteligente. Não queira, no entanto, fazer dos outros parvos.

29.8.06

FORNICAÇÕES


Há horas felizes. Quem tropeçar na prosa mais recente de Gonçalo M. Tavares ("Água, Cão, Cavalo, Cabeça" (Caminho, 2006), na página10 depara-se com esta "pérola":

"Dois soldados, em vez de enterrarem os cadáveres dos seus amigos mortos em batalha, escaparam às ordens, e num pequeno bar, ainda com o uniforme manchado, mandam vir uma mulher – uma prostituta – e os dois sobem com ela para um quarto e fornicam-na. Um colando-lhe o pénis na boca e o outro fornicando-a por trás como fazem os cães às cadelas e os homens às mulheres ou a outros homens."

Nacos como este evidenciam duas ou três coisas muito simples sobre alguns rebentos "literários" em voga. Desde logo, a maior parte deles não tem "mundo". Só quem não tem "mundo" é que escreve "fornicar" - caramba, a literatura não é santa nem se guia pelos Evangelhos - ou "colando-lhe o pénis na boca". Nenhum escritor, nem ninguém que se preze, jamais "colou" um pénis a uma boca ou vice-versa. Só a palavra "pénis" afasta prudentemente qualquer "boca" do que quer que seja, já que lembra uma consulta de planeamento familiar em Chelas. Por outro lado, Gonçalo desconhece que, entre os animais, particularmente entre os cães, o sexo dos bichos conta pouco para a actividade mencionada. Da mesma forma que entre pessoas não existem "posições" exclusivas para, como ele pudicamente escreve, "fornicar". O tempo em que o Príncipe Fabrizio Salina produzia filhos sem nunca ter visto o umbigo à mulher, acabou há muito. Experimente Gonçalo M. Tavares, por exemplo, ler a biografia de Mary Wesley e vai ver como aprende muita coisa. Para já, só lhe peço para não nos fornicar mais o juízo com prosa deste gabarito.

POBREZA FRANCISCANA

Deus sabe - e alguns amigos também - como sou indiferente ao objecto "automóvel". Tenho o mesmo pequeno carro há dez anos - se quisesse, graças ao mencionado Deus, podia ter um melhor - todavia para o uso que tem, para já, basta. Não invoco o nome de Deus em vão. Acontece que, ao regressar a casa a bordo do meu Fiat velhinho, parado num semáforo, reparo que ao meu lado está um veículo igual ao da foto (marca BMW 525 d) conduzido pelo franciscano socialista Vitor Melícias. Devia ir tão fresquinho que até trajava a habitual camisolinha de gola alta que é a sua griffe. O regime trata bem os seus melhores serventuários. Melícias, provavelmente, ainda preside às Misericórdias e a outras coisas mais que lhe devem dar "o direito" a transportar-se de forma nada franciscana. Não imagino que o veículo seja fruto da renúncia à mundanidade ou ao voto de pobreza dos discípulos do Santo de Assis. Vitor Melícias nunca me impressionou a não ser negativamente. Se ainda restasse um pingo de decoro às instituições, Melícias jamais deveria entrar em Belém enquanto Cavaco lá estivesse. Não me esqueço de uma célebre entrevista em que o confessor de Guterres - sempre este homem fatal pelo meio - afirmou a alegria que sentiu e a vontade que lhe deu de vir para a rua tocar uma pandeireta quando, em 1995, Cavaco saiu pelo seu próprio pé. Por isso, pobreza franciscana, só mesmo na cabeça dos idiotas úteis que o sorridente Melícias consegue convencer.

INDEPENDÊNCIAS

Este post do Paulo Gorjão chama, e bem, a atenção para uma mitomania da política nacional, os "independentes". Como qualquer distraído sabe, o verdadeiro independente acaba trucidado na primeira esquina da sua breve história, liquidado com um tiro no pé ou com uma facada nas costas. Para sobreviver, o "independente" tem que se "clonizar" dependente e, de preferência, ser o mais leal dos dependentes. Vem à baila, no post, o nome do ilustre presidente do Tribunal de Contas, o honorável Guilherme Oliveira Martins. Parece que tem uma nova lei orgânica para o seu Tribunal que muito o satisfaz. E, coisa extraordinária, anda, nesta fase da sua vida "independente", a descobrir coisas que nunca tinha dado por elas quando, anos a fio, esteve do "outro lado do espelho". É que se existe alguém cuja presença no regime é praticamente eterna, é Guilherme Oliveira Martins. Esteve no PPD, esteve na ASDI que "sangrou" o PPD de Sá Carneiro - e cujo principal resultado foi, juntamente com a UEDS do dr. Vitorino (sim , esse mesmo), ter conseguido diminuir a votação no PS por causa de uma risível aliança inventada por Guterres (já nessa altura, 1980, Guterres era um homem fatal) chamada FRS -, esteve com Soares em Belém, esteve como ministro de Guterres em várias pastas, desde Adjunto, Educação e, finalmente Finanças, foi deputado do PS, tentou ser ministro de Sócrates (quem não se lembra dele, ao lado do líder, à janela do Rato a acenar às poucas massas que foram lá festejar a maioria absoluta?) e acabou, agora, como presidente do Tribunal de Contas por indicação do referido Sócrates. Se isto é ser "independente", eu sou o macaco Adriano reciclado.

BOA VIAGEM

O que um homem tem de fazer para não se maçar. Cavaco Silva acha "absolutamente natural" que se enviem tropas portuguesas para o Líbano ou, mesmo, só um barquinho simbólico. Segundo o Presidente, "Portugal não pode deixar de ser sensível ao apelo do secretário-geral das Nações Unidas dirigido à União Europeia", já que "tem sido solidário em muitas situações de crise, como prova a presença das Forças Armadas em vários teatros de operações". Em suma, rematou, "tudo tem corrido de acordo com aquilo que cumpre fazer". Modestamente parece-me que, neste caso, o que "cumpre fazer" é não fazer nada e deixar a tropa quieta. O "ser solidário" passa por outras coisas e não necessariamente por mimetismos extravagantes. Ou então levava-se a coisa a sério - como se fosse possível - e falava-se em "contingente" e em material mais pesado (que não existe ou não tem condições). Pelos vistos, Cavaco prepara-se para estrear o passaporte que o dr. Costa lhe deu com uma viagem ao Líbano, às nossas gloriosas tropas "solidárias" (com o quê?) "no terreno", quando e se a famosa UNIFIL se constituir. Tudo está bem assim e não podia ser de outra maneira, sibilava o cínico Salazar que conhecia bem a choldrice nacional. Façam, pois, todos boa viagem.

28.8.06

FRAGILIZAÇÃO


Desde que Vasco Pulido Valente escreveu há dias acerca da sua geração - com o pretexto dos sessenta anos de Bill Clinton - e "ousou" designar o regime de Salazar e de Caetano como não exactamente "fascista", emergiu um pequeno debate em torno da ideia geracional. Vitor Dias, o "intelectual de serviço" do PC, para além de Ruben de Carvalho, mais virado para as "artes", zurziu em Pulido Valente por causa da toponímia utilizada. Vista com uma distância de vinte, vinte e cinco anos - o número, em idade, que me separa dela -, à geração de sessenta calhou-lhe pastorear a nação após o 25 de Abril. Com a excepção de Cunhal e de Mário Soares, foram eles que mandaram entre 76 e 95, em "postos" tão diversos como ministros (v.g., Medeiros Ferreira, António Barreto), primeiros-ministros (Sá Carneiro e Cavaco tinham pouco mais de quarenta anos quando ascenderam ao cargo), constitucionalistas (Jorge Miranda ou Vital Moreira) ou directores de jornais (Mário Mesquita, no DN, ou, na fundação do Público, Vicente Jorge Silva). Até VPV "mandou", como secretário de Estado da Cultura e Adjunto de Sá Carneiro. Balsemão, como de costume, conta pouco, mas também apareceu e Freitas do Amaral, um "late bloomer", conseguiu fazer "a ponte" - toda torcida - entre os "de sessenta" e os que se lhe seguiram, de Barroso a Sócrates. A "geração" também produziu livros, filmes, actores e actrizes emblemáticos (Maria Cabral, por exemplo), polémicas, professores, ensaístas, poetas, "outsiders" (Joaquim Manuel Magalhães) e mais umas quantas coisas que servem para contrapôr à mediocridade vigente a densidade graciosa e vagamente desalinhada dessa gente toda. Se houve - ou ainda existem - elites na sociedade portuguesa, muito devem àqueles que agora oscilam pelos sessenta e alguns anos de idade. Aquilo que foram e são os trinta e (já quase) três anos deste regime, é-lhes inteiramente assacado, com a exclusão do dr. Soares, do dr. Cunhal e dessas extravagâncias pueris chamadas Guterres, Barroso, Portas ou Santana Lopes. Eanes, o prolongamento democrático do MFA, é atípico e explicável pela necessidade de pôr a tropa em sentido. Jorge Sampaio, a coroa de glória do famoso muro da cidade universitária, acabou por presidir a dez anos literalmente perdidos. O engraçado da "história" é que, havendo pelo meio da geração tantos "talentos", foi o seu "Zelig - Sampaio" - o rosto das "abstracções sem rosto", como chama Eduardo Pitta aos que se destacaram "na definição de comportamentos de natureza anti-disciplinar" (Rui Bebiano) -, quem conseguiu ir mais longe politicamente, mesmo que isso tivesse servido para quase nada. Depois veio o dilúvio onde eu mergulhei. Nos anos oitenta, na minha adolescência, Eduardo Prado Coelho escreveu que a sociedade - a lisboeta, inevitavelmente - se tinha "fragilizado" por referência a esse cadinho dos novos costumes que foi o Frágil de Manuel Reis, inaugurado em 1982. O "Metro e Meio" cedeu perante o Bairro Alto. E, de cedência em cedência, chegámos ao ponto em que estamos. A minha geração está agora no poder, desde 2002, e, pelas piores razões - Margarida Rebelo Pinto, Inês Pedrosa, Mexia, Rodrigues dos Santos e "tutti quanti" -, instalada na "cultura" e no "bezerro de ouro", nome que o Victor Cunha Rego dava ao dinheiro. Já nem o Frágil se aproveita. Só posso lamentar.

