8.8.08

QUASE SELVAGEM


Este homem cada vez escreve melhor. Faz-me pensar umas quantas vezes no prosseguir. «Lendo [Agosto]1914, há ali potência, complexidade e naturalidade que fazem uma obra de arte. É o retrato completo e panorâmico de uma certa sociedade que morreu, talvez o último momento em que à inteligência foi dada voz. Depois, foi o ascenso das massas, das carnificinas, das demolatrias e sua crueldade, ódio e incapacidade para ver para além da gamela e do porta-moedas. Recomendo-o vivamente, pois ali está toda a sociologia, toda a política, toda a filosofia e toda a economia de uma Europa à beira do suicídio. Solzhenitsyn não teve vida fácil, nem após a queda do comunismo. O seu nacionalismo moderado mas firme concitou ódios entre os patetas ultra-nacionalistas - os tais que pregam "os valores" e o "orgulho nacional" mas nunca leram um livro, não conhecem um monumento, não cultivam a língua nem sabem da história do seu próprio povo - como ofendeu quem pensava poder atraí-lo para as delícias do mercado. Manteve-se, sempre, obstinado e quase quadrado, agarrado à visão de uma Rússia imperial, ortodoxa, arcaica e quase selvagem.» Para perceber melhor isto, isto. É assim, desprovido naturalmente do talento, que tendo a acabar:bisonho, terrífico e anti-moderno. Quase selvagem.

6 comentários:

Combustões disse...

O João é uma instituição, eu sou um escriba menor. O João, com a sua página, desfaz hierarquias e mete medo a muito poltrão sentado nas tais poltronas. Eu, escrevo para meia dúzia de amigos que têm a heróica paciência de me aturar.
Um abraço
Miguel

Anónimo disse...

um dos responsáveis pela implosão dum império fracassado que vivia unicamente de propaganda tipo zé chavez
a execução dos assaltantes foi um sucesso

radical livre

JSA disse...

Escrever «não cultivam a língua» depois de referir o nome do autor como "Solzhenitsyn" é de rir. A grafia correcta é mesmo aquela que tem sido usada em português, Soljenitsine, com o "j" a ser lido como tal. Pena que quem fala em língua e cultura e outras tretas do género acabe por andar a copiar a grafia anglo-saxónica.

Tino disse...

A prosa do Miguel Castelo-Branco tem um ritmo que encontro no melhor escritor português de prosa política do século XX e talvez de toda a história literária política portuguesa.

Combustões disse...

Ora, caro Jsa, na transcrição de qualquer sistema diferente do nosso, com os seus grafemas ou caracteres distintos,há sempre que recorrer a um método de fonetização. Eu sinto-o diariamente com a língua thai, que só há pouco comecei a poder ler e escrever, como outros se defrontarão com o mesmo no árabe ou no chinês. Assim, escolho aquele que mais se aproxima da pronúncia russa: SOL-ZÉ-NI-TSYN. O Y, finalmente, deixou de ficar de fora da nossa língua, pois é distinto do "i". Se preferir, aceito o erro português de o referir como Sol-JÉ-NITSI-NE.

Anónimo disse...

De acordo com a revista francesa “L’Histoire” entre 1920 e 1925 começaram a aparecer os primeiros livros com denúncias do que se estava a passar na URSS.
Um socialista francês, que falava e escrevia russo, pessoa um tanto difícil de enganar, teve oportunidade de visitar este país. De regresso escreveu um livro onde descreveu as coisas boas e as más que viu. Como as coisas más superavam em muito as boas, terminou o seu livro com esta frase: “Nada de sovietes em França”.
André Gide, paneleiro assumido, escritor bem conhecido, também visitou a URSS conjuntamente com outros intelectuais. Escreveu um livro no qual pôs a merda do socialismo de rastos.
Quando o escritor se inscreveu no PCF, este, apesar de não desconhecer os hábitos porcos do escritor, embandeirou em arco, chovendo os elogios. Pudera, era um camarada, que embora invertido, era, pelo seu nome, uma mais valia. Mas, não aceitando as críticas do escritor, iniciou depois toda uma campanha de difamação onde sempre foi realçada a sua tendência mariconsa.
Apesar do que lentamente se ia conhecendo, as pessoas, sobretudo os chamados intelectuais, mantinham-se cépticos.
Foi preciso que aparecessem os escritos desse homem admirável, que sofreu bem na carne e na alma os efeitos de ideologia tão perversa, para que, pouco a pouco, as mentalidades fossem mudando e se chegasse finalmente ao conhecimento do lado prático de ideologia tão execranda.
Apesar do que já é hoje possível saber, sem qualquer espécie de dúvida, há por aí muitas mentes tristes e imbecilizadas que ainda se babam com a lembrança de ideologia tão letal.