15.1.05

PORTUGAL DOS PEQUENINOS I

Vou tentar que os próximos posts sejam preenchidos com citações. O livro que lhes serve de base é de José Gil e tem por título Portugal, Hoje - O medo de existir (Relógio d'Água). A infecta "espuma dos dias" que correm impede que se preste atenção ao fundamental. Este livro ajuda a tentar entendê-lo. Mais do que o recurso ao jargão e ao calão políticos, não sei se não deveria sugerir aos principais "actores" a sua leitura. Trata-se de uma obra ensaística que fala de nós e das nossas, ora preocupantes, ora curiosas idiossincrasias. Este "género" não é propriamente novo. Jorge Dias, nos seus estudos sobre "o carácter nacional português", de há décadas, e em um bem diferente contexto, já tinha colocado "o dedo na ferida". Com a emergência da democracia, logo passados os primeiros anos, Eduardo Lourenço deu à estampa o célebre "Labirinto da Saudade" e Vitorino Magalhães Godinho reeditou, actualizando, a sua "estrutura da antiga sociedade portuguesa". Também Vasco Pulido Valente reuniu alguns textos dispersos para "tentar perceber" este "país das maravilhas". Não é outra, aliás, a coisa que tem feito nas crónicas que publica nos jornais. Gil, vindo da filosofia, e meio estrangeirado, consegue, sem perder a erudição, um diagnóstico limpo e irónico, facilmente entendível, do "estado a que isto chegou". É um livro que nos fala do "entorpecimento da consciência" (da nossa, naturalmente), da "ligeira estupidez reinante", do "vapor de burguesismo que se nos cola à pele", do "medo sem objecto" e da "recusa do enfrentamento" da nossa sociedade. O sentido único manifesta-se no mesmo tom e plano do pensar da classe política, da esquerda e da direita; no mesmo tipo de crítica artística ou literária que praticam indivíduos diferentes, na mesma linguagem do prazer, na mesma e monótona maneira de colocar problemas em todas as esferas da vida. O empobrecimento do horizonte dos possíveis explicaria assim a apatia, a anestesia da sociedade portuguesa. Em vez do habitual glossário retirado à mais barata sociologia política, talvez fosse infinitamente mais útil aos protagonistas da actual cena política uma visita atenta ao teor deste ensaio. Já Jorge Dias, e cito de cor, dizia que o português era um "povo paradoxal e difícil de governar". Explicava então que as nossas qualidades podem ser os nossos defeitos em momento diferente, e vice-versa. Não perceber o que "isto" é pode ser fatal.


"...Contrariamente ao que pode parecer, nenhum pressuposto catastrofista ou optimista quanto ao futuro do nosso país subjaz ao breve escrito agora publicado. Se não se falou "no que há de bom", em Portugal, foi apenas porque se deu relevo ao que impede a expressão das nossas forças enquanto indivíduos e enquanto colectividade. Seria mais interessante, sem dúvida, mas também muito mais difícil, descobrir as linhas de fuga que em certas zonas da cultura e do pensamento já se desenham para que tal aconteça. Procurou-se dizer o que é, sem estados de alma, mas com a intensidade que uma relação com este país supõe."

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