A VIA MADEIRENSE

"Como diria Eduardo Cintra Torres, «as informações de que disponho -- dispomos -- indicam que o gabinete do ministro da Administração Interna deu instruções directas ao governador civil de Viana do Castelo para se abrir uma excepção e para não se cumprir a lei no caso do comício da Nova Democracia».No pasa nada". Nem é suposto que se passe nada, Paulo Gorjão. O ministro estava na Madeira a dar lições de democracia ao dr. Jardim, num ajuntamento do PS - na Madeira o PS não faz propriamente comícios -, aproveitando para lhe atirar com as "contas" à cara, bem como com as "reformas" que estão a ser perpetradas na República. Temos que ir mais vezes à Madeira para "percebermos" este governo. Obrigadinho, dr. Costa.

FAZER CONTAS

Segundo o "Correio da Manhã", as missões militares portuguesas lá fora custam cerca de 88 milhões de euros. A partir deste "dado", o PR e o primeiro-ministro já podem fazer as contas para o Líbano. Como duas pessoas pessoas sérias, com a mesma informação, só podem entender-se e chegar a uma mesma conclusão, podemos ficar descansados.

27.8.06

SÉGOLÉNE DRAGO MONTEIRO


Grande perfil de Mme. Ségólene pelo João Villalobos. Saberá ela onde fica Vila Praia de Âncora? Na dúvida, sou "mais" Sarkozy.

FRACTURAS


O prof. Marcelo, no assunto "Cintra Torres" versus RTP, defendeu a "honra da casa". Outra coisa não seria de esperar de um seu avençado. Já quanto às telenovelas da TVI e da SIC, respectivamente Morangos com Açúcar e Floribella (sim, pelos vistos é um "tema"), Marcelo apelidou a primeira de "fracturante", dirigida a "crianças adolescentes" e da SIC é um "conto de fadas" (Teresa Guilherme dixit), "transversal" em matéria de público-alvo. Da Floribella, pouco posso dizer, como já referi. Os Morangos - que já vão na quarta ou quinta "série" - não me parece que sejam exactamente "fracturantes". A emergência de uma lésbica "surfista" numa das séries, rapidamente despachada com outra para águas mais quentinhas, casais divorciados ou "amantizados" com filhos "problemáticos", a droga, o sexo, com ou sem preservativo, ou uma "troca de identidade sexual" por causa do "amor", não constituem uma "fractura" em 2006. No princípio dos anos oitenta, já Dustin Hoffman, num filme notável intitulado Tootsie, encarnava o papel de um homem apaixonado que, para chegar à amada, fez-se passar por dama. E, mais recentemente, Robin Williams também se "transformou" numa fantástica Mrs. Doubtfire, "perceptora" dos seus próprios filhos, por causa do referido amor, aqui paternal. Em Morangos com Açúcar é ao contrário: há uma menina apaixonada por um menino que se veste de menino por causa de qualquer peripécia da história, tendo a menina/menino beijado o menino que ficou constrangido em matéria de identidade sexual porque estava a sentir "qualquer coisa" pelo menino/menina. Está-se mesmo a ver como acaba. Já que nenhum dos actores tem o mínimo de densidade, digamos, "psicológica", a coisa de "fracturante" tem muito pouco. Talvez fizesse bem a Marcelo ver algo mais hard nesta matéria, porventura na própria TVI, onde, noutra telenovela, um "escort" que se paga caro, faz "serventia de cama" a ambos os membros de um casal. Par delicatesse, é o que se pode arranjar.

FONTES - 2

No fim da crónica de hoje, no Público, Eduardo Cintra Torres - o "David" que desafiou o "Golias" RTP - escreve que recebeu um "amável" telefonema do chefe de gabinete do primeiro-ministro que lhe referiu que estas fontes eram "totalmente falsas". Lido de outra forma, chega-se a três conclusões. A primeira, é que houve fontes. A segunda, é que o chefe de gabinete as conhece. E a terceira, é que elas são mentirosas. Cintra Torres, nesta versão, terá elaborado sobre uma ficção. Sucede que tudo o que deu origem ao artigo da semana passada, aconteceu. Ou melhor, na RTP praticamente não aconteceu. Por conseguinte, com fontes ou sem elas, o problema subsiste. E, tanto quanto se sabe, o sr. Luís Marinho também.

REVISÃO DA MATÉRIA


Há para aí dois dias, o dr. Correia de Campos inspirou-me uma prosa. Sobre ela, Sofia Loureiro dos Santos escreveu o seguinte: "o "monstro" criado pelo "irresponsável" Arnault foi responsável apenas pela mais espectacular melhoria dos padrões de saúde em Portugal, até hoje, e por um dos melhores sistemas nacionais de saúde que existem. Para "monstro", não está nada mal!" Pela tarde adiante, estive a trocar "sms's" com um amigo meu cuja mãe foi forçada a recorrer ao serviço de urgências do Santa Maria, em Lisboa. A senhora entrou no hospital antes do meio-dia e saiu há minutos (escrevo às 20 horas de domingo, dia 27 de Agosto). Ou seja, permaneceu oito horas no hospital. Pelo meio, foi preciso recorrer a um "especialista". Informaram-na que o dito se encontrava no 6º piso, que fosse até lá e que "tocasse à campaínha". Tocou. Em vão. O referido especialista estava no piso de cima. Esperou por ele duas horas. E, isto - imagine a Sofia - acontece num dos "melhores sistemas nacionais de saúde que existem". O dr. Correia de Campos deve urgentemente fazer "a revisão da matéria" antes que a "matéria" se encarregue de o "rever" a ele.

UM AUTO DO GIL VICENTE

Há males que vêm por bem. Se não fosse a maneira circense como começou a "liga" e as outras divisões todas juntas, jamais teríamos tido a sublime ocasião de conhecer o senhor da foto. Trata-se do "senhor presidente" do Gil Vicente, o clube que alberga um tal Mateus que deu fogo à peça. Houve tempos em que o final de Agosto era marcado pelos toiros de morte em Barrancos. As televisões não saíam de lá à espera que a lei não fosse cumprida, que a GNR assobiasse para o ar e que os autóctones arrotassem a couratos e a cerveja para cima das câmaras. Resolvido o problema a favor da "tradição", restam estas pequenas touradas com estes pequenos bandarilheiros. Ao menos este tem graça, apesar de, à semelhança de todos os outros, se levar a sério.

