Na RTP discutiu-se se devemos ser optimistas ou pessimistas neste ano que começa. Gostei de ouvir D. José Policarpo apelar ao "realismo" e à "competência" para enfrentar os problemas. Maria de Fátima Bonifácio disse uma coisa interessante, sabendo-se que nunca diz coisas desinteressantes: provavelmente, e ao contrário do que se pensa, um dos nossos males é não estarmos ainda suficientemente deprimidos. Na realidade, as pessoas andam mais "chateadas", por exemplo por não terem dinheiro para tudo o que desejam (e desejam muito), do que propriamente deprimidas. E José Gil pôs o dedo na ferida. Não somos uma sociedade de enfrentamento e temos medo do conflito. Neste "debate" entre pessimistas e optimistas, percebe-se que a razão nunca está inteiramente num dos lados. A minha costela céptica, cínica e "hobbesiana", inclina-me muito decididamente para o pessimismo. No entanto - e há anos que o venho dizendo - sigo um provérbio russo antigo que li em epígrafe a uma versão francesa do "Livro do Eclesiastes": "um pessimista é um optimista bem informado". Francamente não espero grande coisa deste ano da graça de 2005. Isto porque não espero praticamente nada dos homens que conheço e que, de uma forma ou de outra, estão "à frente disto" nas mais diversas áreas. Gostava de poder esperar mais deles bem como de outros "registos" ou "ideias-fortes" que também fazem parte da vida, quando não mesmo constituem a própria vida, no que ela tem de absurdo e de infelicidade. Mas isso remete-me inconscientemente para o melhor "romance" traduzido no ano que passou, A Mancha Humana, de Philip Roth (D. Quixote). Está lá praticamente tudo sobre nós e o "outro", esse terrível torvelinho irresolúvel que nos mata um pouco mais todos os dias. Mostra-nos, como só a grande literatura o consegue fazer, a que ponto - e tão optimisticamente - nos deixámos conduzir tão para o fundo de nós mesmos, à conta, afinal, de fantasmas e de bons sentimentos.
1 comentário:
"E José Gil pôs o dedo na ferida. Não somos uma sociedade de enfrentamento e temos medo do conflito". FANTASMAS E BONS SENTIMENTOS . JG. www.portugaldospequeninos.blogspot.com
Os anti-inflamatórios e os tranquilizantes são dos medicamentos mais vendidos em Portugal.
Será por isso que o país não reage nem se rala ?
Enviar um comentário