5.1.05

INTIMAÇÕES DE MORTALIDADE

No meio do burburinho rasca da nossa vida política, deparo com esta prosa no Aviz:


BUCHHOLZ. Este texto está no
site da livraria Buchholz e teria todo o gosto em publicá-lo. Infelizmente, antecede esse texto o seguinte aviso: A Livraria Buchholz, lugar de referência do nosso (pequeno) universo cultural encontra-se em situação de pré-falência.
A Buchholz é uma livraria com história. Foi fundada em 1943 pelo livreiro alemão Karl Buchholz, que deixou Berlim depois da sua galeria de arte e livraria terem sido destruídas pelos bombardeamentos. A actividade de Buchholz era incompatível com o regime de Berlim, nomeadamente a venda de autores considerados proscritos, como Thomas Mann. No entanto, a relação de Buchholz com o regime era algo dúbia pois tanto compactuava em manobras de propaganda alemã como salvava da fogueira obras de Picasso e Braque, condenadas pela fúria nazi.No início, a livraria estava situada em Lisboa na Avenida da Liberdade e só em 1965 se instalou na rua Duque de Palmela. O interior foi projectado pelo próprio livreiro ao estilo das livrarias da sua terra natal. O espaço estende-se por três andares unidos por uma escada de caracol, com recantos e sofás que proporcionam uma intimidade dos leitores com os livros. A madeira das escadas, chão e estantes torna o espaço acolhedor e agradável.Hoje, a galeria continua a ser uma referência cultural com um público fiel que preza o espaço de convívio que a livraria sugere. A selecção dos títulos é vasta e inclui várias áreas: artes, ciência, humanidades, literatura portuguesa e estrangeira, livros técnicos e infantis, na cave funciona uma secção de música clássica e etnográfica. Apesar de não ser especializada em nenhuma área, a secção dedicada à ciência política é frequentada por muitos políticos da nossa praça. A Buchholz acolhe ainda eventos especiais como lançamentos de livros, sessões de leitura, e o "Domingo Especial" que são os saldos anuais da livraria, uma vez por ano, no último domingo de Novembro. Na Buchholz on-line pode percorrer as estantes da livraria sem sair de casa e ainda encomendar livros nacionais e alguns estrangeiros.


A Livraria Buchholz tem para mim um significado muito especial. Era aí que eu, antes de entrar para a universidade onde em má hora cursei direito, me ia abastecer dos livros que mais me interessavam. Foi de lá que vieram, por exemplo, uma pequena colectânea pessoana coligida por David Mourão Ferreira (O Rosto e as Máscaras, da desaparecida Ática, ali bem perto), a primeira edição de O Labirinto da Saudade, de Eduardo Lourenço ou os pequenos livros de poesia do Joaquim Manuel Magalhães. Na cave podia sentir-se tranquilamente o gozo da música clássica e da ópera, primeiro nos magníficos álbuns em vinil, depois através dos CD's e DVD's. Não se pode dizer que a simpatia fosse o lastro mais marcante em algum do atendimento. Porém, sempre me surpreendeu a capacidade daquelas devotas dos livros para encontrar, debaixo de um "monte" mal amanhado, o título procurado. É, também, a livraria "francesa" e "inglesa", das encomendas e da consulta ao acaso. A FNAC e o eng. º Belmiro têm vindo a liquidar metodicamente estes espaços de intimidade com o silêncio dos autores. Talvez tudo isto fosse inevitável. Talvez. As livrarias como a Buchholz são lugares onde sentimos a verdadeira euforia que representa o amor pelos livros e pela leitura. Neste país onde a miséria intelectual anda a par de outras indigências, pensar na pré-falência desta casa incomoda-me profundamente. Aos poucos, a "fast food", os astutos orientais e as lojas dos "5 euros" vão tomando conta da nossa melhor memória dos lugares. Não sei se será esse o caso, um dia, da livraria da Duque de Palmela. A lenta agonia destes recantos recorda-me a frase com que termina o último livro de Frederico Lourenço, Amar Não Acaba (Livros Cotovia): "tudo na vida tem o estigma da caducidade". Oxalá nunca assim tivesse de ser.


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