12.1.06

A HARPA DO DESCRENTE

José Adelino Maltez, numa entrevista reproduzida no seu blogue, bem como num post que termina com uma referência aos pequenos abalos sísmicos que se têm sentido nas agulhas dos sismógrafos (felizmente, até os sismos são "pequeninos"...), revela-se ainda mais pessimista e descrente do que eu costumo ser, o que manifestamente me alivia. Maltez usa aquilo a que eu chamaria a "teoria da dissolução" para explicar o "regime". Cavaco "dissolve-se" em Soares, e vice-versa, Soares "dissolve-se" em Alegre, e vice-versa, o PSD "dissolve-se" no PS, e vice-versa e não saímos disto. Louçã, no seu registo evangélico-revolucionário, também não anda muito longe desta litania, embora eu não confunda o José Adelino com o moralismo inconsequente do BE. Em suma, estamos mal porque não existe um impulso reformista e de ruptura oriundo dos principais (e eternos?) protagonistas. Com o devido respeito - que é muito e o José Adelino bem o sabe -, apesar de o "regime" ter efectivamente qualquer coisa de gelatinoso, eu julgo que não é indiferente o voto neste ou naquele no próximo dia 22, nem tão-pouco é irrelevante o acto político que lhe subjaz. Cavaco tem instado as plateias a que se dirige perguntando uma coisa simples. Se não for, no plano estritamente político, a eleição presidencial o evento mobilizador dos próximos anos, qual é o outro que se avizinha? Cavaco não se candidata para ser um "presidente-banana" ou um notário dos actos governativos. Também não almeja Belém para contemplações melancólicas. Com o que tem - a constituição da República, a sua "história", a sua experiência e a sua prudência -, Cavaco pode e deve protagonizar uma presidência diferente das que tivemos até agora. Não para "mudar" o que não pode - os seus poderes - mas para usar a legitimidade que advém de ser o único órgão do Estado, de carácter unipessoal, cuja eleição democrática resulta de uma ligação directa, sem intermediários, com o "povo". Sem epifanias, esta circunstância confere-lhe o dever - que é um direito - de mobilizar as elites dormentes e oportunistas, sejam "políticas" ou da "sociedade civil". Eu chamo a isto, desde os tempos do "movimento reformador", a liderança institucional do Chefe do Estado, algo que os "guardiões do templo", com manifesta má-fé e farta insolência, confundem deliberadamente com "tendências governamentalistas". Se assim não acontecer, então, de facto, José Adelino Maltez terá razões para continuar amuado com o "regime". E eu também.

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