Vem aí um barco onde se realizam interrupções voluntárias de gravidez, vulgo abortos. Detesto pronunciar-me sobre uma questão que me é relativamente estranha. Não fui abençoado com a graça da paternidade e não me comovo com barriguinhas empinadas, especialmente quando se repetem. Irritam-me "famílias numerosas" e miúdos histéricos que me privam do direito a apreciar, descansado, uma refeição num local público. É que em matéria de "direito à vida", os anti-criancistas como eu também o têm. Dito isto, importa esclarecer que eu não sou "abortista". Estava a estudar direito, numa catolicissima instituição, quando a lei penal foi alterada no princípio dos anos 80. Modestamente, e para horror do Padre João Seabra que me imaginava já de "avental", defendi a alteração que permitiu a interrupção da gravidez nos três casos de exclusão de ilicitude então consagrados. O Paulo Portas também. Daí para cá, o Estado não mexeu uma palha para criar condições nos serviços de saúde públicos para o cumprimento da lei. Em 98, no referendo, achei que em torno do "sim" havia demasiada arrogância e alguma demagogia puramente "politiqueira" e folclórica. Votei "não". Se houvesse agora novo referendo, é provável que votasse "sim" e condeno, sem hesitações, os julgamentos hipócritas de mulheres que recorreram ao aborto. Isto não impede que abomine todas estas horrorosas "organizações", tipo "não te prives" (é de fugir, com um nome destes) e outras que tais que, ao contrário do que imaginam, cada vez que abrem a boca, dão um voto a perder para a causa. Parece que é a convite destas mini-seitas que o tal navio - "women in waves", que bonito! - aí vem. Ignoro se irão alugar lanchas para transportar as candidatas ao original "barco do aborto", ou se haverá sequer candidatas. Entretanto, e a passar-se qualquer coisa, só em "alto mar" e bem londe das águas territoriais lusas, por causa dos costumes e das leis. É evidente que esta manifestação exclusivamente voluntarista e florida, não vai aquecer nem arrefecer o problema fundamental que persistirá "em terra". Nesse sentido, e por muito que as generosas "organizações" se espremam, a embarcação-hospital não passará de mais um navio fantasma a passar ao largo do Tejo.
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