Apareceu hoje no Público mais uma pérola "jurídica" ligada ao estafado processo Casa Pia, desta vez produzida por uma magistrada judicial. Uma juíza de turno da Boa Hora não resistiu a deixar a sua "marca" no prolixo processo e quis devolver à preventiva cinco dos arguidos. Entre outro argumentário, alegou que a medida "sossegará, com certeza, as eventuais vítimas deste processo e até potenciais vítimas nos meios sociais em que os arguidos se inserem, originando uma maior tranquilidade e paz social". Aos olhos da juíza Filipa Macedo isto é assim porque "os adolescentes vivem uma liberdade desmedida, passando os dias sozinhos e saindo à noite até altas horas da madrugada", o que os pode tornar "muito 'apelativos' nas suas indumentárias, pela descontracção com que actuam, pelo bronze e penteados que exibem, por indivíduos viciosos e podem ser considerados presas fáceis porque normalmente têm posses insuficientes para as solicitações da sociedade de consumo em que se integram e que os seduz". Esta extraordinária prosa, que mais parece inspirada num híbrido de Lombroso, Kavafis, Machado Pais e Carlos Castro, não convenceu, nem sequer o Ministério Público. Qualquer discípulo de Freud poderia talvez entreter-se a explicar. Eu não consigo. Num ensaio com mais de 50 anos, Eduardo Lourenço, partindo do Livro II da República de Platão, escreveu que "a justiça é apenas uma criação arbitrária da impotência ancestral e do medo dos outros". Este conceito tem, na terminologia burocrático-judiciária dos nossos dias, os seus equivalentes no "alarme social", na "tranquilidade e paz social", na "ordem pública", etc, termos estes que bastam para justificar quase tudo. Recomenda-se, por isso, parcimónia no seu uso. Porém, confesso que a parte que mais gostei no despacho da juíza, foi naturalmente a do "bronze" e dos "penteados" perseguidos avidamente por "indivíduos viciosos". É, sem dúvida, uma imagem perigosamente "apelativa".
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