O DESERTO REVISITADO


Amanhã, o Presidente da República, já devidamente liberto da colheita de figos, promove um momento grave em Belém. Reúnem-se ele, o primeiro-ministro e o chefe militar das tropas para decidirem da presença lusa na UNIFIL. Como se sabe, a coisa balança entre uma (uma...) fragata, uma companhia "motorizada" e, inevitavelmente, o nada. Aparecerão os habituais discursos da "necessidade da presença portuguesa", da "participação nos compromissos da União Europeia" e, se for caso disso, a própria batalha de Alcácer Quibir. De repente, as luminárias especializadas descobriram que a nossa "vocação", afinal, não é o centro da Europa, mas o Magreb e o Médio Oriente. Timor fica por conta de Nossa Senhora de Fátima e da dra. Ana Gomes. Há dias, o dr. Severiano Teixeira, cheio daquilo que ele tem de melhor, prosápia, indicava quatro "pressupostos" para o envio de portugueses para o Líbano. Ninguém, imagino, reteve nenhum. Cavaco devia colocar um ponto final nestas fantasias. Não é por estarmos aqui ou ali - ou a fingir, como em Timor - que passamos da cepa torta ou adquirimos "importância". No Líbano, como em geral em todo o Médio Oriente, a coisa é mesmo a sério. Ninguém vai lá estar em nome de qualquer solidariedade atípica e, muito menos, por consideração pelo sr. Annan. O "maria-vai-com-as-outras" meramente simbólico que se anuncia, custa dinheiro e, no contexto, não vale um tostão. Na hora da verdade, quem é que se vai lembrar da pátria que já foi de um rei que se perdeu - e nos perdeu - no deserto?

26.8.06

OS DONOS DA BOLA


Com o psicodrama da bola em plena roda-livre, é extraordinário que ainda ninguém se tivesse lembrado dessa grande figura do regime - imagino que amplamente consensual - que é o senhor Gilberto Madaíl. Quanto ao sr. Major, já fez - disse ele - o que lhe mandaram. O deputado Hermínio, que lhe vai ocupar o lugar e cuja posse está suspensa por outro psicodrama, safou-se de boa. Há, como na política, rostos para o futebol português. Desde os "senhores presidentes" - são todos, aliás, "senhores presidentes" - aos institucionais, com o sr. Madaíl à cabeça, não falta gente a quem se pode pedir responsabilidades. Todavia, como a promiscuidade, nesta matéria, é transversal - até magistrados ornamentam direcções futebolísticas -, a "culpa" segue dentro de momentos. E os quatro balneários do sr. Vieira terão de esperar por melhores dias. O bom mesmo era a FIFA varrer os clubes portugueses das competições internacionais para ver se aprendiam alguma coisa.

A ESCOLHA -2

Não sou jornalista, mas tenho, feliz ou infelizmente, uma "memória de elefante". No seu inevitável declínio, o Expresso, pela mão de Ângela Silva, que supunha melhor informada, escreve que a escolha de Souto Moura, em 2ooo, quando era ministro da Justiça o dr. António Costa, passou pela "negociação" com o líder do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa. Ângela, que é da "política", devia saber que o líder do PSD, nessa altura, e desde Maio de 1999, era o dr. Barroso. Mas adiante. O dr. Costa, sabe Deus com que esforço, tem mais umas semanas para "engolir" a sua escolha de então. Desta vez, e depois do tenebroso episódio que lhe custou um líder, o PS vai querer gerir o assunto PGR com muito cuidado. Só espero que os diversos intervenientes nesta nova escolha não sejam tão timoratos ao ponto de repetirem a asneira. Deve fugir-se dos homens "consensuais" como o Diabo da cruz. É por isso que eu defendo a subordinação do Ministério Público ao ministro da Justiça. Sempre as coisas ficam, à partida, mais transparentes.

A FORÇA - 2

O semanário oficial do regime, até ao nascer do "Sol" - sim, porque depois das peripécias desta semana, o Diário de República deixou de apresentar fidedignamente o que se passa no Estado -, informa que, em matéria de tropas portuguesas lá fora, troca-se a Bósnia pelo Líbano. O dinheiro não abunda e, como tal, uma simples fragata ou uma rapaziada "mecanizada" lavam, no Médio Oriente, a face europeia do país. Não lavam coisa nenhuma. Tornam apenas mais ridícula a nossa insignificância. Estas "missões" servem muito justamente para os participantes ganharem mais uns trocos, razão pela qual dentro das forças de segurança - PSP e GNR - e das forças armadas muitos se colocam em bicos dos pés para serem "voluntários". O resto é retórica em torno de uma "importância" internacional e de uma "presença" que manifestamente não temos.

25.8.06

VIVER HABITUALMENTE


O país entra de fim-de-semana com um psicodrama às costas. Quando cheguei a casa, tentei perceber o que ia por cá e pelo mundo através da SIC Notícias. O "jornal das 7" deu-me, em vez disso, 5o minutos bem contados de bola. Não faltou praticamente ninguém. O sr. Major em directo, o sr. Dias Ferreira em directo para "comentar", uns senhores que eu não conheço mas que "presidem" ao "Leixões", ao "Gil Vicente" - aparentemente o autor do psicodrama - e ao "Belenenses" - que tem uma excelente piscina - e, para terminar em beleza e igualmente em directo, o sr. Vieira, do "Benfica", que já ontem tinha merecido minutos infinitos em todas as televisões. Os telejornais seguintes - SIC e TVI - abriram inevitavelmente com o mesmo psicodrama. E o "serviço público", que já estava a transmitir um jogo qualquer lá fora, começou com a mesma conversa. De tudo o que se disse, retive que o estádio do "Benfica" tem quatro balneários e que - explicou o sr. Vieira - os jogadores "entram todos pelo mesmo túnel". Embruteci instantaneamente: não sei como é que cheguei até à data sem saber uma coisa destas. Do psicodrama, entretanto, resultou que dois ou três jogos da "liga" e do "bwin" (parece que é esta a nova designação da "2ª divisão") ficam suspensos, o que retira o "brilho" previsto para o início da época da futebolada. Uma coisa é certa. São todos bons rapazes e os melhores aliados do governo. A bola é uma espécie de anestesia colectiva, administrada em doses suaves, por tudo e por nada. Em linguagem "salazarenta", a única que, pelos vistos, conhecemos, chama-se a isto viver habitualmente.

Adenda: ... e este homem gosta de futebol e já devia saber da "história" dos quatro balneários.

Adenda 2: São 22:30. Na SIC Notícias já perora, sobre o psicodrama, o bastonário da Ordem dos Advogados. Se o professor Cavaco não andasse aos figos, ainda era capaz de aparecer.

Adenda 3: Cerca das 23 h. Depois da bola, a RTP transmite uma tourada. Um mundo perfeito. E, desta vez, a cores.

A TRANSPARÊNCIA OPACA

A ADSE, o subsistema de saúde da função pública, sofreu um aumento em algumas das suas tabelas, designadamente em matéria de meios complementares de diagnóstico. O aumento aconteceu pela calada do verão e entrou em vigor no passado dia 1. Questionado o ministério das Finanças sobre o acto, o mesmo "esclareceu" que o aumento já tinha sido anunciado... no "plano de actividades" da ADSE. Daqui para diante, para além do Diário de República - que, entre outras coisas, omite os vencimentos dos gestores dos institutos públicos, das empresas de capitais públicos e do Banco de Portugal, uma vez que são fixados por obscuros despachos simples do ministro das Finanças - o cidadão deve dedicar-se à leitura dos "planos de actividade" das direcções-gerais para saber o que lhe vai acontecer. É uma nova forma de transparência "pró-activa". Quer dizer, opaca.

O MONSTRO


Esta semana. com o país a meia-haste nas praias e a tirar macacos do nariz, o dr. Correia de Campos encarregou-se de falar depois do conselho de ministros. Teriam sido aprovadas as famigeradas "salas de chuto" - uma coisa que manifestamente estava a fazer muita falta - e Campos aproveitou para dar alguns recados aos "hospitais-empresa", ameaçando a respectiva gestão de despromoção do hospital conforme os "indicadores". É capaz de ter falado de outros assuntos, mas confesso que não lhe prestei atenção. Correia de Campos é um homem que toda a vida sonhou ser ministro da Saúde. Quando Guterres já se afundava alarvemente e, com ele, o país, lembrou-se de o ir buscar para ministro. Campos não teve muito tempo para se mostrar. Nem estava à vontade. Agora não. Ancorado na maioria de Sócrates, Correia de Campos quer deixar uma obra. Sem querer ou poder desmantelar o indesmantelável "serviço nacional de saúde" criado pelo irresponsável Arnaut nos anos setenta, imagina transformá-lo numa coisa mais credível e mais barata. Antes dele, respeitáveis senhores e senhoras imaginaram o mesmo. Quando ele regressou, a trapalhada estava apenas mais consolidada, depois do "empreendedorismo" do dr. Pereira, o "gestor" escolhido por Barroso e Santana Lopes. Ainda há dias foram divulgados os milhões que o SNS custa diariamente aos cofres públicos. Campos, na sua insustentável leveza, bem nítida no ar contentinho com que deu a conferência de imprensa, ainda não entendeu que, quando partir, tudo estará vagamente na mesma, com hospitais e centros de saúde tranquilamente infrequentáveis como estavam há dez ou quinze anos e a indústria do medicamento florescente. Fazer apenas contas não chega. Zurzir nos profissionais de saúde, a torto e a direito, à conta da "autoridade", também não. As coisas são o que são. Correia de Campos passa, como passaram todos os outros. O "monstro", como lhe compete, fica.

