F. Scott Fitzgerald, The Crack Up, trad. de Aníbal Fernandes, Hiena Editora
«Somos poucos mas vale a pena construir cidades e morrer de pé.» Ruy Cinatti joaogoncalv@gmail.com
5.8.04
A FENDA ABERTA
Reparei, então, que interessado em preservar qualquer coisa - talvez um interior silêncio, ou talvez não - nos últimos dois anos privara-me de tudo quanto amava, e todos os actos da vida, lavar de manhã os dentes e ter amigos para jantar, começavam a pesar-me como um esforço. Reparei que há muito tempo deixara de gostar de pessoas e coisas, mas continuava a fazer de conta, instintivamente e conforme podia, que elas me agradavam. Reparei que até o amor aos mais íntimos se transformara numa tentativa de amar, as minhas relações de acaso - com um editor, um vendedor de tabaco, um filho de um amigo - se limitavam a lembrar-me aquilo que eu lhes devia dizer tendo em atenção as nossas relações anteriores. Um mês bastou para outras coisas - como o ruído de um rádio, a publicidade das revistas, o chiar dos carris, o mortal silêncio do campo - me encherem de azedume, e a ternura humana provocar desprezo, e a dureza (ainda que oculto) ressentimento, a noite ódio por não poder dormir, o dia ódio por se transformar em noite.
F. Scott Fitzgerald, The Crack Up, trad. de Aníbal Fernandes, Hiena Editora
Vou tentar ser um animal correcto, o mais possível, e olhem: se me atirarem um osso com bastante carne agarrada, quem sabe lá se não sou capaz de vos lamber a mão.
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