29.11.05

DO VERDADEIRO MANUEL ALEGRE ÀS "INDIGNAÇÕES"

1. Leio no Diário de Notícias o texto sobre a apresentação da candidatura de Manuel João Vieira a Belém. Tem graça, tal como o "candidato" tem graça. Também li Joana Amaral Dias, "indignada" com Cavaco e com o ministério da Educação (ME) por causa dos crucifixos. Quanto ao primeiro, a Joana leva a "indignação" ao ponto de ligar a cruz ao Calvário, ou seja, a Cavaco, o qual, à conta de ter proferido duas trivialidades (que o país é maioritariamente católico e que não lhe parece que seja uma prioridade do ME este episódio, coisa que a própria ministra também acha), não tem "perfil" para ser PR.
2. Vamos entrar numa pequena crise de "indignações" generalizadas. Até eu provavelmente vou aderir. O João Morgado Fernandes (JMF) - um jornalista relativamente atípico, na medida em que escreve e pensa bem ( e quem sou eu para o julgar...) - indignou-se comigo. Julgo que o fez duplamente. Por causa de eu ter ido "buscar" uma citação de Rodrigo Moita de Deus (presumo que se deve tratar de um perigoso "reaccionário" das bandas do CDS/PP ou do "neoliberalismo") a propósito das cruzes e, seguramente, por eu ter criticado os "critérios" editoriais do DN em matéria de eleições presidenciais. Pois, meu caro JMF, fi-lo apenas em resposta à "indignação" de Medeiros Ferreira por causa do Público e para demonstrar que, se quisermos, podemos passar a vida de "indignação" em "indignação", tipo jogos florais democráticos, laicos e republicanos. Acontece que eu tenho simultaneamente a vantagem e a desvantagem de não ser jornalista. Posso, se me apetecer, ser tendencioso. Faço parte da chamada "opinião pública" e não tanto da "opinião que se publica". Esta, estando no seu perfeito direito de não gostar de a ou de b, ou de gostar mais de c ou de d, tem que ter um pouco mais de cuidado com o que escreve, independentemente de se "indignar" ou de se "curvar".
3. Finalmente, meu caro JMF, fala-me de "debates" em Portugal e de "graçolas incendiárias e analfabetas". Será que JMF incluiria neste grupo das "graçolas incendiárias e analfabetas" a de Medeiros Ferreira que viu Cavaco "imediatamente abraçado ao crucifixo"? Tirando o mato e a caramunha, descanse que nada se "incendeia" verdadeiramente neste país e Você, como bom jornalista, devia ser o primeiro a saber isso. Existem, é certo, meia dúzia de pessoas que "fingem" alimentar "polémicas" entre si a propósito de banalidades. Em França, por exemplo, quando Chirac colocou o respeitável busto da República à porta das escolas, em nome do laicismo, viu-se o que aconteceu. Apesar de tudo, a França, mesmo quando não é levada a sério, leva-se a sério, o que faz toda a diferença para a paróquia. Nós, quando nos começamos a levar a sério, mesmo (ou sobretudo) com a Constituição debaixo do braço, resvalamos imediatamente para um híbrido entre a comédia e a tragédia. É o que dá termos um país inundado de juristas (como eu, mas estou a milhas de ser fanático) e de proto-juristas. E como eu sei que o JMF é um bom leitor, recomendo-lhe Henry Miller e o seu Viragem aos Oitenta (Fenda), que até pode ser lido como uma sublime homenagem a um candidato presidencial, já que foi por aí que comecei (e agora estou a falar a sério): "quem se leva a sério está condenado."

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