21.1.12

VOZ NUMA PEDRA

Não adoro o passado
não sou três vezes mestre
não combinei nada com as furnas
não é para isso que eu cá ando
decerto vi Osíris porém chamava-se ele nessa altura Luiz
decerto fui com Isis mas disse-lhe eu que me chamava João
nenhuma nenhuma palavra está completa
nem mesmo em alemão que as tem tão grandes
assim também eu nunca te direi o que sei
a não ser pelo arco em flecha negro e azul do vento

Não digo como o outro: sei que não sei nada
sei muito bem que soube sempre umas coisas
que isso pesa
que lanço os turbilhões e vejo o arco íris
acreditando ser ele o agente supremo
do coração do mundo
vaso de liberdade expurgada do menstruo
rosa viva diante dos nossos olhos
Ainda longe longe essa cidade futura
onde «a poesia não mais ritmará a acção
porque caminhará adiante dela»
Os pregadores de morte vão acabar?
Os segadores do amor vão acabar?
A tortura dos olhos vai acabar?
Passa-me então aquele canivete
porque há imenso que começar a podar
passa não me olhas como se olha um bruxo
detentor do milagre da verdade
a machadada e o propósito de não sacrificar-se não construirão ao sol coisa nenhuma
nada está escrito afinal


Mário Cesariny

2 comentários:

Anónimo disse...

Eu adoro o passado.

o tal leitor disse...

Que oportunas citações. Infelizmente,como sabemos,os pregadores da morte não vão acabar,muito menos os segadores do amor,e a tortura dos olhos prosseguirá inexoràvelmente. Aqui chegados,não vamos lá com canivetes,que sempre deram mau resultado,nem com coisa nenhuma. "Nada está escrito"? Antes fosse.Quase tudo está escrito,escrito pelos pregadores,pelos segadores e pelos torturadores. Saídas cesarinianas ou outras? Não vejo.