23.1.09

REALIDADE E A POLÍTICA TRAPALHONA

«Rei posto, rei morto. O novo orçamento foi apresentado de manhã e chumbado à tardinha. A Standard & Poor's (S&P) já tinha alertado que a situação financeira do Estado português lhe levantava dúvidas. O Ministro foi a Londres tentar convencer a agência de rating da bondade das suas políticas mas apenas conseguiu que eles esperassem pelo novo orçamento. Este foi apresentado quarta-feira de manhã e, pela tarde, baixaram formalmente o rating da República. O que é muito mais grave do que se pensa. Senão vejamos. A Crise foi iniciada pelo crédito fácil, durante dez anos, e implicou perdas inimagináveis para os bancos que conduziram a que os bancos não possam, hoje, conceder o crédito que noutras situações estariam a fazer. No nosso caso, o importante é ter a ideia de que mais um milhão de euros de crédito à economia implica mais um milhão de empréstimos ao exterior. Por outro lado, neste momento só o Estado tem crédito, no exterior, em montantes relevantes. Mesmo os bancos que recentemente recorreram ao crédito externo - CGD, BES e BCP - só o conseguiram porque tinham comprado ao Estado português uma garantia. Hoje os investidores internacionais estão, basicamente, indiferentes à situação do banco em causa. O que interessa, para esses investidores, é saber que o Estado está por detrás, é ao Estado que estão a emprestar. Daqui decorre que a baixa do rating pela S&P implica duas coisas: o crédito ficará mais caro e, pior ainda, haverá menos crédito para Portugal. Quanto ao custo do crédito, basta pensar que a Grécia, que acabou de fazer um empréstimo a prazo, teve de pagar 3,15 pontos percentuais acima dos títulos de referência (ou seja, bunds alemães a 5 anos). Nós (ainda) estamos longe. Mas eles também estavam longe: no início do ano pagavam 2,5 pontos de spread. E nós, em três semanas, passámos de 1,2 pontos para perto dos 1,7 pontos percentuais de spread. Significa que mais nenhum banco se vai financiar às taxas de juro do CGD/BES/BCP. Quem for agora ao mercado vai pagar spreads mais altos. Mas isto são pequenos problemas, o custo do crédito é o menor deles, por mais incrível que pareça. Quando a S&P diz que o risco de crédito passa da notação de AA- para A+, reduz o número de instituições que está disposta a emprestar a Portugal e reduz o volume de exposição das remanescentes. Como países com notação AAA estão a lançar empréstimos em larga escala, a restrição quantitativa ao crédito para Portugal torna-se muito preocupante. Por outras palavras, o crédito caro é o menor dos problemas, o mais grave é que haverá menos crédito para Portugal. E a política de despesa orçamental apenas agudiza a nossa crise de acesso ao crédito. Como salientei, o crédito aos bancos é, de facto, crédito ao Estado, embora formalmente seja crédito aos bancos portugueses, e é assim que os investidores internacionais o vêem. Como estamos a viver nos limites da nossa capacidade de endividamento, mais crédito directo ao Estado será menos crédito para os bancos nacionais e, por consequência, para as empresas e as famílias. Por tudo isto é que a política de grandes défices orçamentais será autodestrutiva. A política do Governo é simples mas errada: o investimento e as exportações caíram, logo o Estado faz uns programas de investimento e de subsídios públicos. É keynesianismo simplificado daquele que ensinamos numa cadeira de introdução à macroeconomia. Na situação actual, mais investimento público implica que o Estado vai precisar de mais financiamento (i.e., crédito) porque o défice orçamental aumenta. Mais financiamento directo ao Estado vai reduzir, a breve prazo, o financiamento (aquilo que sobra) para os bancos. Menos financiamento aos bancos será menos crédito às famílias e empresas; logo, teremos mais falências, mais desemprego e, também, problemas acrescidos para os bancos. O Governo volta a reagir com mais investimento ou subsídios públicos conduzindo a maiores défices orçamentais, mais endividamento, novamente, mais problemas para financiamento dos bancos e para o crédito à economia,... e assim por diante. Vivemos uma situação de restrição quantitativa ao crédito e mais crédito ao Estado requer, para a política ser eficaz, mais endividamento internacional e tal não é possível. A política pública anunciada só poderia ter (algum) sucesso se o Governo, simultaneamente, cortasse nos grandes investimentos. Daria o sinal de que não aumentaria as suas necessidades de financiamento para além de um limite razoável, seria apenas reorientação do investimento e o aumento do défice orçamental corresponderia aos estabilizadores automáticos (ou seja, mais despesa em subsídios de desemprego e apoios sociais e menos receitas de impostos). Mas nada disto aconteceu até agora. (...) O Estado pode, e deve, ajudar os bancos a captar crédito mas abster-se de o usar consigo próprio. Fazê-lo levará à espiral auto-sustentada que descrevi, que todos pagaremos, durante muitos anos, com menor crescimento e mais pobreza. O chumbo do novo orçamento pela S&P deveria corresponder a um chumbo na Assembleia da República. Atirar dinheiro aos problemas, na situação actual, não os afoga, fá-los crescer e com juros altos. A política trapalhona de apoio à economia tem em si o gene da sua própria destruição, como a S&P mostrou ao mundo e eu tentei explicar.»

