13.12.07

POR UM REFERENDO AO TRATADO NO DIA DA SUA ASSINATURA


O momento assinalava a subscrição da "Carta dos Direitos Fundamentais" que integra o "tratado" assinado esta manhã em Lisboa. Na sua língua de pau, o senhor presidente em exercício foi confrontado com o protesto de alguns eurodeputados. Reclamavam o recurso ao referendo como método adequado para ratificar democraticamente o documento dos Jerónimos. Foi vaiado e aplaudido ao mesmo tempo no Parlamento Europeu. Cá fora, Sócrates reagiu "à Sócrates". Falou de "folclore democrático" e acusou os que o apuparam, e que defendiam o referendo, de "anti-europeus". Sócrates é fortemente deficitário de cultura democrática. O ar crispado com que aguentou o protesto vale mais do que mil palavras sobre a matéria. É pena que o Parlamento português, tão bem abastecido de monos reverentes, não seja também mais reactivo. O dormente Jaime Gama, como se viu no debate mensal, adora anestesiar o conflito com retórica processual. E Sócrates aprecia este género de respeitinho paroquial que, por muito que lhe custe, a Europa não lhe tem. Há três anos, em Roma, os líderes europeus também se sentaram à volta da fogueira para assinar o tratado de Roma. Vinha aí a "constituição europeia". Não veio. Dois referendos - e um em especial, o francês - ditaram a sua prematura morte. Apesar da propaganda ("um tratado mais modesto", como eles dizem, mas essencialmente a mesma coisa), convém lembrar que a cerimónia de hoje é quase só espectáculo. Quando sair dos Jerónimos para o eléctrico da Carris, a direcção da UE não tem a certeza de nada. O verdadeiro lance do tratado de Lisboa começa aí, quando passar das canetas douradas dos dirigentes para a cabeça dos povos da Europa. Começa ou acaba.

5 comentários:

Aladdin Sane disse...

Hamletmaschine

1.Álbum de família

Eu era Hamlet. Encontrava-me à beira-mar e falava com a rebentação - blabla. Por detrás de mim as ruínas da Europa. Os sinos anunciavam o funeral do Estado, assassino e viúva um par, em passo de ganso atrás da urna do eminente cadáver, os conselheiros lamentando-se num luto mal remunerado QUEM É O CADÁVER NO CARRO FUNERÁRIO / POR QUEM SE OUVEM TANTOS GRITOS E QUEIXAS / O CADÁVER É O DE UM HOMEM / GRANDE DADOR DE ESMOLAS entre as fileiras da população, obra da sua arte de estadista ERA UM HOMEM QUE SÓ TIRAVA TUDO DE TODOS. Fiz parar o cortejo fúnebre, enfiei a espada no caixão, partindo-se a lâmina. Com o que dela restou consegui abri-lo e dividi o procriador CARNE VAI BEM COM CARNE pelas figuras de miséria que por ali se encontravam. O luto transformou-se em júbilo, o júbilo em voracidade, sobre o caixão vazio o assassino atirou-se à viúva - QUERES QUE TE AJUDE A TREPAR, TIO? ABRE AS PERNAS, MAMÃ. Deitei-me no chão e escutei o mundo a girar ao passo cadenciado da putrefacção.
Heiner Müller

Pedro Barbosa Pinto disse...

Se alterar "canetas douradas" para canetas prateadas, os Sócretinos vão ter dificuldade em arranjar pretexto para desviarem a atenção dos leitores do sentido do texto.

Abraço

Anónimo disse...

Acabo de ouvir na Antena 1, que o texto do Tratado pesa dez kilos, ehehe ... é «pesado»...

António de Almeida disse...

-Inteiramente de acordo. Hoje liguei a televisão na RTP1, e vi o jornalista correspondente da UE a prestar serviço na RTP, afirmar maravilhas do tratado, Durão Barroso idem, de que têm medo? Se é assim tão bom! Será que não gostam da democracia? E José Sócrates, que até tem aqui oportunidade para cumprir pelo menos uma das suas muitas promessas eleitorais, não quer aproveitar?

Anónimo disse...

o episódio do parlamento europeu mostrou que a alarvidade é geral.
de resto não confunda regras do jogo com retórica processual - e o sr é jurista.

os comentários do sr primeiro ministro português já não merecem um segundo de atenção de tanta hipocrisia e mentira.

quanto ás certezas relativas ao tratado e seu funcionamento, são tantas as suas como as dos dirigentes europeus. nenhumas: temos todos que esperar, para ver se isto começa ou acaba.