A FORÇA

Consta que Portugal vai "oferecer" à UE, para o Líbano, à volta de cento e tal soldados. É uma forma, de facto, e à nossa dimensão, de afirmar a presença lusa em "teatros" complicados. A França, que quer comandar a "força", contará com dois mil. E o sr. Annan "desce" à Europa e ao Médio Oriente para derramar as habituais inocuidades. No meio disto, sobressai a sobriedade do actual MNE, Luís Amado. Ao contrário de outros seus companheiros, ainda não o apanhei a dizer asneiras. É sensato e parece-me que tem a noção do que valemos. Daí a simbólica centena e tal de tropas portugueses. Para atrapalhar, já basta o "terreno".

24.8.06

O PLANETA ANÃO


O ano passado, por esta altura e a instâncias de uma amiga que foi "muito bem servida", deu-me para consultar um "bruxo" rendido à "numerologia" e ao computador. Traçou-me a "carta astrológica" e, no fundamental, prometeu-me infelicidade para os próximos três anos (um já passou). Tal prognóstico, explicou-me ele, devia-se à irritante presença de Plutão numa "casa" qualquer. E - continuou -carregar com o "peso" do dito Plutão naquela específica "casa" - da qual ele só tenciona sair daqui a dois anos - tem aquela miserável consequência. Agora, a autoridade científica competente, retirou Plutão do sistema solar e reduziu-o à categoria de "planeta anão". Bem feito. Estou esperançado que, com esta desconsideração, Plutão saia da tal "casa" e me deixe, finalmente, em paz.

FOGO QUE ARDE SEM SE VER


No regresso a casa, ouço que cerca de trezentos pastores do Parque Natural Peneda-Gerês estão "de tanga" e preocupados com o que hão-de dar de comer aos animais. Isto acontece porque, no já célebre dia 12 de Agosto - dia em que a RTP, ao fim de trinta e tal minutos de "notícias", se lembrou de um incêndio em Arcos de Valdevez e dedicou uns vagos dois minutos ao assunto - ardeu uma área substancial do referido Parque que o "serviço público de televisão" quase que "apagou" para, supôe-se, não tentar os pirómanos e poupar os espectadores à sevícia. Sucede que a realidade tem infinitamente mais força que o infeliz sr. Luís Marinho. E começa lentamente a emergir. Tal como a televisão que dirige, enquanto director de informação, "apagou" este incêndio, talvez esteja na hora de "apagar" o sr. Marinho da RTP.

A ESCOLHA


O dr. Ribeiro e Castro, que passa por ser o líder do CDS/PP - até o improvável dr. Manuel Monteiro lhe quer "comer" o PP -, pretende ser "ouvido" na escolha do futuro Procurador-Geral da República. Não acho mal. Podiam seguir-se o PC, o BE, os falsos "Verdes" e a minha empregada. Acentuava a natureza verdadeiramente política do escrutínio e acabava-se de vez com o mito corporativo da "magistratura independente" do Ministério Público. Assim como assim, quer este procurador-geral, quer o que o antecedeu, não fizeram outra coisa, por linhas retorcidas, senão quase exclusivamente política. Não sei se lembram, mas Cunha Rodrigues chegou mesmo a sonhar com Belém. É bom, pois, que, de futuro, haja distinções. Quem administra a Justiça e deve ser independente, são os tribunais. Quem representa o Estado e os "desvalidos", é o Ministério Público. Quem manda, é o poder político democrático, por mais mau que seja. O grau de sofisticação de uma democracia mede-se, entre outros aspectos, pela qualidade da sua justiça e dos seus operadores judiciários. O regime já provou que, nesta matéria, é pouco mais que desgraçado. Não se agrave, pois, em Outubro, a desgraça.

GRANDES FRASES


"As dactilógrafas declaravam que ele dormia com o sorriso e que o lavava à mão nos fins-de-semana."

John Le Carré, "O venerável espião" (The Honourable Schoolboy)

23.8.06

UMA QUESTÃO DE CABEÇA

Vi, na televisão, um pequeno bando de enfermeiros à porta do Ministério da Saúde. Querem não-sei-quê por causa das respectivas carreiras e tiveram por porta-voz uma moçoila com um valente ar masculino, daquelas que se imagina a dar uma murraça no próprio ministro. Deste, naturalmente, gostavam de obter a cabeça. Todavia, e como escreveu há muitos anos Vasco Pulido Valente, noutro contexto, quando se reclama a cabeça de um ministro, convém verificar previamente se ele a tem.

ASSIM SE VÊ A FORÇA DO PC


Carlos Sousa, o presidente da Câmara de Setúbal, disse-se "surpreendido" com a decisão do seu partido em o afastar do cargo. A "concelhia" do PC local não dedicou uma linha ao seu ex-autarca e convocou as "energias" dos novos escolhidos. Independentemente dos inquéritos que abrangem o mandato de Sousa, uma coisa é certa. O PC continua a funcionar como uma máquina clandestina, enquistada, soturna e, sobretudo, anti-democrática. Um anódino "colectivo" decide por todos ou por um. Não interessa nada ao partido que as populações ignorem os nomes que se seguem aos cabeças-de-lista e que votem, não tanto pela cor partidária, mas por causa da primeira criatura. É assim em todo o lado e não será seguramente diferente em "território" comunista. Sousa tinha "provado" como autarca no distrito e, por isso mesmo, o partido foi buscá-lo para "devolver" a capital ao PC. Imagino, como o Paulo Gorjão, munícipe sadino, que muito boa gente votou em Sousa por causa de Sousa, e não pelo PC. Se Sousa cometeu irregularidades, é só mais um e os tribunais que decidam. Politicamente o PC sai disto fragilizado e, se ocorrerem eleições intercalares, previsivelmente perderá. Não me parece que Carlos Sousa esteja "à venda" como "independente" para outras listas. Mas se isso acontecer, também não me admirava. Assim se vê a força - decadente - do PC.

UMA TRIVIALIDADE

Os jornais e as televisões falam constantemente da "clonagem" dos cartões "multibanco" como se fosse uma trivialidade. Convinha, no emaranhado de "autoridades" que há para tudo e mais alguma coisa, que uma delas actuasse. E os bancos, que oferecem este mundo e o outro aos seus clientes, também. Estamos perto, mas isto ainda não é o Congo ou a Somália.

OS MANDARINS -2

"Eduardo Cintra Torres produz uma das raras colunas de comentário sobre a televisão (na realidade é mais do que isso é crítica dos media, o que explica alguns furores) que pode ser chamada de “crítica”. A outra é que nas reacções de alguns jornalistas ao “caso” é claro que não perdoam a Cintra Torres ter colocado em causa não o Governo de Sócrates, mas a muito mais delicada questão das relações dos governos socialistas com a comunicação social. Quando os governos são do PSD e do CDS, as relações com a comunicação social são cuidadosamente escrutinadas e denunciadas, quando os governos são do PS a matéria torna-se sempre explosiva e a exigência de prova, mesmo em textos analíticos, vem sempre à cabeça. Um caso menor pode servir de comparação: a relativa complacência com que o livro de Manuel Maria Carrilho foi recebido, com acusações insubstanciadas muito mais graves do que as que fez Cintra Torres (caso fiquem elas também por provar, o que seria grave)."

José Pacheco Pereira, in Abrupto

ASSÉDIO POLÍTICO

Por este andar, Israel ainda "vira" uma sociedade puramente militar. Já faltou mais.