Luís Campos e Cunha, ex-ministro das finanças de Sócrates no Público

11 comentários:

Anónimo disse...

O Prof. Campos e Cunha explicou e muito claramente. Quem ainda não tinha percebido espero que perceba agora.

Infelizmente estou pessimista. Numa adaptação minha a parte do texto, diria que "o chumbo do novo orçamento pela S&P deveria corresponder a um chumbo na Assembleia da República" mas em vez disso vai ser "um chumbo no pé" do País. Vamos andar a "mancar" durante muitos e bons anos.

Anónimo disse...

'como a S&P mostrou ao mundo'
e o mundo todo vê, e viu espantada.
lendo hoje os 'relatórios' de muitas ratingadoras - entre as quais a s&p que no último 'relatório' antes do colapso colocava a Islândia entre os cinco melhores países para investir; nada do que está a acontecer era lá entrevisto. esseas empresas pintavam um quadro surrealista parolo arrogante, mas muito credivel.
são estas mesmas que hoje nos vêm dizer que elas já viram o futuro and it will be...
já não há paciência.

quanto ao temivel gene da sua própria destruição, esse não é desta politica, é da própria natureza de todos os medicamentos, melhor, de todas as coisas.

Anónimo disse...

a acreditar nas sondagens os contribuintes ainda se não se capacitaram que assistem ao seu próprio funeral.
venham mais "friportes".

radical livre

Anónimo disse...

Claro como a água. E se nao arrepiam caminho, temos à frente a saída do euro, olarilolé.

Anónimo disse...

E apesar do que é dito por Campos e Cunha as azémolas que dizem governar o país, capitaneadas por aquela que é mais teimosa do que as de Cacilhas, vão persistir nos investimentos megalómanos? Será que esta cambada anda feita com os socialistas de merda do outro lado da raia?

Anónimo disse...

Pondo de parte o azedume, o ex-ministro só diz em linguagem técnica aquilo que toda a gente já viu há muito tempo - excepto, claro, o actual e eleitoralistíssimo governo.

Anónimo disse...

Curioso.
Como um antigo ministro socialista, com uma pasta de peso no governo, parece estar a ficar próximo das ideias da economista Manuela F. Leite.
Quanto ao futuro, e dada a minha condição de acentuado desprendimento material, pessoalmente menos preocupado, antevejo um regresso ao passado - crise financeira de 1892 (banca rota portuguesa).
Com um futuro escuro, negro.
A sobrar para a juventude.
JB

Anónimo disse...

Isto nao me convence , nao nao ano,
em ultimo caso tenho um primo que trabalha numa tipografia, que me informou que se pode imprimir moeda falsa. Ou seja facilmente nos livramos da espiral anunciada impingindo ao estrangeiro a mesma confusao entre realidade e ilusao que nos temos

Diogo Torralva

caozito disse...

Não me agrada o rumo que as "coisas" estão a levar; qualquer dia vou ter vergonha de ser sério e de não ser homossexual !

Estou muito preocupado "começar" a ser visto como um "anormal" !

Anónimo disse...

Ámen!

O problema é que esta análise da realidade não se adapta a uma redução em "soundbytes" suculentos feitos à medida do nosso jornalismo.

Nuno Castelo-Branco disse...

Tudo isto é muito bonito, mas oferecer mais possibilidades de crédito aos bancos? Não foi esta a origem de certos problemas? E o que dizer do sistema de vasos comunicantes banca/política?