Não é vulgar ver um Papa a citar Nietzsche, Salústio ou o Platão do Banquete numa encíclica. Todavia, Joseph Raztinger não é um Papa banal, nem tão-pouco o profeta das trevas que os seus apressados e analfabetos críticos teimam em ver nele. É um intelectual, por acaso da Igreja, com um profundo conhecimento do "homem moderno", nas suas luzes e nas suas sombras, nas suas cobardias e nas suas elevações. Cultiva um distanciamento aparente e prudente das "coisas terrenas", porém, e tal como o seu antecessor, conhece-as e pressente-as melhor do que qualquer um de nós. Ratzinger é um excelente "dissecador" do presente, um analista e um "comentador" privilegiado do contemporâneo, precisamente porque a sua extraordinária "couraça" filosófica lho permite. Ratzinger sabe que a sobrevivência da Igreja nestes tempos levianos e superficais depende muito dessa "couraça" e desse sentido profundo das coisas, teimosamente perseguido, com método e sem desfalecimentos, pelo mais alto dignatário do Vaticano. Foi assim com João Paulo II, um homem da resistência em todos os sentidos prováveis do termo, e é assim com Ratzinger, um firme sedutor pela palavra. Eu sou pouco dado ao "amor". As poucas vezes que o tentei entender, espalhei-me. Eu e o "amor" temos uma história complicada de amor e ódio. Diz-me Ratzinger que Deus anda lá sempre pelo meio, sobretudo através do exemplo do Seu Filho. De facto, se alguma coisa me conduz nesta permanente tentativa de "perceber", é o mistério ou, mais adequadamente, o escândalo da cruz, todos os dias renovado, cada vez mais mistério e cada vez mais escândalo. Bento XVI sabe como isto é importante para quem crê e para quem duvida. Eu sou um produto híbrido: um céptico que crê e um crente que duvida. Tudo o que até agora li de Raztinger, contrariamente ao que os seus detractores ignorantes possam imaginar, me permite continuar assim, crendo e duvidando. Como ele escreve na encíclica Deus Caritas Est, "isto é um processo que permanece continuamente em caminho: o amor nunca está "concluído" e completado; transforma-se ao longo da vida, amadurece e, por isso mesmo, permanece fiel a si próprio. Idem velle atque idem nolle - querer a mesma coisa e rejeitar a mesma coisa é, segundo os antigos, o autêntico conteúdo do amor". E é Jesus, finalmente, que no desalinho do seu sacrifício, nos mostra o caminho razoável: "Quem procurar salvaguardar a vida, perdê-la-á, e quem a perder, conservá-la-á » (Lc 17, 33) — disse Jesus, afirmação esta que se encontra nos Evangelhos com diversas variantes (cf. Mt 10, 39; 16, 25; Mc 8, 35; Lc 9, 24; Jo 12, 25). Assim descreve Jesus o seu caminho pessoal, que O conduz, através da cruz, à ressurreição: o caminho do grão de trigo que cai na terra e morre e assim dá muito fruto. Partindo do centro do seu sacrifício pessoal e do amor que aí alcança a sua plenitude, Ele, com tais palavras, descreve também a essência do amor e da existência humana em geral."
15 comentários:
so ontem li a encíclica. ia escrever hoje sobre ela. mas, depois de ler o seu texto, deixou de valer a pena. está aqui tudo o que eu queria dizer. e escrito de uma forma que eu não conseguia escrever.
obrigada
E agora João se te estás a tornar um apóstolo cibernético. Isto é a sério, muito a sério mesmo.... bjs
Excelente texto.
pois..pois..
pelo menos caiem uns flocos de neve em lisboa para animar a "malta" :)
Este papa é um exemplo de como o "preconceito" da "inteligentsia" europeia nos pode levar ao engano. Pelo menos aqueles que ainda lhe vão dando ouvidos. Eu já não dou. Graças a Deus.
Muito bom texto.
Diverte-me sempre a argumentação do tipo "eu não sou crente, mas ai dos ignorantes que contestam a infalibilidade papal ou que duvidem da virgindade de Nossa Senhora"
«nestes tempos levianos e superficais»!!!!!!! deixa-me rir. Já houve tempos diferentes? conheceste tempos melhores com gente mais justa e isso tudo? Que moralzinha foleira a dos que se acham melhores do que os outros. E mais ainda, que tempo leviano o nosso que admite um Papa de fundo nazi fazendo propagandas discriminatórias. Um rapaz como tu devia - e precisava - de ser um pouco mais inteligente.
Excelente post. E corajoso, muito corajoso, muito mais do que chamar foleiro ou nazi a alguém a coberto do anonimato.
o anonimato existe porque, obviamente, não somos livres de expressar as opiniões. Porque das duas uma: ou é ingénuo ou tem as costas quentes.
Eu não comento comentários anónimos. Para além disso, não se deve falar com a ignorância.
Além de chamar "ignirantes" a quem discorda de si, e por várias vezes, não consigo eencontrar neste texto garnde reflexão sobre a "DEUS CARITAS EST". Mas deve ser problema meu, já que tanta gente acha o texto excelente...
Não sei porquê essa embirração de o homem ser nazi ou não. No fundo ele é o Papa, chefe da Igreja católica, e se tivermos alguma memória podemos lembrar-nos o que a Igreja Católica enquanto organização religiosa que é fez perante o Nazismo, absolutamente nada...Portanto, não percebo o problema de ele ser pró nazi ou deixar de ser.
Quanto à questão da sua cultura, não me deixa muito espantada uma vez que um bom Papa pode e deve seguir os ensinamentos de qualquer livro desde que não a Bíblia...É como ir contra os nazis durante a II Guerra Mundial, seguir os ensinamentos desse livro, a Bíblia, também não dá jeito nenhum nos dias que correm...
Meu caro,
Se quiser, sou um não céptico que não crê ou um não crente que duvida. Dentro desta linha, tento prestar atenção ao que vai sendo dito por Bento XVI, um Papa que aprecio, ao contrário do seu antecessor.
O seu texto não me parece especialmente criticável. A única coisa que que humildemente gostava de pedir-lhe que tentasse explicar-me era o que é que entende por "escândalo da cruz", expressão que usa e que me parece consituir a parte central e essencial da sua mensagem.
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