FONTES


Registo, João, a amável advertência. Pelo que conheço de si - e só conheço o que escreve - é um homem livre. E, pasme-se, consegue acumular a condição de jornalista com a de ironista, uma qualidade que não é perceptível por toda a gente. Tem razão. Somos muito despachados, enquanto "povo", a julgar os outros. Um jornalista a comentar o incomentável - os jornalistas - é, de facto, difícil de digerir. Cintra Torres comenta televisão e, dentro desta, a informação que ela produz. Até tem uma "tese" recentemente editada. É, sem ironia, uma espécie de Mário Castrim democrático. Eu não gosto do "diz-se que". Inevitavelmente o jornalismo vive disso, do "diz-se que". E o "diz-se que", mais conhecido na gíria por "fonte", até consegue proezas extraordinárias como a que o Ministério Público e a Judiciária perpetraram no "24 horas" à conta do "envelope 9". Não era a "fonte" que interessava, era o veículo. Nesta peripécia estival, é sensivelmente a mesma coisa. Ela passa- a peripécia- por tudo o que é jornal, televisão e blogue. E o essencial fica por debater entre floreados. Se Cintra Torres "desceu" aos interstícios do gabinete de um chefe de governo, através de "fontes" que lho permitiram, talvez convenha ao governo, antes de tirar o açaimo aos mastins habituais, perceber como é que isso foi possível, partindo do princípio que o Cintra Torres anda bom da cabeça e que é verosímil o que ele escreve. É que se a coisa passa para a funesta "entidade reguladora", é o mesmo que encomendar a alma ao diabo. Sabe, João, eu tenho respeito pela actividade jornalística mas não tenho nenhum tipo de temor reverencial como, aliás, não tenho por nada nem por ninguém. Estou naturalmente a pensar - também - no Cintra Torres. O mesmo aplico aos blogues que são um engenho comunicacional como outro qualquer. Numa democracia séria - não é o caso da nossa que é imatura e, por isso mesmo, perigosa - tudo é escrutinável, desde o chefe do Estado até ao poder judicial, passando inevitavelmente pelos jornalistas. Todavia, é na abjecção do anonimato que nós nos sentimos bem. Por delicadeza ou vergonha, chamamos-lhes, às vezes, "fontes". É a vida.

22.8.06

OS MANDARINS

Os mandarins da RTP - esse nefando "serviço público" de televisão - querem pôr em sentido o cronista do Público Eduardo Cintra Torres. Nem nos piores tempos do "barrosismo-santanismo" - em que o referido cronista zurziu metodicamente o desempenho do dito "serviço público" e da respectiva tutela - se foi tão longe. O "país do respeitinho" clama imediatamente por tribunal: não há debate, não há confronto, não há conflito, não há "espaço" público. Do que pude ler no artigo visado - e digo visado no sentido pejorativo que o termo tem - ECT questiona uma "política de informação" e fá-lo a partir de uma análise detalhada de um concreto telejornal. Foi, pelo menos neste aspecto, objectivo. E quem assistiu, lembra-se. Aqui, no entanto, subsiste um pequeno problema. O PS não sabe lidar com a informação. Nunca soube. O pobre do dr. Sarmento, ao pé deles, é um amador. Dantes era o eterno Arons de Carvalho que opinava e mandava. Agora deve ser um "colectivo". A sofisticação é outra. No meio disto tudo, paira uma fantástica "entidade reguladora" que, mesmo antes de ouvir o visado, já opinou. Fica esclarecida definitivamente - como se fosse preciso - a "natureza" da "entidade". Luís Marinho, que "dirige" a maravilhosa informação da RTP, já apareceu, em voz, na SIC-Notícias e mais valia ter estado calado. Falta falar o governo que sofreu, realmente, uma grave acusação. Menos que Augusto Santos Silva, não é aceitável.

OS DIAMANTES SÃO OS MELHORES AMIGOS DOS BLOGUES


João: como não há praticamente notícias para lá da inevitável bola e só emergem o dr. Costa, o "compadre" Ascenso e os seus fogos amestrados, "ponha a boca no trombone" e diga-nos quais são os "blogues que recebem dinheiro para escreverem certas e determinadas coisas". Força. Surpreenda o "lado Carlos Castro" que habita no nosso inconsciente toldado por caipirinhas, gins tónicos e vinho branco fresco.

A LUTA CONTINUA

"A relação com Deus, tal como a conhecem hoje cristãos e muçulmanos, é de origem quase exclusivamente hebraica. Todos passámos pela Bíblia, pelo rosto múltiplo de Javé, pelos Salmos, por Job, pela leitura escrupulosa dos textos sagrados, pelo sonho do Messias, pela espera do fim dos tempos. Por isso, em primeiro lugar, cristãos e muçulmanos odiaram os hebreus. Odeia-se, sobretudo, os próprios pais e os próprios semelhantes. Os judeus ensinaram aos cristãos e aos muçulmanos uma ideia: que a cidade de Deus devia ser vivida aqui e agora, com um rigor absoluto, na pureza das leis e dos ritos. Nenhuma ideia é mais trágica; nenhuma causou mais desastres na história universal."

Pietro Citati, Israel e o Islão, As Centelhas de Deus, Livros Cotovia

Por mais que tentem, é mais forte do que eles. A luta continua.


O PORTÃO


O dr. João Figueiredo percebeu que tinha de dizer qualquer coisa. Só que, ao afirmar que "a não publicação em Diário da República dos contratos de trabalho dos funcionários do Estado diz respeito apenas aos contratos com prazo" , acaba por dar razão às desconfianças. Contratos com termo certo são vias rápidas para muita coisa e, eventualmente, para muita gente. O bonzinho Guterres também começou assim. O portão continua aberto.

21.8.06

LENDO OUTROS


Pela Helena Matos cheguei - antes do texto "chegar" ao "6ª" do Diário de Notícias - a esta prosa de Mario Vargas Llosa sobre Cuba. A ler na íntegra.

MALES DA ESTRADA


Para além deste "mal" apontado pelo Filipe Nunes Vicente, acrescentaria alguns outros. Taxistas, "escurinhos", "tugas" com um chapéu na cabeça, condutores de carrinhas Nissan, de Toyotas Hiace e de autocarros da Carris. Mas o pior mesmo é uma mulher a conduzir o jipe que o marido lhe ofereceu para ela não o maçar. É de fugir.

NÃO HÁ ASSINATURAS DE GRAÇA

Por estes dias - é sempre por estes dias em que a pátria está no refrigério -o governo pediu aos organismos públicos que lhe indicassem os "avençados" e os prestadores de serviço (o famoso "recibo verde") que possuíam. Presumia-se que seria para avaliar a pertinência da sua manutenção e, sobretudo, reduzi-los ao estritamente necessário, quando não, a zero. Muito bem. Noutro governo, o de Barroso, altura em que eu pertencia à direcção de um instituto público - um teatro - surgiu a mesma solicitação, exactamente por esta altura. Lá se enviou tudo detalhadinho, com a identificação muito precisa do que se passava e do que se devia passar. Letra morta, naturalmente. Desde aí até esta data, o dito teatro já somou mais não sei quantos "avençados" cuja "necessidade" estará por explicar, essencialmente para a "burocracia" e para a "técnica". Se isto se passa num teatro, imagine-se numa vulgar direcção-geral, num instituto público propriamente dito ou numa daquelas carinhosas empresas de capitais exclusivamente públicos que "emprateleiram" notabilidades e nulidades que passaram para o lado da sombra. Por isto, o propósito de sonegar à visibilidade pública os contratos de trabalho celebrados entre o Estado e seus putativos trabalhadores, assinado pela mão do secretário de Estado da Administração Pública, João Figueiredo, abre um portão lá onde se pretendia alegadamente fechar a janela. Se assim for, o governo fica com a autoridade política diminuida para "mexer" na função pública. E a conversa da "redução da despesa", para justificar tudo e mais alguma coisa, passa a ser, no mínimo, rísivel. É que não há assinaturas de graça.

