29.1.06

VERGÍLIO FERREIRA


Este post lembra-me Vergílio Ferreira, cujo aniversário natalício passaria ontem. Numa outra minha encarnação, quando escrevia para a "secção" dita cultural do Semanário de Cunha Rego, conheci Vergílio Ferreira. Escrevi, até, uma pequena peça sobre ele a que chamei "parabéns, Vergílio Ferreira" e recebi em troca um amável cartão do autor. Nesses tempos o narcisismo literário-jornalístico ainda não estava completamente na moda, pelo que se podia perfeitamente escrever sobre autores e não apenas sobre os amigos, os amantes, as amantes, os conhecidos e criaturas afins, sem correr o risco de masturbação mútua. Por outro lado, também só se escrevia praticamente num único sítio porque não abundavam as capelas e só havia uma televisão. Tal como ao autor do post, Vergílio Ferreira entrou demasiado cedo na minha vida com o inevitável "Aparição". Anos depois, por causa de Évora, agarrei-me à "Carta ao Futuro" e, por minha causa, li praticamente tudo dele. Os corrosivos diários ("Conta-Corrente") são uma magnífica demonstração de erudição aliada a um curioso sentido do quotidiano, mesmo o político, numa fase ainda incipiente da nossa democracia. Os amores e os ódios de estimação de Vergílio Ferreira estão ali, em estado puro, para quem os quiser ler. O seu delicioso mau feitio, as suas "polémicas", jamais turvaram a amabilidade do trato pessoal. Vergílio Ferreira é um grande autor da nossa língua e foi, para muitas gerações, um professor inesquecível. Quando o vejo arrumado nas prateleiras ao lado da garotada escrevente que passa por "literatura portuguesa contemporânea", imagino a sua "língua de prata" a funcionar bem alto, lá numa eternidade qualquer a que tem todo o direito.

3 comentários:

António Viriato disse...

Ainda bem que alguém se lembrou deste nosso grande escritor, pensador por excelência, verdadeira máquina de pensar, como Pessoa, antes dele, mais indisciplinado e indisciplinador ainda do que Vergílio Ferreira. A sua alta craveira ficou patenteada em milhares de páginas de escrita sempre muita meditada, pese o engulho da malta neo-realeira, de resto, largamente por ele fustigada ao longo dos seus inexcedíveis Diários ou Contas-Correntes, paradigmas de reflexão literário-filosófica, mesmo quando comentava trivialidades.Caiu rapidamente no esquecimento geral, substituído por duvidosos ícones da literatura nacional, que muito o execraram em vida, na medida, aliás, de um certo desprezo que ele lhes votava. É tempo de o relembrarmos, com respeito e interesse pela sua vasta obra, que tem muito por onde se lhe pegar, mesmo fora da área do Romance, sua preferida, obviamente, ainda que nem toda igualmente conseguida, na minha modesta opinião. Mas, quem escreve com aquela exuberãncia, quase sem interrupção, dificilmente produzirá apenas obras-primas. Não temos mais que meia-dúzia como ele em 5 ou 6 séculos de literatura portuguesa.

Macro disse...

Muito obrigado por esta reflexão sobre o autor. Partilho inteiramente da sua opinião. Há dias tentei dizer umas coisas sobre ele, mas creio que o fez mto melhor do que eu, que ainda lhe chegueia apertar a mão, quase sempre gélida. A cara essa - então, nem se fala, sempre casmurro, parecia até que éramos todos do conselho de Admn. da Bertrand, pq todos lhe deviam e ninguém lhe pagava os direitos autorais.Tenho para mim que se VF tivesse outro feito, fosse mais social teria tido outra projecção. Mas não o censuro, nem temos esse direito: viveu como pensou, e pensou sem ter em conta o cálculo do custo/benefício das relações públicas.Até é de louvar, homens com coluna são hoje mais raros.

Escritor-pensador, quase filósofo, era assim que o via. Pois acho que um escritor é tanto melhor quanto mais for um pensador, assim conseguirá produzir mais ideias, saber, sabedoria e integrar depois todo esse potencial numa síntese verdadeiramente explicativa da sociedade do nosso tempo.

Tem, pois, toda a razão em classificá-lo da forma como o faz: achei curioso referir a Conta-corrente que eu, aliás, preferia aos romances. Pois além de ter menos paciência para eles, sempre achei que a sociologia do quotidiano que reconhece nele no conta-corrente, no Pensar e noutros, porventura, afirmam-se com um maior potencial explicativo: media, política, sociedade...são ali melhor pensados, burilados, interpelados e até denunciados.

De tudo resultam duas notas: bem haja Vergílio Ferreira; e bem haja às pessoas - como o António Viriato - que o souberam ler e, hoje, melhor o souberam recordar.

Muito obrigado por me ter permitido ler um texto muito realista sobre esse nosso grande autor.

Rui paula de Matos
http://www.macroscopio.blogspot.com

j disse...

Que saudades, Virgílio!!!
E que bom que é, ver alguem lembrar-se de ti e mandar para as urtigas a "garotada" armada em escrevente e que pouco mais sabe do que usar mal uma verborreia inconsequente. No enatnto, parece que é isso mesmo que apreciam os ditos "críticos" desta triste praça literária nacional. Também aqui se pode gritar bem alto: Viva o porreirismo nacional!!!