16.1.05

PORTUGAL DOS PEQUENINOS II



Portugal é uma sociedade ainda fechada, cercada, uma fortaleza onde algumas bolsas de actividade procuram um fora que as alimente. É isso que faz com que se perpetue, contra todas as mudanças que o país tem vindo a conhecer, uma espécie de força entrópica ou de buraco negro que suga a possibilidade de produzir sentido. O sentido novo que se produz é escasso - a estagnação do sentido contribui para a paralização da democracia, para a repetição formal dos gestos democráticos adquiridos (de que o ritual do 25 de Abril é o exemplo, de ano para ano, cada vez mais patético).

Em Portugal nada se inscreve, quer dizer, nada acontece que marque o real, que o transforme e que o abra. É o país por excelência da não-inscrição. A não-inscrição surge, talvez, como o factor mais importante para o que podemos chamar a estagnação actual da democracia em Portugal. Apesar das liberdades conquistadas herdámos antigas inércias: irresponsabilidade, medo que sobrevive sob outras formas, falta de motivação para a acção, resistência ao cumprimento da lei, etc., etc.

Portugal tem uma sociedade normalizada. Significa isto que a vida individual e social do português encontra limites internos aquém dos que são a priori necessários para se estabelecer uma vida em comum. Limites que passam despercebidos, mas impedem nos indivíduos de experimentar ou criar alternativas em zonas essenciais da existência. Se empregássemos a terminologia de Foucault e Deleuze, diríamos que Portugal está em fase de transição de uma sociedade disciplinar para uma sociedade de controlo (noutros termos ainda: está entre uma modernidade em que nunca entrou completamente e uma pós-modernidade que nos vai aos poucos invadindo).

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