AUTARCAS

Há dois anos, para ir para o governo fazer aquela figura inesquecível de primeiro-ministro, Santana Lopes "cedeu" o lugar de presidente da Câmara de Lisboa a Carmona Rodrigues. Aquando da campanha de 2001, ninguém deu por Carmona. Santana era naturalmente Santana e bastava. Em Oeiras, depois do dr. Isaltino ter marchado para o governo de Barroso, a "tia" Zambujo, sua "número 2", presidiu à Câmara até Isaltino a reconquistar como "independente", com o PS de olhos vendados. Isto para dizer que não é inédita a substituição de presidentes de Câmara a meio do mandato. A mais "mediática", como sabemos, foi a emergência de João Soares em Lisboa quando Sampaio se candidatou a Belém. Em Setúbal, no entanto, a coisa é diversa. Às trapalhadas do dinossauro Mata Cáceres, do PS, vêm aparentemente juntar-se, agora, as do sr. Sousa, do PC. Parece que um órgão de controlo da administração autárquica concluiu que o sr. Sousa, afinal, era um autarca igual aos outros. Por isso, o PC "pondera" - é óbvio que já decidiu - correr com ele e, de acordo com o "centralismo democrático", substitui-lo pelo seguinte na lista. Provavelmente antes que ele perca o mandato por imperativo legal. Durante anos a fio o PC explorou o mito da intangibilidade "ética" dos seus autarcas e, por consequência, apresentava-os ao povo como "exemplares" e "trabalhadores". Mesmo quando em Loures (Severiano Falcão) e em Évora (Abílio Fernandes) corriam rumores, o PC encarregava-se de deixar o assunto por conta da casa. Jerónimo de Sousa, para tapar o buraco, inventou desta vez a ideia de os"avaliar". Se der na telha a Sousa, como deu a outros prosélitos que se imaginavam "salvadores" das respectivas populações, apesar das milongas em que entraram, qualquer dia anda para aí a pregar como "independente". Entre perder a Càmara e perder a face, o PC pondera se quer quer ver um seu autarca juntar-se à gloriosa galeria dos Isaltinos e das Fátimas Felgueiras. Na verdade, já tinham direito a um.

20.8.06

"ÉTICA REPUBLICANA"

Qual será exactamente o objectivo disto? Pode ser que a lei - essa velha meretriz que tudo culpa e desculpa - não imponha que os contratos (privados) de trabalho com a administração pública sejam publicitados no Diário da República. Todavia, parece-me que é do interesse da República - sobretudo de quem a sustenta - saber quem trabalha para ela e porquê. Não encheram a boca com a "ética republicana"? Então, se fizerem favor, cumpram-na.

A BRIGADA ANTI-FOGO


Se isto for verdade..."[A]s informações de que disponho indicam que o gabinete do Primeiro-Ministro deu instruções directas à RTP para se fazer censura à cobertura dos incêndios: são ordens directas do gabinete de Sócrates», refere Eduardo Cintra Torres (PÚBLICO, 20.8.200)."

DE GRAÇA?


A passagem da ponte que une Almada a Lisboa é "de borla" no mês de Agosto. Era suposto que o trânsito fosse mais "fluído". Não é. A "Lusoponte"ou lá o que é, decidiu que, das dezasseis "portas" com cabinas de portagem, apenas seis ou, como hoje, sete, estejam abertas. Mesmo assim, criaram no asfalto uma espécie de puzzle de um e do outro lado das portagens que dificulta a chegada à entrada da ponte. Não há nada de graça neste país de manhosos.

NÃO É FÁCIL DIZER BEM - 2

Isto - o bocado do Guerreiro - é justamente o tipo de prosa "crítica" que equivale a uma bosta. Qualquer putativo leitor dos livros a que Guerreiro alude no texto "A situação da poesia" (no Actual, do Expresso), terá imediata tendência para fugir deles. Mais adiante, a propósito também de poesia (idem, "Ironia, Nostalgia e Luta"), Joaquim Manuel Magalhães - que, na minha modestíssima opinião, é dos poucos que a sabe "ler" e escrever - "encosta" Guerreiro, sem sequer o imaginar, a um cantinho silencioso. Guerreiro tem talento e tem até um livrinho legível, "O acento agudo do presente", das edições Cotovia. O resto é muita prosápia e muito Prado Coelho.

TELENOVELAS



O Jorge Ferreira desafia-me a dizer das telenovelas "Morangos com açúcar" e "Floribella" tão ou mais "mal" do que disse do "mundial" nas televisões. Já percebi que, quer a TVI, para a primeira, quer a SIC, para a segunda, não se poupam, nem nas horas infinitas de transmissão, nem nos horários. Sobre os "Morangos" - que constituem o maior "pastelão" da TVI desde há não sei quantos anos - já várias vezes me pronunciei. É um "retrato" da adolescência light - haverá outra? -, com diálogos primitivos, "amores" previsíveis e "enredos" idiotas, tudo na transição entre o "secundário", a universidade ou o nada. O casting espreme-se por arranjar meninos e meninas com umas carinhas larocas e os meninos e as meninas espremem-se para aparecer na telenovela. Pelo meio houve um drama - a morte "real" de um dos actores - que infelizmente foi explorado até à exaustão. Ainda o mês passado, estando de férias no Algarve, quando liguei a televisão manhã cedo, lá estava a repetição de uma série anterior dos "Morangos" com o morto. Da "Floribella" nada posso dizer, mas imagino que a "ideia" - se é que aqui há lugar a ideias - é "concorrer" com a outra, com a publicidade inerente promovida pelo grupo Balsemão. Dá resultado. O filho da minha empregada, com quatro anos, sabe as músicas de cor e identifica uma a uma as personagens nuns gigantescos "suplementos" coloridos que o Expresso oferece aos sábados. "Morangos com açúcar" e "Floribella" cumprem - não interessa se mediocremente ou não - a sua função de entretenimento. Como lhes compete, são frívolas e esquecíveis, como o é o quotidiano dos putativos espectadores. Quem as vê, revê-se naquilo porque aquilo limita-se ao que as imagens contam. Não exige pensamento, não compromete e até tem pretensões "pedagógicas", como, no caso dos "Morangos", "ensinar" o sexo seguro, a grande mitomania dos tempos correntes. E a intriga é sempre acessível a qualquer analfabeto. As televisões generalistas lá fora, quer na Europa, quer nos EUA, não são, nesta matéria, exemplo que se recomende. Produtos deste género fazem parte do livre arbítrio da democracia. Quem quer, vê, quem não quer, desliga. Todavia não confundo as coisas. A bola, seja na forma de campeonato ou de "liga", invade outro território que é o da informação. Os telejornais transformaram a bola numa telenovela e, no caso do "mundial", chegámos a ter a telenovela durante quase 24 horas quando ocorria um jogo "importante". Aliás, a RTP, "serviço público", que não tinha acesso aos jogos, não se poupou nessa patriótica missão. A diferença é que as telenovelas, por mais básicas que sejam, não pretendem salvar a pátria. Quando muito, podem aliviá-la momentaneamente e distraí-la. Com a bola, como o Jorge sabe, já não é bem assim. Confunde-se com a política e, através dela, faz-se política. Cada vez que a selecção solta um murmúrio ou mete um golo, a pátria sente-se redimida. Mesmo ficando tudo na mesma - como fica - não há instituição do Estado que não se entregue às pernas salvívicas dos jogadores. Ainda a "liga" não começou, e já não se pode ouvir o "sr. presidente". Tudo serve de pretexto para minutos infinitos nos telejornais, desde o autocarro do sr. Pinto da Costa até às azias do sr. Vieira. Presumo que o sr. Hermínio Loureiro, ilustre deputado da nação e que foi secretário de Estado dos Desportos do dr. Barroso, não quis ir para presidente da "liga" só para passar o tempo, ou o bastonário da Ordem dos Advogados para presidente da assembleia geral do Sporting, por não ter mais nada que fazer. O futebol cumpre fielmente uma função política e a função política não dispensa o futebol. O resto - as telenovelas, o macaco Adriano, o "noddy" e outros que tais -, para já, ainda não atrai a política. Só o sr. Avelino Torres, por acaso um subproduto circense da política e do futebol, é que se sentiu "atraído". E vejam só como acabou.

19.8.06

UMA SUSPEITA

Oxalá eu me engane, mas parece-me que a guerra no Médio Oriente é como os nossos fogos. Não tarda nada, está de volta.

O AFILHADO


Simpatizo com esta "ideia politicamente incorrecta" do Jorge Ferreira. Estou literalmente farto do actual "formato" do prof. Marcelo da mesma forma que, suspeito, ele estará farto da sua própria caricatura. Todavia, como isto é uma democracia, é preciso aparecer, tornar a aparecer e aparecer outra vez. Marcelo não há-de querer "acabar" como o putativo padrinho. Ele lá sabe qual é o seu Pontal.

O PONTAL


Quando Cavaco Silva era primeiro-ministro e presidente do PSD, passou inevitavelmente pela "festa do Pontal", o must algarvio da estiagem social-democrata. Foi numa dessas passagens que emergiu a figura do "homem do leme" que faria escola. Cavaco disse que o país tinha um rumo e que à frente do leme estava alguém - ele próprio - que era o penhor desse rumo. Mal ou bem, tinha razão. Na altura, para o país e para o partido ele era efectivamente - não obstante as patifarias de Belém - "o homem do leme". A mitologia em torno do Pontal foi, aos poucos, desvanecendo-se. Em 95, presidia Fernando Nogueira, houve concorrência com o PS de Guterres para ver quem tinha mais assistência. Porventura terá sido essa a última vez que o Pontal despontou politicamente. Daí para diante, fosse por que fosse, acho que ninguém tem a mais vaga memória do que lá foi dito e por quem. Este ano criou-se um pequeno drama, piroso, em torno da "festa". O organizador, o poeta algarvio Mendes Bota, lembrou-se, na ausência de Marques Mendes, de convidar essa grande figura nacional que é o autarca de Gaia, o dr. Menezes. Estavam previstos mais ornamentos que, atenta a conta em que se têm, prudentemente se afastaram. Refiro-me ao "herdeiro" mais ilustre do funesto "barrosismo", o dr. Morais Sarmento, e à "promessa" eterna e politicamente nula, o dr. António Borges. Realmente, com gente desta, o que é que o dr. Marques Mendes, estando, como se presume, de perfeito juízo, lá ia fazer?

18.8.06

TRANSIÇÕES

"Cuba é hoje um cadinho fervilhante de ideias sobre a transição". Esta pérola pertence ao professor doutor Boaventura Sousa Santos que, desde tempos imemoriais, "observa" a Justiça portuguesa. Boaventura, o mais famoso sociólogo coimbrão, é, como se sabe, politicamente inconsequente. Apesar da aturada investigação universitária a que se dedica, ainda não conseguiu, nesta matéria, sair de uma idade primitiva. Para ele, os "amanhãs" continuam cantáveis, de preferência em lírica rimada. Boaventura devia saber que, numa ditadura, e, sobretudo, numa ditadura com as características da "castrista", ter ideias fora do cânone é uma infâmia punida com o desterro ou a prisão. Logo, ninguém imagina - a não ser, pelos vistos, ele - que em Havana possa existir "um cadinho fervilhante de ideias" e, muito menos, qualquer "transição". Alguém concebe Fidel Castro em "transição" para outra coisa que não seja a sua privativa nomenclatura? Boaventura, como muitos "intelectuais" espalhados pelo mundo, teme pela saúde da Cuba "castrista" e não propriamente pela felicidade dos autócnes. Afinal, e a esta conveniente distância, que diferença faz uma democracia a mais ou a menos na contabilidade "sociológica" do nosso distinto académico?

Adenda: "Les beaux esprits se rencontrent"

NÃO É FÁCIL DIZER BEM


Um dos meus blogues preferidos, o Esplanar, mudou de dono. Quer dizer, não mudou propriamente, mas o lamentável silêncio do João Pedro George fez com que o blogue partisse numa direcção inesperada. Está praticamente transformado no blogue de Carlos Leone (na foto), cuja "identidade" é revelada numa entrevista que concede ao guru Mexia, no suplemento "cultural" das sextas-feiras do Diário de Notícias. Leone escreveu um livro em dois tomos, intitulados respectivamente "Portugal Extemporâneo - história das ideias do discurso crítico moderno" e "Portugal Extemporâneo - história das ideias do discurso crítico português no século XX" (INCM). Percebe-se um pouco do propósito aqui. Não quero avançar muito sem, se for o caso, ler os referidos tomos, em especial o segundo. Todavia, as visitas que efectuo ao Esplanar e o "tom" do autor, permitem-me fazer umas breves - e desavergonhadas, provavelmente no entender de Carlos Leone - considerações. O ensimesmamento - eu sei, é terrivelmente "pradocoelhiano" - do exercício crítico, seja nas "ideias", seja, em concreto, no território literário, em vez de aproximar os "leitores" da "letra", só contribui para eles prudentemente se afastarem. Os "críticos" adoram explorar umas polemicazinhas entre si e, se possível, acompanhar o exercício com carícias alternadas com coices. Por exemplo, merecer a honra de ser entrevistado, lido e babujado por Pedro Mexia, coloca qualquer "intelectual" português contemporâneo à beira de um orgasmo. Se a coisa puder ser aconchegada com um texto "amigo" sobre a "obra", a consagração é definitiva. Nessa matéria, este suplemento do DN é, como se sabe, insuperável. Basta ler o "velho" Esplanar. Uma das graças que tem o João Pedro George é ser refractário à "capela" e à norma o que, num país de invejosos e de compulsivos analfabetos, lhe deve causar dano certo. Já Carlos Leone me parece que se leva demasiado a sério, indo ao ponto de misturar alhos e bugalhos com a sua (já) imensa vaidade. Ao contrário dele, talvez imaginando-se o Steiner luso, não julgo que os blogues sejam necessariamente "do mesmo de sempre, agora com textos cada vez mais curtos (o digital permitia dispor de mais espaço, ainda se lembram do que se dizia no início?), para gente cuja experiência de escrita e de leitura se faz por mensagens de telemóvel que se escrevem sozinhas." Fale por si, Dr. Leone, se fizer favor. Dito isto, parece-me que o Esplanar perdeu a alma. É isso. Não é fácil dizer bem.

O REGRESSO...

... do freteiro.

OS IMPREVISÍVEIS

Com que então "a prevenção do incêndios só produz efeitos a médio e longo prazo"? Se Jaime Silva, o ministro da Agricultura, não se pôe a pau, o dr. Costa faz-lhe o mesmo que fez ao dr. Campos e Cunha. Já no tempo de Guterres, esse sage chamado Jorge Coelho fartava-se de chamar a atenção para os "independentes". São, por assim dizer, imprevisíveis.

O SERVIÇO PÚBLICO


Depois de uma entrevista parvinha da Judite de Sousa à ainda muito bonita filha de Marcello Caetano, Ana Maria, a RTP brindou os espectadores com um "documentário" sobre o antigo chefe do Governo. Tratou-se de uma coisa preparada com os pés, com uma edição medíocre e um "guião" escrito, para não ser mal educado, por gente impreparada e arrivista. A geração que não conheceu Caetano, fiocu ligeiramente na mesma ou pior. Retenho uns "momentos" ilustrativos do que digo. Como se isso interessasse para alguma coisa, o documentário referiu a presença do professor no Teatro de São Carlos quando a Callas lá foi cantar, em 1958. Segundo os guionistas, assistiu a uma récita da "Aida", de Verdi. Errado. Foi "La Traviata", do mesmo Verdi, um dado facílimo de obter. Depois, lá mais para diante, chamaram à "Acção Nacional Popular" - o "movimento" do "marcelismo" que substituiu a "União Nacional" -, a "Assembleia Nacional Popular". Finalmente, o período correspondente ao exílio de Caetano no Brasil, até à data da sua morte, em 1980, foi "passado" a correr, sem nenhuma referência à correspondência trocada com amigos durante esse tempo ou a intervenção de alguém que pudesse testemunhar essa época tão pouco evocada. Mesmo que os rapazes fossem maoístas, por causa da "assembleia nacional popular", a televisão pública prestou, com este documentário, um péssimo serviço público. Mais valia terem estado quietos.

17.8.06

MARCELLO JOSÉ DAS NEVES ALVES CAETANO


De Marcello Caetano, apenas recordo a imagem televisiva e o silêncio reverencial com que era ouvido em casa quando "conversava em família". O direito levou-me fatalmente até ele. Primeiro nas versões brasileiras dos seus manuais e, finalmente, nas reedições dos originais propiciadas pelas editoras de Coimbra. Morreu no ano em que comecei a prestar mais atenção aos seus escritos jurídicos por causa do currículo escolar. Fora disto, fiz questão em ler as suas "Memórias" de Salazar - escritas a partir do Brasil - e a incompleta e derradeira obra, "A história do direito português". Sem a sua biblioteca, como gostava de sublinhar, deu ainda à estampa uma nova edição da "breve história das constituições portuguesas" onde já fazia alusão àquela que nos rege, a de 1976. Rigoroso, austero e enxuto na prosa, percebia-se que o "ocidente" o seduzia. Não ressumava nenhum preconceito contra a "democracia" nos seus "manuais de direito constitucional". Fundou uma escola de direito público que lhe ficará para sempre tributária. Muitos, senão todos os juristas-políticos que por aí andaram e alguns que ainda por aí abundam, foram formados na "escola" de Marcello. A "teoria do acto administrativo", que desenvolveu no respectivo "manual", fez e faz doutrina e legislação. Na política, Marcello, como sabemos, falhou. Salazar considerava-o "um fraco", apesar da menção ao "intelectual" que sempre fazia. Era, de facto, do melhor que o Estado Novo produzira. Quando substituiu o ditador, já estava cercado - pelos "ultras", pela guerra e pela repressão vagamente "aliviada" - e, por isso, diminuído. Todavia a ele, e depois a Mário Soares, entre 1976-1978 (o pedido de adesão, a reforma do Código Civil, etc, etc), devem-se as verdadeiras reformas de que tanta gente, afinal, reclama a autoria. Marcello deu curso a legislação "social" pioneira, muita da qual subsiste ou foi recuperada e melhorada pelo novo regime. Permitiu que se alargassem os horizontes e as expectativas da classe média. E julgo que gostaria de nos ter levado para o então Mercado Comum. Queria, porém, o impossível: evoluir na continuidade. O resto da história é conhecido. Se fosse vivo, faria hoje cem anos.

MAIS DEPRESSA....


... se apanha um oportunista que uma "referência moral". Ao pé disto, ele ter sido das SS quando ainda nem sequer tinha pêlos nas pernas, não tem importância nenhuma. Ou acham que ele deu a entrevista para se "redimir"? Por amor de Deus.

A REALIDADE

O misterioso ministro da Presidência, o dr. Silva Pereira, aderiu, à falta de melhor, à técnica do sobe-e-desce para nos convencer que, afinal, não arderam tantos hectares assim quando se compara com a devastação de anos anteriores. Os quase 50 mil hectares deste ano satisfazem o ministro que acha que tal se deve "ao conjunto de acções no domínio da prevenção mas também no domínio do combate aos incêndios". Isto ou nada é a mesmíssima coisa, embora o ministro fale como se estivesse já a fazer um balanço. Nada, porém, o autoriza a tal, a não ser a momentânea chuva que, como os fogos, costuma surpreender toda a gente - os mesmos - por causa das inundações. Ou seja, Silva Pereira foi chamado "à frente" porque não havia mais explicações para dar e era preciso pôr um termo "político" à realidade. E a realidade é muito simples de descrever. A prevenção e os meios anunciados pomposamente pelo dr. Costa falharam, como, daí para baixo, falhou muita coisa numa ambígua "cadeia de comando" que nunca se sabe bem onde começa ou onde acaba. Enquanto os fogos decorrem, há sempre alguém que anda ao telefone a discutir legitimidades, o que ajuda, e muito, o combate aos incêndios. Por causa das referidas legitimidades e das capelinhas, os "serviços" do Estado que intervêm nesta área, não se entendem. Ninguém viu os ministros do Ambiente ou da Agricultura por aí. Viram-se, sim, anódinos funcionários, "directores", comandantes e coronéis a palrar pura burocracia, com o fogo em fundo. Em suma, o dr. Silva Pereira veio "deitar água" na fervura, sem nenhumas garantias de que, amanhã ou depois, a realidade lhe volte a entrar pela casa adentro.

COELHO


O eurodeputado do PSD Carlos Coelho levou uma justíssima sapatada do governo português. Coelho preside a uma comissão do Parlamento Europeu que "investiga" aquele "grave" assunto dos aviões americanos, "ao serviço da CIA", que, aparentemente, carregavam terroristas e que terão passado pelos céus e aeroportos da Europa. Esta ridícula peripécia que o sr. Coelho anda inutilmente a explorar, dá bem a dimensão do homem. Coelho nunca fez nada na vida para além da política. É o típico exemplo da "massa" de que são feitas as nomenclaturas partidárias. Nos tempos da JSD - esse forno de "promessas" políticas, tal como as congéneres dos outros partidos - Coelho era conhecido por quase nunca ir a casa. Arrastava-se pelos sofás e pelas cadeiras das reuniões. Não dormia. Foi, naturalmente, premiado. Com um lugar na câmara de inutilidades, a AR, e, num momento de puro paroxismo, chegou mesmo a ser secretário de Estado, salvo erro, de Ferreira Leite. Isto quando Cavaco, na fase delirante do estertor do "cavaquismo", colocou a senhora à frente da 5 de Outubro. Ultimamente e para seu perpétuo regalo, o partido deu-lhe uma sinecura europeia que ele, pelos vistos, não só não larga como supôe levar a sério. Criaturas como Coelho não se recomendam para grandes coisas. O affaire dos aviões demonstra que ele leva isso a preceito.

16.8.06

O GRANDE EXPLICADOR

Noutra encarnação, neste dia, desaparecia aquele que foi um dos mais geniais "mestres" da língua portuguesa e, seguramente, o maior intérprete da choldra chamada Portugal. Eça de Queirós, cá e lá fora, percebeu com muita clareza que esta treta jamais iria a lado algum. Dos costumes à política, o escritor diplomata deixou-nos - nos "romances", nos contos, nos jornais, nas impressões de viagens, nas cartas, nos "retratos" - a imagem mais "realista" e, por isso, a mais lúcida e a mais cruel da verdadeira tristeza que somos como "nação". "Vencidos da vida" é, simultaneamente, uma ironia e uma amargura. Eça e os seus companheiros foram "crucificados pelos aborrecidos". Todavia são aqueles e não estes que permanecem. Chapeau, pois, ao nosso grande explicador.

"Depois Carlos, outra vez sério, deu a sua theoria da vida, a theoria definitiva que elle deduzira da experiencia e que agora o governava. Era o fatalismo musulmano. Nada desejar e nada recear... Não se abandonar a uma esperança - nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o que vem e o que foge, com a tranquillidade com que se acolhem as naturaes mudanças de dias agrestes e de dias suaves. E, n'esta placidez, deixar esse pedaço de materia organisada, que se chama o Eu, ir-se deteriorando e decompondo até reentrar e se perder no infinito Universo... Sobretudo não ter appetites. E, mais que tudo, não ter contrariedades.
Ega, em summa, concordava. Do que elle principalmente se convencera, n'esses estreitos annos de vida, era da inutilidade do todo o esforço. Não valia a pena dar um passo para alcançar coisa alguma na terra - porque tudo se resolve, como já ensinára o sabio do Ecclesiastes, em desillusão e poeira. - Se me dissessem que alli em baixo estava uma fortuna como a dos Rothschilds ou a corôa imperial de Carlos V, á minha espera, para serem minhas se eu para lá corresse, eu não apressava o passo... Não! Não sahia d'este passinho lento, prudente, correcto, seguro, que é o unico que se deve ter na vida. - Nem eu! acudiu Carlos com uma convicção decisiva. E ambos retardaram o passo, descendo para a rampa de Santos, como se aquelle fosse em verdade o caminho da vida, onde elles, certos de só encontrar ao fim desillusão e poeira, não devessem jámais avançar senão com lentidão e desdem. Já avistavam o Aterro, a sua longa fila de luzes. De repente Carlos teve um largo gesto de contrariedade: - Que ferro! E eu que vinha desde Paris com este appetite! Esqueci-me de mandar fazer hoje para o jantar um grande prato de paio com ervilhas. E agora já era tarde, lembrou Ega. Então Carlos, até ahi esquecido em memorias do passado e syntheses da existencia, pareceu ter inesperadamente consciencia da noite que cahira, dos candieiros accêsos. A um bico de gaz tirou o relogio. Eram seis e um quarto! - Oh, diabo!... E eu que disse ao Villaça e aos rapazes para estarem no Braganza pontualmente ás seis! Não apparecer por ahi uma tipoia!... - Espera! exclamou Ega. Lá vem um «americano», ainda o apanhamos. - Ainda o apanhamos! Os dois amigos lançaram o passo, largamente. E Carlos, que arrojára o charuto, ia dizendo na aragem fina e fria que lhes cortava a face: - Que raiva ter esquecido o paiosinho! Emfim, acabou-se. Ao menos assentamos a theoria definitiva da existencia. Com effeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ancia para coisa alguma... Ega, ao lado, ajuntava, offegante, atirando as pernas magras: - Nem para o amor, nem para a gloria, nem para o dinheiro, nem para o poder... A lanterna vermelha do «americano», ao longe, no escuro, parára. E foi em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço: - Ainda o apanhamos! - Ainda o apanhamos! De novo a lanterna deslisou, e fugiu. Então, para apanhar o «americano», os dois amigos romperam a correr desesperadamente pela rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia."