Quando, há muitos anos, comecei a escrever no Semanário do Victor Cunha Rêgo, "estreei-me" com um texto arrancado à leitura de um livro do Joaquim Manuel Magalhães, Os Dois Crepúsculos (Ed. A Regra do Jogo), depois de uma saborosa conversa na extinta "Ferrari" da Rua Nova do Almada. Mais propriamente -porque estávamos em Agosto, o mesmo Agosto que amanhã começa -, a um ensaio intitulado Sobre Praias. Ocorreu-me esta pobre lembrança depois de ler no Abrupto o "post" O Mar. Contrariamente ao que sugere Pacheco Pereira, não há nada de "reaccionário" nas suas belas três linhas sobre o mar "abstracto", que não é mais do que isso, a solidão não invadida. Eu não sei se o autor leu o ensaio do Joaquim, escrito no final dos anos 70. As suas três linhas, afinal, são um inesperado "sumário" desse ensaio. Ano após ano, a "balbúrdia" e a "praia dos corpos" acentuam a morte lenta do "fio do horizonte", tapado pela multidão dos indiferentes a que só se vê em linha recta. Pergunta o Joaquim: com que nomes chamaremos as centenas de seios fazendo malha, o punhado de meninas espremendo-se para o punhado de meninos que escarram de perna aberta e vêem quem corre mais, o cerco de pilosas barrigas aguardando as lautas digestões para meter o cu no mar? E continua. Eu não estou a defender que as praias sejam só para alguns, nomeadamente os que, por educação, se sabem servir delas.(Embora fosse bom que todos os que dela se sirvam, tivessem sido educados em equilíbrio.) O que estou é a dar voz ao pavor, talvez pessoal, sem dúvida aumentado pela mediocridade das situações, de nelas assistir à massificação dos desejos. O crescente desaparecimento da ideia de no verão se fazer outra coisa senão ir à praia é o equivalente de julgar que se não merece um ordenado se não se trabalhar as horas que o sindicato manda, que se não pode ousar o que ousam os homens por se ser mulher, que se não deve nunca desligar a ideia de sexo da de procriação. Ao mesmo tempo, não deixa de ser assustador pensar que meio país passa um mês não a realizar um projecto que durante o ano o trabalho não lhe deu tempo a pôr de pé, mas a estourar horas, entre refeição e refeição, entre sesta e sono, sem querer um pouco mais além, sem sequer fazer dessa atitude uma filosofia que, se o fizesse, não viveria assim. Uns chamam a isto o acesso das massas ao lazer. Eu chamo-lhe o vazio.(...) É isto a sociedade de massas: promover que todos queiram a mesma coisa, até ao ponto de todos exigirem de si que queiram a mesma coisa que todos. Quer se planifique o desejo, quer se faça dele mais-valia, vai tudo dar ao mesmo montão de gente que, neste caso, está à beira-mar.
«Somos poucos mas vale a pena construir cidades e morrer de pé.» Ruy Cinatti joaogoncalv@gmail.com
31.7.04
30.7.04
SER DIFERENTE
Em qualquer país minimamente desenvolvido, a demissão do director da polícia civil teria mais cobertura jornalística do que as filas para a Madonna. É uma área que tem que ver com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, coisa que as pessoas só se lembram quando lhes convém. Dito isto, não me parece que haja nenhum mistério particular na saída aparentemente intempestiva do Sr. Juiz director-nacional da PSP. O mundo das polícias, da justiça e das informações é um mundo onde se movem indistintamente muitos magistrados, uns judiciais, outros do venerando Ministério Público. E movem-se, embora digam o contrário, "politicamente". Como facilmente se adivinha, não são propriamente corporações que nutram entre si a maior das estimas, apesar de ambas possuírem, em elevadíssimas doses, uma enorme e vaidosa "auto-estima". Acham-se obviamente subtis. Mário Morgado, o juiz demissionário, nunca se entendeu bem com a polícia, nem esta com ele. Também para ele, aquela não era a sua polícia, um jargão vulgarizado no meio desde há uns anos. Acresce que, pelos vistos, Daniel Sanches, procurador geral adjunto, também não é o "seu" ministro. Figueiredo Lopes era um terreno relativamente fértil para magistrados desbravarem. Sanches pertence a outra "escola" até porque provém dela. Dificilmente estes dois homens se entenderiam, e é esperável que Sanches queira alguém da sua confiança à frente da PSP. Para a nossa mentalidade tacanha, a permanência de um director-geral em funções ad infinitum, é sinónimo de "seriedade" e de "independência". No entanto, ninguém nunca se lembra de interrogar as profundas razões que levam a que determinadas pessoas se "eternizem" na função, vendo alegremente passar ministros com propósitos sucessivamente diferentes, ou mesmo, antagónicos. É que, por detrás desse apurado e grave "sentido de serviço", esconde-se quase sempre um interesse "transversal": ali uma igreja, aqui uma corporação, mais adiante outra coisa qualquer, com a "carreira" naturalmente à cabeça. Eu, por natureza, desconfio de pessoas dispostas a "servir" qualquer "amo", já que não acredito em "independentes". Trata-se de uma mera sofisticação intelectual para satisfação dos distraídos e para perpétuo consolo dos próprios. A minha experiência pessoal dos últimos anos, esclareceu-me definitivamente sobre o assunto. Por isso, o gesto de Mário Morgado, descontadas as "dificuldades" "relacionais" e "funcionais" apontadas, tem pelo menos a vantagem de ser diferente.
DESÍGNIO FATAL
O Dr. Sampaio e a D. Maria José, passados uns breves dias de nojo, voltaram à estrada, enquanto o país arde serenamente. Com alguns bombeiros perfilados atrás de si, em vez de estarem onde deviam estar, Sampaio, não sei bem onde, perorou acerca da "descentralização". Findo o "desígnio" comum ao casal presidencial - a eurobola -, Sampaio lembrou-se de nomear um novo, a descentralização. Proferiu umas banalidades sobre o tema, arredondou a conversa e evitou, afinal, explicar o absurdo da deslocalização de meia dúzia de secretários de Estado. Como sempre, disse ele, está "atento". Os noticiários tomaram imediatamente isto por "fiscalização ao governo". Imagine-se que Sampaio acha que "os governos devem governar" e as "oposições" devem "preparar-se". No fundo, e nós não sabíamos, Sampaio queria simplesmente obrigar o PS a umas massagens forçadas, pelo que deve considerar que tomou a melhor decisão da vida dele ao abraçar, na boca, e sem pestanejar, o fogoso Dr. Lopes. É justamente para ter Sampaio por aí debitando levezas, sem o maçar demasiado, que o referido Lopes, a cada segundo, finge que lhe afaga o ego. Verdadeiramente Sampaio "manda" governar um governo que ele julga que é inteiramente "seu". Fará seguramente disto mais um "desígnio". Só espero que não seja, nem para ele, nem sobretudo para nós, um desígnio fatal.
29.7.04
MERECIMENTOS
Na televisão, a notícia é uma "fila" que começou às 6 da manhã. Para quê? Comprar bilhetinhos na FNAC para ver Madonna, em Lisboa. Uma pobre idiota nem conseguia balbuciar uma palavra com a "emoção". Por fim, lá disse que a outra "era uma grande senhora"(!). Outro comprou logo 16 bilhetes e mal se continha de felicidade. É nestas filas, ontem para a bola, hoje para uma cantora, que encontramos o sempre sublime "novo homem português". Com gente desta, por que é que Santana não há-de ser primeiro-ministro? Ele merece-os. Eles merecem-no.
O BARDO
This purpose you undertake is dangerous; the friends you have named uncertain; the time itself unsorted; and your whole plot too light for the counterpoise of so great an opposition.
William Shakespeare, Henry IV, II, 3
William Shakespeare, Henry IV, II, 3
Manuel Alegre desceu do limbo romântico em que normalmente se encontra para se "bater" pela liderança partidária. Sentiu-se "invadido pelos acontecimentos" e, desta vez, pela "história". Camaradas mais ladinos e outros mais sibilinos, empurraram-no para esta sofrível aventura. Como é seu costume, Alegre não faz a mínima ideia no que é que se vai meter. Perante uma coligação agora chefiada pelos seus verdadeiros mentores e pelo "pacto de geração" que une Santana a Portas, o PS não pode dar ao país uma imagem híbrida, algures entre um Harry Potter meia-idade e um respeitável Senhor dos Anéis. Qualquer coisa que releva mais do seu pequeno "imaginário" doméstico, do que daquilo que o "povo" efectivamente quer. A maior vítima do lapso santanista de Sampaio, foi inequivocamente o seu próprio partido. Quando, a esta hora, já devia estar a falar ao país, sobre o país e contra a virtualidade, o PS tem pela frente quase três meses, ainda, para tratar da sua intendência. A emergência abstrusa de Manuel Alegre é, com o devido e histórico respeito, meramente folclórica e destinada ao tal seu encontro espúrio com a "história", a dele. Já João Soares, quase diria que pela primeira vez, apresentou-se com um "manifesto" politicamente interessante, apesar do "ar de clã" que perpassa pela sua teimosa e generosa candidatura. Mais tarde ou mais cedo, algures, o bardo e o "jovem poeta" encontrar-se-ão contra o "outro". Deste "outro", falaremos a seguir.
P.S: Sobre o "outro", escreve José Manuel Fernandes no Público (Editorial), no que já é, que me recorde, um segundo editorial bem inspirado nestes últimos dias.
LOUCURA COM MÉTODO
William Shakespeare, Hamlet, II, 2
-What do you read, my lord?
-Words,words,words.
-What is the matter, my lord?
-Between who?
-I mean the matter that you read, my lord.
-Slanders, sir. For the satirical rogue says here that old men have gray beards, that their faces are wrinkled, their eyes purging thick amber and plum-tree gum, and that they have a plentiful lack of wit, together with most weak hams - all which, sir, though I most powerfully and potently believe, yet I hold it not honesty to have it thus set down. For yourself, sir, shall grow old as I am - if like a crab you could go backward.
-Though this be madness, yet there is method in't.
William Shakespeare, Hamlet, II, 2
28.7.04
OLHAR PARA TRÁS
Os tempos que vivemos recomendam que se recorra à história. Eu não tenho feito outra coisa nos últimos dias. Quando entrei para a universidade, em 1978, Vasco Pulido Valente ensinou-me qualquer coisa acerca da nossa "identidade nacional" e acerca do nosso sui generis século XIX. Em 73/74, ele tinha apresentado em Oxford um trabalho para doutoramento em História, que Snu Abecassis editou na Dom Quixote, em 1976. Eu possuo essa primeira edição de O Poder e o Povo, A Revolução de 1910 que há mais de 20 anos li pela primeira vez, apesar de aparentemente não ter nada a ver com o que o seu autor me estava a ensinar na altura. Digo aparentemente porque um livro de história, um bom livro de história, como este ou os de A.J.P Taylor, onde também ando a mexer, não passa de uma obra de ficção, tão privada e tão universal como um romance (do prefácio de V. Pulido Valente ao seu livro Tentar Perceber, da Imprensa Nacional). Os tais "bons livros de história" devem ajudar a tentar perceber o mundo, da mesma forma que o historiador, ao escrevê-los, tem de ser uma pessoa que, como qualquer pessoa, se tenta perceber (idem). O Poder e o Povo, que ando a reler, foi reeditado pela Gradiva. A sua "tese", pouco ortodoxa, explica as trapalhadas e as convulsões do nosso "progressismo" republicano, iniciado no século XIX. Ajuda a entender a idiossincrasia das élites políticas portuguesas e o seu "sublime irrealismo", desde as ditas "progressistas" às ditas "conservadoras", tendo como "pano de fundo" um país que, no essencial, continua a reagir com indiferença aos "movimentos" dessas mesmas élites.
A REALIDADE VIRTUAL
Segundo notícia do Público de hoje, o executivo da CML, ainda presidido por Santana Lopes, decidiu colocar o célebre "casino de Lisboa", à sétima (!) escolha, no antigo Pavilhão da Realidade Virtual da defunta Expo 98. Um local mais do que perfeito para alojar praticamente tudo o que brota da cabeça do actual chefe do governo e, de caminho, para acomodar essa "roleta russa" que é o seu "programa nacional de pastoreio", já devidamente abençoado pelo rito da obediente maioria de São Bento. Daqui para diante, a realidade virtual deixa de ter apenas um pavilhão para a honrar. Ao seu inteiro dispôr, fica todo um país.
27.7.04
SERÁ?
O novo cargo de Santana Lopes não lhe vai bem. O homem não está definitivamente à vontade naquele papel. Lê mal e sem convicção. Sempre que pode, sai do escrito - normalmente muito mau - para o improviso e para Sampaio que, nesta trágico-comédia, faz de "ponto". Liberto das coisas terrenas do "programa do governo", como puras maçadas burocráticas, Santana vira-se, assim que pode, para a pequena história onde é mestre. Usa o plural majestático para "picar" os adversários. Fala de si como vítima "elegante", alguém que nunca falou mal dos outros, alguém de quem os outros passam a vida a falar mal. No entanto, olha-se para ali, programa e personagens, e tem-se a sensação de que aquilo não cola. O assunto "IRS", a recorrência de serviço, distrai da vulgaridade geral da coisa. Porém, distrai mal e falsamente. A menos que, em vez de um governo, se trate de uma vasta e luxuosa comissão eleitoral. Se me surpreenderem, ainda bem para mim e para o país. Para já, o que se vê é uma encenação pouco mais que medíocre de uma velha técnica. Santana joga connosco e com os seus ajudantes "às casinhas". Eles fingem que acreditam. Nós fingimos que é a sério. Como dizia Salazar, "está tudo bem assim e não podia ser de outra maneira". Será?
26.7.04
COMO DANTES
Santana mandou distribuir umas pequenas parcelas do poder pela "província". Até reservou para ele um gabinete no Porto, tal como o rei de Marrocos possui um palácio em cada cidade do país. Falhada a remoção de ministérios inteiros para as badanas do território, Santana compeliu alguns dos seus segundos ajudantes a se "deslocarem", certamente apenas pelo prazer da deslocação. Em Braga, por exemplo, o Sr. Pedro Duarte, da "juventude" e uma notória e promissora "cabeça", é o que estava a fazer mais falta aos "jovens" do distrito "mais jovem". Amaral Lopes, agora dos "bens culturais", vai para Évora, como podia ter ido para Sintra, Braga, Guimarães ou Coimbra. Como é muito compostinho e gosta imenso de agradar, até fez um comunicado público a explicar o bom que é passar a trabalhar ao pé do Templo de Diana. Quase em uníssono, os restantes ajudantes, depois de uns murmúrios malignos em sentido contrário, fizeram saber que esta ideia é genial. Isto resolve algum problema ao país ou às cidades em causa? Não resolve. Isto obedece a algum estudo ou desígnio previamente amadurecido? Naturalmente que não. Um gabinete de membro do governo é só isso, um gabinete, feito de um chefe, de uns adjuntos, de umas secretárias e uns motoristas. Não é a vaga transumância destas pobres criaturas que vai mudar a essência das coisas. Os inerentes e inertes serviços "tutelados", que são os que verdadeiramente "andam aos papéis" e com os papéis, continuam tranquilamente em Lisboa. Esta maravilhosa ideia serve, se já houver "folga", para pagar umas quantas ajudas de custo, para uns passeios de ida e volta dos directores-gerais e respectivos serventuários mais directos, e para aumentar os custos em telemóveis, em "logística" e em transportes. Também ajuda naturalmente à insinuação, sempre oportuna, dos vizires locais. De resto, passada a excitação inicial, tudo ficará como dantes.
P.S.: Percebi, pelas notícias, que o "programa do governo", descontados uns lugares-comuns sobre "contenção", et pour cause, não prevê quaisquer limites ao endividamento dos vizires os quais, de imediato, exultaram com a prebenda. Quem é amigo, quem é....
FLANAR EM PARIS
Sou demasiado suspeito. Se há lugar no mundo onde poderia passar a vida a "flanar", esse lugar é Paris. Em relação à nossa "cidade branca", Paris tem a vantagem de ser plana e rigorosa. As suas amplas avenidas, permanentemente alvoraçadas e populosas, convidam a andar. Depois, mais para dentro da cidade ou nos seus limites, há sempre um mundo de coisas para descobrir. Este livro de Edmund White, publicado pelas Edições ASA, Paris, Os Passeios de um flâneur (trad. de José Vieira de Lima), leva-nos a descobrir uma "outra Paris", aliás, sempre a mesma. Eu não sou grande apreciador deste americano que residiu em Paris uns quantos anos. Contudo, este livrinho conta histórias deliciosas de personagens da cidade, bem conhecidas, a partir de recantos menos conhecidos. Termina com um excelente capítulo de referências bibliográficas ("outras leituras") em torno da arrumação que White deu ao texto: desde os guias aos autores "clássicos" (Balzac, Colette, Breton, Gide, Proust...), os autores "exilados" (Stein, Hemingway, o próprio White, etc), os afro-americanos que viveram em Paris, os judeus, os "malditos" (Baudelaire), os pintores, o jazz, "o sexo e a cidade", etc. Paris, pois, sempre e de novo, uma cidade que proporciona imagens mentais, estes instantâneos do efémero, estes corrimões sinuosos e estas portas envernizadas, estes cais frios e vazios do Sena onde, sob uma ponte, alguém toca saxofone - todas estas memórias, de um valor inestimável e, no entanto, rigorosamente gratuitas, que só estão à espera de um flâneur que as faça suas.
25.7.04
ESTADO DE DESGRAÇA
Durão Barroso, pouco tempo antes de virar José Barroso, garantiu ao país que nunca como agora se tinham disponibilizado tantos meios para o combate aos incêndios. Figueiredo Lopes, um fantasma que passou pelo MAI, entretanto foi para casa. Ficou o adjunto, um rapazinho do PP sem grande queda para emergências nem para nada. Daniel Sanches, o novo ministro, que veio das polícias e dos segredos, também não deve ser dado a extraordinárias perturbações públicas. A balbúrdia que resultou da fusão apressada dos bombeiros com a protecção civil esteve sempre no ar e nunca chegou a passar. Ninguém com responsabilidades pareceu excessivamente preocupado com isso. Eis que, de novo, o país arde e arde bem. Não consta, porém, que os tais "meios" tenham chegado para prevenir, quanto mais para combater, a cíclica tragédia. A pulsão "executiva" de que Santana Lopes enfaticamente se reclama, vai ser posta à prova rapidamente. E não chegam umas passeatas de helicóptero para impressionar ou umas tiradas aos microfones entre os arbustos. As populações estão legitimamente cansadas e desencantadas. Só se pode desejar que o amadorismo diletante não venha simplesmente deitar mais combustível para a fogueira. Santana Lopes entrou, mais depressa do que pensava, no seu estado de desgraça.
24.7.04
A ESTRUMEIRA
Com algumas-poucas-honrosas excepções, os episódios políticos a que assistimos desde há sensivelmente um mês, têm servido para tornar mais clara a essência da opinião que se publica. Portugal demorou a extinguir a inquisição e reproduziu-a, sob outras formas, subsequentemente. Durante grande parte do século XX, a censura e o "visto prévio" encarregaram-se de "moralizar" os escritos, o que gerava, quer a auto-censura, quer o "amaneiramento" dos textos por forma a simultaneamente não desagradar e a "deixar" passar qualquer coisa. De há trinta anos para cá, até os tecnicamente analfabetos passaram a opinar. Sobre os ombros de escribas, jornalistas, comentadores, editorialistas, etc, pesava - e pesa - o chumbo da dependência, da cobardia e do medo. Isto não se cura de um dia para o outro. A pulsão democrática conduziu a que o mal se distribuísse pelas aldeias. Pessoas que, em princípio, nem para escrever uma receita de cozinha serviam, acabaram em grandes figuras com opinião firmada na praça. Começaram por um preço módico e agora pedem fortunas para babujar a última vulgaridade. A sua independência vende-se às postas a quem der mais. Os entusiasmos acerca dos escolhidos no governo para as áreas da economia, por exemplo, ou o destaque permanente que é dado aos vómitos dos nossos toscos empresários, diz tudo acerca da natureza da coisa. Basta igualmente olhar à forma como esta gente "aprecia" o exercício Santana Lopes em curso. Espremem-se, sem qualquer dificuldade intelectual ou moral, e lá "descobrem" sempre, no fundo desta loucura normal, uma "boa solução". Estes basbaques iluminados não deviam ter o direito de nos maçar com a sua prosápia medíocre. Quem quisesse chafurdar na sua estrumeira, que a procurasse. O que dispensamos é sermos permanentemente invadidos por ela .
23.7.04
CARLOS PAREDES, OS VERDES ANOS
Carlos Paredes foi meu vizinho durante anos. Quando nos cruzávamos na rua, contava sempre com a sua saudação fraterna ("como é que vai o meu amigo?") e com uma breve troca de impressões sobre o quotidiano. A sua música, porque de um grande músico falo, está inscrita nos labirintos esconsos de Lisboa. Vai fazer falta a sua imensa humanidade e a sua sábia humildade. Vivemos um tempo do sucesso das não-pessoas, meras embalagens de cartão com duas pernas. Não é nem nunca foi esse o tempo e o modo de Carlos Paredes, o homem e o cidadão. Na primeira esquina da minha rua, vou continuar a espreitá-lo no seu passo inconfundível , com o mesmo sorriso tímido e generoso dos eternos verdes anos.
22.7.04
SOAP OPERA
Para se aliviar dos dossiers, o primeiro-ministro faz questão em aparecer todos os dias na televisão. É a sua forma natural de respirar, coitado. Ontem serviu para desenvolver a sua tese acerca da formação de governos, por interposta Taggi, a polivalente de Portas, Artes & Espectáculos Lda. Foi um momento antológico, para mais tarde recordar. Hoje, a pretexto da unção europeia de José Barroso, veio, em directo, estimular o "orgulho nacional". Para o lado palonço da coisa ser perfeito, devia ter decretado feriado nacional.
RESPEITO?
Na derradeira genuflexão perante o Parlamento Europeu, José Barroso afiançou que estava ali como "deputado" de Portugal, em sinal de "respeito" perante os "colegas europeus", Nós, os bardamerdas que votámos nele para primeiro-ministro, que tipo de respeito lhe merecemos? Não há dúvidas que é mesmo pequenino.
Na derradeira genuflexão perante o Parlamento Europeu, José Barroso afiançou que estava ali como "deputado" de Portugal, em sinal de "respeito" perante os "colegas europeus", Nós, os bardamerdas que votámos nele para primeiro-ministro, que tipo de respeito lhe merecemos? Não há dúvidas que é mesmo pequenino.
21.7.04
MORANGOS COM AÇÚCAR 2
No rádio do automóvel, quando ia para a praia, ouvi o Dr. Portas elogiar Teresa Caeiro (a Teggi, para os íntimos) como a primeira mulher a ter um cargo governativo na área da Defesa. Quando vinha da praia, a doce Teggi já era secretária de Estado das Artes e Espectáculos, uma invenção de última hora da dupla PP/PSL. Por mais "polivalente" que a moça seja, como salientou Portas, não creio que estime enxovalhos desnecessários. Pelos vistos aceita-os, o que diz bastante acerca da polivalência da criatura. Quanto a Amaral Lopes, ex-adjunto de Roseta, ficou como secretário de Estado dos Bens Culturais. É, pois, este sublime trio, capitaneado por Maria João Burstorff, quem vai cuidar da "cultura" nas suas novas e originais designações. Espera-se tranquilamente o pior. Quanto aos restantes ajudantes, o panorama é invariavelmente devastador, com uma ou outra luz aqui ou ali. O extraordinário disto é pensar-se que tanto podia ser assim como assado. Hesito, por ora, em qualificar aquilo a que estamos entregues. Fossem outros os tempos, os meus incluídos, emigraria, nem que fosse para Marrocos. Eles não têm, mas eu tenho vergonha.
SON NOM BARROSO DANS UNE PENSÉE DÉSERT
Soube, através do Mar Salgado, que o Le Monde havia dedicado uma pequena prosa biográfica a José Barroso. Chamou-lhe, num trocadilho feito com o título de um livro polémico de Pierre Péan acerca de François Mitterrand, Barroso, une jeunesse portugaise ("Barroso, uma juventude portuguesa"). O articulista recorreu a "fontes" insuspeitas que conheceram bem J. Barroso, por diversos motivos: Marcelo Rebelo de Sousa, Fernando Rosas, José Luis Saldanha Sanches , Eduardo Dâmaso e José Freire Antunes. Quando escrevi Um Epitáfio, que está um pouco mais abaixo, este trecho do Le Monde ainda não estava editado, naturalmente. Dispenso-me de o traduzir, pois confio no poliglotismo dos meus leitores. Limito-me ao último parágrafo, veiculado por Marcelo ao articulista, a terrível súmula de um pensamento deserto:
Barroso une jeunesse portugaise
"Sabe, diz Marcelo com uma leve perfídia, Barroso não é propriamente um doutrinário. Não é nem liberal, nem atlantista, nem social-democrata. Porém, estuda com precisão os argumentos dos seus adversários - a sua experiência da juventude fez-lhe compreender bastante bem as contradições dos seus adversários de esquerda. Assim, sobre um determinado assunto, ele pode ser claramente social-democrata, sobre outro, profundamente liberal e sobre um terceiro totalmente democrata-cristão.Etc."
Barroso une jeunesse portugaise
Comment passe-t-on du maoïsme radical à une carrière politique respectable dans un parti de centre droit ? L'itinéraire du futur président de la Commission européenne offre une explication. "L'une des tactiques favorites de José Manuel Durao Barroso est de laisser tout le monde croire qu'il n'a pas les qualités nécessaires à l'exercice de sa fonction. Il est ainsi certain d'apparaître à l'usage plus brillant que prévu, et d'éviter de décevoir. .." Voilà qui ne va guère aider les parlementaires européens à se faire une idée de la personnalité véritable du "candidat désigné" à la présidence de la Commission européenne, lorsqu'ils auront à voter pour ou contre son investiture, le 21 juillet à Strasbourg. L'auteur de cette remarque aussi perfide qu'admirative, Marcello Rebelo de Sousa, connaît bien "José Manuel" : il a été son professeur de droit à la faculté, lorsque le jeune Barroso militait, après la révolution du 25 avril 1974, dans les rangs du Mouvement de réorganisation du parti du prolétariat (MRPP), le groupe maoïste le plus radical. M. Rebelo fut ensuite l'un des présidents du Parti social-démocrate (PSD), plus centriste que socialiste, où M. Barroso, revenu du marxisme-léninisme, fit toute sa carrière politique... avant de prendre la place de M. Rebelo, en 1999, et de devenir, en 2002, premier ministre du Portugal, à 46 ans.
José Barroso est politiquement difficile à cerner. Né en 1956 d'un père monarchiste et d'une mère républicaine, tous deux enseignants originaires du nord du Portugal, il ne semble avoir puisé ses engagements successifs et contradictoires ni dans une tradition familiale bien établie ni dans une "conscience de classe" affirmée. Est-il bien cet homme de droite que redoutent les socialistes français ? Son alliance avec le CDS-PP (Parti populaire), l'un des plus à droite sur l'échiquier politique portugais, semble le confirmer. Tout comme le choix de Santana Lopes, considéré comme le représentant de l'aile populiste et réactionnaire du PSD, pour lui succéder à la tête du parti et du gouvernement.
Pourtant, Fernando Rosas, un des fondateurs du MRPP, aujourd'hui professeur d'histoire à l'université de Lisbonne, se souvient fort bien que Barroso était l'un de ses militants les plus extrémistes lorsque ce mouvement, après la chute de la dictature, avait fait de la faculté de droit une de ses bases. Un épisode qui ne figure tout simplement pas dans les biographies officielles du premier ministre, mais qu'il n'a pas hésité à présenter aux journalistes comme "le meilleur moment de sa vie" lors de sa désignation à la candidature de la présidence de la Commission.
"Un jour, il nous a apporté tout le mobilier des bureaux du doyen de la fac : c'était une expropriation prolétarienne, destinée à meubler le siège du MRPP. Il a été très déçu quand nous lui avons ordonné de tout remettre en place", raconte, amusé, Fernando Rosas. Déployant alors toutes les ressources de l'art oratoire et du matérialisme dialectique, Barroso réussit à se faire élire président de l'association des étudiants, battant facilement le candidat d'un groupe d'extrême droite, le Mouvement indépendant de droite (MID), qui n'était autre que... Santana Lopes. "Ils partageaient la même chambre d'étudiant et sont devenus bons amis", rapporte José Luis Saldanha Sanches, un autre ancien leader du MRPP. Depuis leurs extrêmes respectifs, les deux amis convergeront peu à peu pour adhérer ensemble au PSD, en 1980.
C'est aussi dans ces moments flamboyants et romantiques que Barroso tombe amoureux d'une belle militante maoïste blonde, Margarida Sousa Uva, qui avait de surcroît l'avantage d'appartenir à une riche famille de propriétaires terriens, piliers du régime de Salazar. Elle est aujourd'hui son épouse, mais la presse portugaise s'est plue à rapporter que Margarida ne fut pas étrangère à la rupture, en 1990, de la vieille amitié entre Santana Lopes, séducteur impénitent qui remplit la presse people de ses frasques, et le froid Barroso. Un temps rivaux de cœur, les deux hommes sont toutefois redevenus amis politiques lorsqu'il a fallu passer des alliances entre factions rivales afin de conquérir la tête du PSD.
Comment Barroso a-t-il pu passer si rapidement de la ferveur révolutionnaire à un petit parti de centre-droit ? Eduardo Damaso, journaliste au quotidien Publico, y voit une certaine cohérence. Le MRPP a été créé en septembre 1970, alors que le conflit sino-soviétique est à son paroxysme. La "ligne" est de barrer la route au Parti communiste portugais (PCP) d'Alvaro Cunhal, l'un des plus pro-soviétiques d'Europe, qui menace ouvertement de prendre le pouvoir à Lisbonne à la faveur de la "révolution des œillets". Les affrontements entre communistes et maoïstes pour contrôler la rue sont alors quotidiens. Le MRPP, qui compte alors près de 3 000 militants dans tout le pays, fait alliance avec le Parti socialiste de Mario Soares pour créer l'Union générale des travailleurs (UGT), destinée à briser le monopole syndical des communistes. Et le MRPP appuiera le coup d'Etat du 25 novembre 1975, qui met un terme à la domination des militaires révolutionnaires proches du PCP. Mais c'est aussi la date que les historiens retiennent comme le "thermidor" portugais.
Désormais, la lutte contre le communisme passe, pour Barroso comme pour d'autres militants du MRPP, par l'engagement dans le PSD, susceptible de devenir le pivot d'alliances anti-PCP, vers la droite comme vers le Parti socialiste.
Mais si José Barroso se retire du MRPP, c'est aussi pour s'occuper de son père, frappé par un cancer. Parti à Londres pour le faire soigner et l'assister dans ses derniers moments, Barroso revient "transformé", les cheveux courts, les idées larges, et adhère au PSD. Est-ce un hommage rendu au père réactionnaire, qui a fait brûler toutes les photos et archives familiales témoignant de l'engagement maoïste de son fils ? L'intéressé lui-même explique plutôt son adhésion comme un hommage rendu aux idées d'un autre mort, Francisco Sa Carneiro, fondateur du PSD, tué dans un accident d'avion en décembre 1980. Ces explications convergent en tout cas pour modifier la trajectoire du jeune militant.
José Barroso passe ses examens, entame une carrière d'enseignant aux côtés des professeurs qu'il avait fait expulser de la faculté trois ans plus tôt, et obtient une bourse pour passer une maîtrise à l'Institut européen de l'université de Genève. Là, il découvre de 1979 à 1984 la science politique et la question de l'unité européenne, sous la houlette du professeur Dusan Sidjanski, chantre des thèses fédéralistes. En 1985, Barroso, déterminé à poursuivre une carrière universitaire, part préparer un PhD (doctorat) à l'Institut des relations internationales de l'université de Georgetown, à Washington, pépinière d'hommes politiques et de diplomates.
Est-ce dans ce bref séjour américain qu'il faut chercher les origines intellectuelles du fameux "sommet des Açores", qui a réuni, en mars 2003, à la veille de l'invasion de l'Irak, George Bush, Tony Blair, José Maria Aznar et José Barroso, forgeant l'image d'un Barroso résolument atlantiste ? Ce tropisme atlantique est en fait une constante de l'histoire portugaise, toujours en balance entre une alliance avec la puissance maritime du moment - l'Angleterre au XIXe siècle, les Etats-Unis aujourd'hui - contre les appétits de la puissance continentale la plus dangereuse - la France napoléonienne, l'Espagne, l'Union soviétique - et la volonté de participer aux équilibres continentaux.
C'est à Georgetown que le démon de la politique reprend José Barroso, en 1985. Cette année-là, son parti, le PSD, arrive enfin au pouvoir grâce à son leader Anibal Cavaco Silva, qui restera premier ministre pendant dix ans. "Cavaco Silva est le premier homme politique portugais qui, formé en Grande-Bretagne, rompait avec la culture politique continentale - Allemagne et Suède chez les socialistes, France gaulliste et Italie démocrate-chrétienne à droite - pour le grand large anglo-saxon", explique José Freire Antunes, historien, lui aussi ancien maoïste passé au PSD.
Cavaco Silva appelle Barroso aux Etats-Unis pour qu'il vienne le rejoindre au gouvernement. Abandonnant son PhD, il devient, à 29 ans, secrétaire d'Etat à l'intérieur, à 31 ans secrétaire d'Etat aux affaires étrangères, et enfin, à 36 ans, ministre des affaires étrangères. José Barroso trouve là une nouvelle passion, l'Angola. Alors qu'une bonne partie de la classe politique portugaise soutient l'Unita de Jonas Savimbi dans la guerre civile qui l'oppose depuis dix ans au MPLA de Dos Santos, Barroso utilise ses connexions américaines pour sentir que le vent tourne à Washington, malgré le soutien proclamé de la Maison Blanche à l'Unita : les compagnies pétrolières américaines ont manifestement décidé que le MPLA était un "client" plus sérieux.
Barroso convainc son parti de tourner casaque. Il obtient d'abord la signature par les deux parties des accords de paix de Bixette en 1991. Puis il appuie le MPLA lorsque celui-ci rompt l'accord en massacrant les cadres de l'Unita en octobre 1992 à Luanda. Certains murmurent même que le gouvernement portugais aurait contribué au repérage de l'escorte de Savimbi, qui permit au MPLA d'éliminer définitivement son ennemi en février 2002. Barroso est en tout cas devenu l'ami intime du président Dos Santos : la presse et l'opposition lui ont violemment reproché d'être allé assister, début 2004, au mariage somptueux de la fille du président angolais, alors que le pays est perclus de misère.
La défaite électorale du PSD, en 1995, réoriente la carrière de Barroso. En quatre ans, il déploie tout son savoir-faire politique pour conquérir la présidence du parti. Et il lui faudra encore trois ans pour mener son parti à la victoire. "Barroso est méthodique, extrêmement rationnel : il planifie tout, jusque dans sa vie privée, rapporte M. Rebelo. Il est par-dessus tout extrêmement méfiant : lorsque quelqu'un lui expose une idée, il se demande toujours où son interlocuteur veut véritablement en venir, et par qui il est envoyé. Je n'ai jamais vu quelqu'un passer autant de temps à étudier les sondages, les profils psychologiques et les déclarations de ses adversaires comme de ses partenaires. Pour lui, la politique est d'abord une science."
Afin de faire cesser les fuites qui étalaient dans la presse les débats internes au parti, Barroso a utilisé une bonne vieille méthode bolchevique : en distillant des confidences différentes à chacun de ses interlocuteurs, il pouvait déceler l'origine des fuites. Depuis, celles-ci ont cessé.
Malheureusement, cette maîtrise de la tactique politique, utile dans la conquête des appareils du parti, n'impressionne guère l'opinion. Barroso est considéré comme un piètre leader de l'opposition et un mauvais débatteur. "Je ne l'ai jamais entendu exprimer une opinion claire et déterminée sur un sujet important. Il a bien changé depuis le MRPP", soupire José-Luis Sardanhes. Il faudra toute l'impéritie des socialistes, contraints par les scandales à répétition d'affronter des élections anticipées, pour que le PSD l'emporte en mars 2002. Certes, les Portugais reconnaissent à leur premier ministre le mérite d'avoir redressé les finances publiques. Mais, comme le note M. Antunes, "Cavaco Silva avait un grand dessein pour le Portugal : ce n'est pas le cas de Barroso, qui n'a su que répéter aux Portugais trente fois par jour " le déficit, le déficit, le déficit ". La différence, c'est que Cavaco Silva a fait gagner 20 % de voix au PSD d'élection en élection, alors que Barroso lui en a fait perdre 30 %".
"Vous savez, dit M. Rebelo avec une suave perfidie, Barroso n'est vraiment pas un doctrinaire. Il n'est ni libéral, ni atlantiste, ni social-démocrate. Mais il étudie avec précision les arguments de ses adversaires - son expérience de jeunesse lui a fait bien comprendre les contradictions de ses adversaires de gauche. Et sur tel sujet, il pourra être plutôt social-démocrate, sur tel autre foncièrement libéral, sur le troisième totalement démocrate-chrétien. Etc."
José Barroso est politiquement difficile à cerner. Né en 1956 d'un père monarchiste et d'une mère républicaine, tous deux enseignants originaires du nord du Portugal, il ne semble avoir puisé ses engagements successifs et contradictoires ni dans une tradition familiale bien établie ni dans une "conscience de classe" affirmée. Est-il bien cet homme de droite que redoutent les socialistes français ? Son alliance avec le CDS-PP (Parti populaire), l'un des plus à droite sur l'échiquier politique portugais, semble le confirmer. Tout comme le choix de Santana Lopes, considéré comme le représentant de l'aile populiste et réactionnaire du PSD, pour lui succéder à la tête du parti et du gouvernement.
Pourtant, Fernando Rosas, un des fondateurs du MRPP, aujourd'hui professeur d'histoire à l'université de Lisbonne, se souvient fort bien que Barroso était l'un de ses militants les plus extrémistes lorsque ce mouvement, après la chute de la dictature, avait fait de la faculté de droit une de ses bases. Un épisode qui ne figure tout simplement pas dans les biographies officielles du premier ministre, mais qu'il n'a pas hésité à présenter aux journalistes comme "le meilleur moment de sa vie" lors de sa désignation à la candidature de la présidence de la Commission.
"Un jour, il nous a apporté tout le mobilier des bureaux du doyen de la fac : c'était une expropriation prolétarienne, destinée à meubler le siège du MRPP. Il a été très déçu quand nous lui avons ordonné de tout remettre en place", raconte, amusé, Fernando Rosas. Déployant alors toutes les ressources de l'art oratoire et du matérialisme dialectique, Barroso réussit à se faire élire président de l'association des étudiants, battant facilement le candidat d'un groupe d'extrême droite, le Mouvement indépendant de droite (MID), qui n'était autre que... Santana Lopes. "Ils partageaient la même chambre d'étudiant et sont devenus bons amis", rapporte José Luis Saldanha Sanches, un autre ancien leader du MRPP. Depuis leurs extrêmes respectifs, les deux amis convergeront peu à peu pour adhérer ensemble au PSD, en 1980.
C'est aussi dans ces moments flamboyants et romantiques que Barroso tombe amoureux d'une belle militante maoïste blonde, Margarida Sousa Uva, qui avait de surcroît l'avantage d'appartenir à une riche famille de propriétaires terriens, piliers du régime de Salazar. Elle est aujourd'hui son épouse, mais la presse portugaise s'est plue à rapporter que Margarida ne fut pas étrangère à la rupture, en 1990, de la vieille amitié entre Santana Lopes, séducteur impénitent qui remplit la presse people de ses frasques, et le froid Barroso. Un temps rivaux de cœur, les deux hommes sont toutefois redevenus amis politiques lorsqu'il a fallu passer des alliances entre factions rivales afin de conquérir la tête du PSD.
Comment Barroso a-t-il pu passer si rapidement de la ferveur révolutionnaire à un petit parti de centre-droit ? Eduardo Damaso, journaliste au quotidien Publico, y voit une certaine cohérence. Le MRPP a été créé en septembre 1970, alors que le conflit sino-soviétique est à son paroxysme. La "ligne" est de barrer la route au Parti communiste portugais (PCP) d'Alvaro Cunhal, l'un des plus pro-soviétiques d'Europe, qui menace ouvertement de prendre le pouvoir à Lisbonne à la faveur de la "révolution des œillets". Les affrontements entre communistes et maoïstes pour contrôler la rue sont alors quotidiens. Le MRPP, qui compte alors près de 3 000 militants dans tout le pays, fait alliance avec le Parti socialiste de Mario Soares pour créer l'Union générale des travailleurs (UGT), destinée à briser le monopole syndical des communistes. Et le MRPP appuiera le coup d'Etat du 25 novembre 1975, qui met un terme à la domination des militaires révolutionnaires proches du PCP. Mais c'est aussi la date que les historiens retiennent comme le "thermidor" portugais.
Désormais, la lutte contre le communisme passe, pour Barroso comme pour d'autres militants du MRPP, par l'engagement dans le PSD, susceptible de devenir le pivot d'alliances anti-PCP, vers la droite comme vers le Parti socialiste.
Mais si José Barroso se retire du MRPP, c'est aussi pour s'occuper de son père, frappé par un cancer. Parti à Londres pour le faire soigner et l'assister dans ses derniers moments, Barroso revient "transformé", les cheveux courts, les idées larges, et adhère au PSD. Est-ce un hommage rendu au père réactionnaire, qui a fait brûler toutes les photos et archives familiales témoignant de l'engagement maoïste de son fils ? L'intéressé lui-même explique plutôt son adhésion comme un hommage rendu aux idées d'un autre mort, Francisco Sa Carneiro, fondateur du PSD, tué dans un accident d'avion en décembre 1980. Ces explications convergent en tout cas pour modifier la trajectoire du jeune militant.
José Barroso passe ses examens, entame une carrière d'enseignant aux côtés des professeurs qu'il avait fait expulser de la faculté trois ans plus tôt, et obtient une bourse pour passer une maîtrise à l'Institut européen de l'université de Genève. Là, il découvre de 1979 à 1984 la science politique et la question de l'unité européenne, sous la houlette du professeur Dusan Sidjanski, chantre des thèses fédéralistes. En 1985, Barroso, déterminé à poursuivre une carrière universitaire, part préparer un PhD (doctorat) à l'Institut des relations internationales de l'université de Georgetown, à Washington, pépinière d'hommes politiques et de diplomates.
Est-ce dans ce bref séjour américain qu'il faut chercher les origines intellectuelles du fameux "sommet des Açores", qui a réuni, en mars 2003, à la veille de l'invasion de l'Irak, George Bush, Tony Blair, José Maria Aznar et José Barroso, forgeant l'image d'un Barroso résolument atlantiste ? Ce tropisme atlantique est en fait une constante de l'histoire portugaise, toujours en balance entre une alliance avec la puissance maritime du moment - l'Angleterre au XIXe siècle, les Etats-Unis aujourd'hui - contre les appétits de la puissance continentale la plus dangereuse - la France napoléonienne, l'Espagne, l'Union soviétique - et la volonté de participer aux équilibres continentaux.
C'est à Georgetown que le démon de la politique reprend José Barroso, en 1985. Cette année-là, son parti, le PSD, arrive enfin au pouvoir grâce à son leader Anibal Cavaco Silva, qui restera premier ministre pendant dix ans. "Cavaco Silva est le premier homme politique portugais qui, formé en Grande-Bretagne, rompait avec la culture politique continentale - Allemagne et Suède chez les socialistes, France gaulliste et Italie démocrate-chrétienne à droite - pour le grand large anglo-saxon", explique José Freire Antunes, historien, lui aussi ancien maoïste passé au PSD.
Cavaco Silva appelle Barroso aux Etats-Unis pour qu'il vienne le rejoindre au gouvernement. Abandonnant son PhD, il devient, à 29 ans, secrétaire d'Etat à l'intérieur, à 31 ans secrétaire d'Etat aux affaires étrangères, et enfin, à 36 ans, ministre des affaires étrangères. José Barroso trouve là une nouvelle passion, l'Angola. Alors qu'une bonne partie de la classe politique portugaise soutient l'Unita de Jonas Savimbi dans la guerre civile qui l'oppose depuis dix ans au MPLA de Dos Santos, Barroso utilise ses connexions américaines pour sentir que le vent tourne à Washington, malgré le soutien proclamé de la Maison Blanche à l'Unita : les compagnies pétrolières américaines ont manifestement décidé que le MPLA était un "client" plus sérieux.
Barroso convainc son parti de tourner casaque. Il obtient d'abord la signature par les deux parties des accords de paix de Bixette en 1991. Puis il appuie le MPLA lorsque celui-ci rompt l'accord en massacrant les cadres de l'Unita en octobre 1992 à Luanda. Certains murmurent même que le gouvernement portugais aurait contribué au repérage de l'escorte de Savimbi, qui permit au MPLA d'éliminer définitivement son ennemi en février 2002. Barroso est en tout cas devenu l'ami intime du président Dos Santos : la presse et l'opposition lui ont violemment reproché d'être allé assister, début 2004, au mariage somptueux de la fille du président angolais, alors que le pays est perclus de misère.
La défaite électorale du PSD, en 1995, réoriente la carrière de Barroso. En quatre ans, il déploie tout son savoir-faire politique pour conquérir la présidence du parti. Et il lui faudra encore trois ans pour mener son parti à la victoire. "Barroso est méthodique, extrêmement rationnel : il planifie tout, jusque dans sa vie privée, rapporte M. Rebelo. Il est par-dessus tout extrêmement méfiant : lorsque quelqu'un lui expose une idée, il se demande toujours où son interlocuteur veut véritablement en venir, et par qui il est envoyé. Je n'ai jamais vu quelqu'un passer autant de temps à étudier les sondages, les profils psychologiques et les déclarations de ses adversaires comme de ses partenaires. Pour lui, la politique est d'abord une science."
Afin de faire cesser les fuites qui étalaient dans la presse les débats internes au parti, Barroso a utilisé une bonne vieille méthode bolchevique : en distillant des confidences différentes à chacun de ses interlocuteurs, il pouvait déceler l'origine des fuites. Depuis, celles-ci ont cessé.
Malheureusement, cette maîtrise de la tactique politique, utile dans la conquête des appareils du parti, n'impressionne guère l'opinion. Barroso est considéré comme un piètre leader de l'opposition et un mauvais débatteur. "Je ne l'ai jamais entendu exprimer une opinion claire et déterminée sur un sujet important. Il a bien changé depuis le MRPP", soupire José-Luis Sardanhes. Il faudra toute l'impéritie des socialistes, contraints par les scandales à répétition d'affronter des élections anticipées, pour que le PSD l'emporte en mars 2002. Certes, les Portugais reconnaissent à leur premier ministre le mérite d'avoir redressé les finances publiques. Mais, comme le note M. Antunes, "Cavaco Silva avait un grand dessein pour le Portugal : ce n'est pas le cas de Barroso, qui n'a su que répéter aux Portugais trente fois par jour " le déficit, le déficit, le déficit ". La différence, c'est que Cavaco Silva a fait gagner 20 % de voix au PSD d'élection en élection, alors que Barroso lui en a fait perdre 30 %".
"Vous savez, dit M. Rebelo avec une suave perfidie, Barroso n'est vraiment pas un doctrinaire. Il n'est ni libéral, ni atlantiste, ni social-démocrate. Mais il étudie avec précision les arguments de ses adversaires - son expérience de jeunesse lui a fait bien comprendre les contradictions de ses adversaires de gauche. Et sur tel sujet, il pourra être plutôt social-démocrate, sur tel autre foncièrement libéral, sur le troisième totalement démocrate-chrétien. Etc."
A CADEIRA INESPERADA
Pedro Roseta, ex-ministro da Cultura aquando de uma entrevista ao Expresso
O que é que se pode dizer destes dois anos de Pedro Roseta à frente da Cultura? Eu julgo que nem o próprio consegue fazer qualquer "balanço". Sem menosprezo por o homem, sensível, amável e culto, a verdade é que o seu consulado se salda genericamente por um imenso buraco negro. Preocupados, ele e o seu secretário de Estado, com o dinheiro que não ousaram conquistar nos Orçamentos de Estado, quase tudo se resumiu à mercearia e ao direito. Pergunta-se pelo pensamento político para o sector e não se encontra rigorosamente nada. Amaral Lopes, o adjunto, viveu o seu mandato em permanente frenesim legislativo. Mesmo naquilo que estava bem - os diplomas orgânicos do teatros nacionais, por exemplo, que nem tempo tiveram para funcionar plenamente-, Lopes insistiu em mexer. Está em estágio, no D. Maria, o regime SA para os teatros, coisa muito bonita à vista desarmada, mas que não deixa de depender do eterno "sócio maioritário", o OE. Do melhor do passado, foram recuperados Ricardo Pais e António Lagarto que, com mais imaginação do que qualquer outra coisa, têm conseguido sobreviver no deserto. No São Carlos, por onde passei, foi renovado o contrato do director, Paolo Pinamonti, o qual, graças à sua notável flexibilidade, já vai no quarto ministro. Os museus estão praticamente exangues e moribundos. O "cinema nacional" resmunga e desconfia da nova lei de Amaral Lopes, sendo certo que sempre assim seria. O "fusionismo" dos institutos ficou incompleto, à excepção, também ainda em estágio, do Instituto das Artes, que foi entregue ao diletante Dr. Cunha e Silva, e que se destina a prover à habitual indigência dos nossos obnóxios "criadores" e "agentes culturais". Outras audácias jurídicas ficaram a meio, alguns propósitos anunciados não saíram do papel e a intriga barata fervilhou nos gabinetes. À semelhança dos seus três últimos antecessores, também não se conhece a Maria João Burstorff uma única ideia sobre o sector que vai tutelar. Com o exemplo que lhe vem de cima, à partida isto não parece ser um grave obstáculo e é, pelo menos, uma garantia de sobrevivência. Roseta passou "ao de leve" pelo Palácio da Ajuda, onde ocupou, claramente a contra-gosto, uma cadeira inesperada. Algo, porém, em que, desde meados de 2000, se transformou o ministério da Cultura.
Pedro Roseta, ex-ministro da Cultura aquando de uma entrevista ao Expresso
O que é que se pode dizer destes dois anos de Pedro Roseta à frente da Cultura? Eu julgo que nem o próprio consegue fazer qualquer "balanço". Sem menosprezo por o homem, sensível, amável e culto, a verdade é que o seu consulado se salda genericamente por um imenso buraco negro. Preocupados, ele e o seu secretário de Estado, com o dinheiro que não ousaram conquistar nos Orçamentos de Estado, quase tudo se resumiu à mercearia e ao direito. Pergunta-se pelo pensamento político para o sector e não se encontra rigorosamente nada. Amaral Lopes, o adjunto, viveu o seu mandato em permanente frenesim legislativo. Mesmo naquilo que estava bem - os diplomas orgânicos do teatros nacionais, por exemplo, que nem tempo tiveram para funcionar plenamente-, Lopes insistiu em mexer. Está em estágio, no D. Maria, o regime SA para os teatros, coisa muito bonita à vista desarmada, mas que não deixa de depender do eterno "sócio maioritário", o OE. Do melhor do passado, foram recuperados Ricardo Pais e António Lagarto que, com mais imaginação do que qualquer outra coisa, têm conseguido sobreviver no deserto. No São Carlos, por onde passei, foi renovado o contrato do director, Paolo Pinamonti, o qual, graças à sua notável flexibilidade, já vai no quarto ministro. Os museus estão praticamente exangues e moribundos. O "cinema nacional" resmunga e desconfia da nova lei de Amaral Lopes, sendo certo que sempre assim seria. O "fusionismo" dos institutos ficou incompleto, à excepção, também ainda em estágio, do Instituto das Artes, que foi entregue ao diletante Dr. Cunha e Silva, e que se destina a prover à habitual indigência dos nossos obnóxios "criadores" e "agentes culturais". Outras audácias jurídicas ficaram a meio, alguns propósitos anunciados não saíram do papel e a intriga barata fervilhou nos gabinetes. À semelhança dos seus três últimos antecessores, também não se conhece a Maria João Burstorff uma única ideia sobre o sector que vai tutelar. Com o exemplo que lhe vem de cima, à partida isto não parece ser um grave obstáculo e é, pelo menos, uma garantia de sobrevivência. Roseta passou "ao de leve" pelo Palácio da Ajuda, onde ocupou, claramente a contra-gosto, uma cadeira inesperada. Algo, porém, em que, desde meados de 2000, se transformou o ministério da Cultura.
20.7.04
TRAGICAMENTE OBSOLETOS
Tucídides, autor da História da Guerra do Peloponeso
Com este título, o Diário de Notícias de domingo passado, incluia um texto de Umberto Eco cuja oportunidade, para este "Portugal dos Pequeninos" que estamos infelizmente a viver, me parece indiscutível. Gira em torno de um trecho de Tucídides, retirado da sua História da Guerra do Peloponeso. À falta de link naquele jornal, forneço outro que descobri em espanhol. O ensaio começa assim:
E os atenienses disseram aos homens de Melos: "a vossa amizade seria a prova da nossa fraqueza, enquanto que o vosso ódio é a prova da nossa força".
Tucídides, autor da História da Guerra do Peloponeso
Com este título, o Diário de Notícias de domingo passado, incluia um texto de Umberto Eco cuja oportunidade, para este "Portugal dos Pequeninos" que estamos infelizmente a viver, me parece indiscutível. Gira em torno de um trecho de Tucídides, retirado da sua História da Guerra do Peloponeso. À falta de link naquele jornal, forneço outro que descobri em espanhol. O ensaio começa assim:
E os atenienses disseram aos homens de Melos: "a vossa amizade seria a prova da nossa fraqueza, enquanto que o vosso ódio é a prova da nossa força".
CARLOS KLEIBER (1930-2004)
A primeira vez que ouvi falar em Carlos Kleiber foi na casa de José Ribeiro da Fonte, há muitos, muitos anos. Discreto, inimigo da vulgaridade, Kleiber não gravou profusamente. Preferia o risco da performance ao artificialismo dos estúdios onde sempre se revelou um apurado músico. E o que gravou, é muito, muito bom. Nesse longínquo serão em Campo de Ourique, ouvimos, entre outras coisas, uma histórica gravação (live) dos anos 70 do Otello de Verdi, em vinil, efectuada no Teatro Alla Scala de Milão. Kleiber dirigia um trio de luxo: Domingo, Capuccilli e Mirella Freni. Conheço e possuo várias gravações do Otello, mas ainda hoje considero insuperáveis as vozes de Domingo e de Freni no dueto que encerra o I Acto. Encontrei, muito depois, em Roma, essa versão gravada já em CD. No catálogo da Deutsche Grammophon há algum Kleiber operático e sinfónico altamente recomendável. Melhor do que eu, eventualmente o Crítico musical falará disto. Eu limito-me a registar o desaparecimento, também bem ele envolto na discrição que o acompanhou toda a vida, de um dos maiores chefes de orquestra e músicos do século XX.
A primeira vez que ouvi falar em Carlos Kleiber foi na casa de José Ribeiro da Fonte, há muitos, muitos anos. Discreto, inimigo da vulgaridade, Kleiber não gravou profusamente. Preferia o risco da performance ao artificialismo dos estúdios onde sempre se revelou um apurado músico. E o que gravou, é muito, muito bom. Nesse longínquo serão em Campo de Ourique, ouvimos, entre outras coisas, uma histórica gravação (live) dos anos 70 do Otello de Verdi, em vinil, efectuada no Teatro Alla Scala de Milão. Kleiber dirigia um trio de luxo: Domingo, Capuccilli e Mirella Freni. Conheço e possuo várias gravações do Otello, mas ainda hoje considero insuperáveis as vozes de Domingo e de Freni no dueto que encerra o I Acto. Encontrei, muito depois, em Roma, essa versão gravada já em CD. No catálogo da Deutsche Grammophon há algum Kleiber operático e sinfónico altamente recomendável. Melhor do que eu, eventualmente o Crítico musical falará disto. Eu limito-me a registar o desaparecimento, também bem ele envolto na discrição que o acompanhou toda a vida, de um dos maiores chefes de orquestra e músicos do século XX.
19.7.04
UM EPITÁFIO
Por causa de Sampaio e de Lopes, fomos distraídos das andanças europeias de Durão Barroso, o verdadeiro "autor do crime". Eu sabia que Barroso era um pragmático frio, educado nos melhores princípios do "livrinho vermelho" do Grande Timoneiro. Julguei, em 1995, que era o melhor candidato à sucessão de Cavaco Silva, por ser um "político" feito no Estado e não exclusivamente na intriga e nos interesses próprios da seita. O lance "eu não dependo de ninguém e ninguém depende de mim", proferido no Coliseu, ficou para a história e custou-lhe o epíteto de "elitista, liberal e sulista". Também sabia que, mais tarde ou mais cedo, depois da generosa e voluntarista liderança de Marcelo, o partido se lhe renderia. Soava bem, então, renunciar a Satanás/Portas, e Barroso emergia como o campeão da pureza "laranja", o tal que não queria que lhe pedissem para andar com o PP às cavalitas. Por uma uma margem estreita, mas suficiente, o país trocou o "guterrismo" por ele, convencido de que "agora é que é". Não foi. Barroso deu de imediato a mão, as costas e o corpo todo a Portas. Durante dois anos, esforçou-se por se divorciar o mais que pôde do país. Este agradeceu-lhe o sacrifício nas eleições europeias. Prometeu mudar e entender "os sinais". Duas semanas depois, não resistiu aos impulsos daquilo que lhe é, afinal, mais íntimo: a pusilanimidade. Trocou, sem pestanejar, as funções de primeiro-ministro para que fora eleito, por um chorudo prato de lentilhas de reduzido interesse nacional. A cidade parola, com Sampaio à cabeça, babou-se com a "honra" do cargo de Barroso e respeitosamente ajoelhou aos pés do seu sucessor. Barroso, esse, não perdeu tempo em mostrar à Europa a sua personalidade-plasticina. Em apenas cinco dias, foi tudo. Ambientalista, atlantista, europeísta, de esquerda, liberal, de centro-direita, pela guerra, contra a guerra, o que fosse. Disse a cada plateia aquilo que supostamente a plateia gostava de ouvir. E está a um passo de ser entronizado pelos conchavos do Parlamento Europeu. Eu não me revejo neste nosso pequeno português em Bruxelas, um mero exportador de luxo da endémica esperteza saloia nacional. E sugiro um epitáfio para Barroso: político europeu do século XXI cuja duplicidade lançou Portugal no caos ético.
18.7.04
DE VOLTA
Narciso, de Salvador Dali
Depois de oito valentes copos de água, perante a habitual multidão de dependentes e de interessados, destacando-se, nestes últimos, tudo o que é a "nata" da classe empresarial e banqueira, Santana Lopes estreou-se. Foi o que se pôde arranjar à pressa. Ou "amanhar". Não lhe foi possível esconder que não conhecia o discurso que lhe escreveram. Para todo o sempre, há-de arrepender-se de não ter improvisado, coisa em que é especialista e seguramente mais feliz. Como aquilo não tinha nexo nenhum, retive poucos propósitos. Fica uma circunstancial e retórica bravata contra os "poderosos" (estavam lá quase todos a aplaudi-lo), contra o "déficit das famílias", contra o "eleitoralismo" e pelo "rigor" do agrado de Sampaio, que ontem começou a perceber onde é que se tinha metido. Em suma, Santana esteve essencialmente contra si próprio. Houve, nesta primeira peripécia, uma sensação de desconforto, como se o personagem estivesse desesperadamente em busca de um autor. Por isso, uma vez liberto dos cumprimentos, voltou a encontrar-se com o melhor de si mesmo. Proibiu os pobres dos seus novos ajudantes de falar, e reservou para si a "síntese". Eles, realmente, não interessam. Esquecida, para já, "a corte na aldeia", Santana Lopes, ao arrepio do que Sampaio tinha recomendado uns minutos antes, tirou do bolso a "descida do IRS", uma milonga bem conhecida e de agrado geral. Em breves instantes, recompôs-se dos dias difíceis da "responsabilidade" e do fracasso da "cerimónia". Estava de volta.
Narciso, de Salvador Dali
Depois de oito valentes copos de água, perante a habitual multidão de dependentes e de interessados, destacando-se, nestes últimos, tudo o que é a "nata" da classe empresarial e banqueira, Santana Lopes estreou-se. Foi o que se pôde arranjar à pressa. Ou "amanhar". Não lhe foi possível esconder que não conhecia o discurso que lhe escreveram. Para todo o sempre, há-de arrepender-se de não ter improvisado, coisa em que é especialista e seguramente mais feliz. Como aquilo não tinha nexo nenhum, retive poucos propósitos. Fica uma circunstancial e retórica bravata contra os "poderosos" (estavam lá quase todos a aplaudi-lo), contra o "déficit das famílias", contra o "eleitoralismo" e pelo "rigor" do agrado de Sampaio, que ontem começou a perceber onde é que se tinha metido. Em suma, Santana esteve essencialmente contra si próprio. Houve, nesta primeira peripécia, uma sensação de desconforto, como se o personagem estivesse desesperadamente em busca de um autor. Por isso, uma vez liberto dos cumprimentos, voltou a encontrar-se com o melhor de si mesmo. Proibiu os pobres dos seus novos ajudantes de falar, e reservou para si a "síntese". Eles, realmente, não interessam. Esquecida, para já, "a corte na aldeia", Santana Lopes, ao arrepio do que Sampaio tinha recomendado uns minutos antes, tirou do bolso a "descida do IRS", uma milonga bem conhecida e de agrado geral. Em breves instantes, recompôs-se dos dias difíceis da "responsabilidade" e do fracasso da "cerimónia". Estava de volta.
17.7.04
MORANGOS COM AÇÚCAR
Às vezes, enquanto aguardo pelos noticiários, dou por mim a contemplar uma telenovela portuguesa na TVI. Infindável, sem trama e profusa em não-acontecimentos, esta telenovela vive da deambulação dos personagens e dos diálogos infantis comuns a adultos, adolescentes e crianças. As mulheres e as raparigas tratam-se por "queridas" e a frase mais profunda arrancada àquelas pobres almas é "precisamos falar". Estão sempre nisto, precisam constantemente de falar uns com os outros e, invariavelmente, não é para sair dali nada de extraordinário que faça avançar a "história". Os respectivos "heróis" são frívolos, de uma banalidade confrangedora e, na maior parte dos casos, absolutamente inverosímeis. Retrata-se ali um pequeno mundo de "tias", "tios" e "betinhos", movidos por intrigas várias e por interesses difusos que só a eles dizem respeito. Como de costume, há os "bons", os "maus, os "assim-assim" e os não-existentes, a maioria. O aparente sucesso desta telenovela reside na circunstância única de se tratar de um produto light razoavelmente bem vendido. O governo de Santana Lopes lembra-me os "Morangos com Açúcar" e ainda não chegaram os secretários de Estado, o momento verdadeiramente apoteótico para os fiéis militantes. Ao contrário da telenovela, porém, o desfecho não se anuncia feliz para os espectadores. Tudo é demasiado mau e amargo para que possa acabar bem.
16.7.04
MATAR O BICHO
No programa eleitoral do CDS/PP, previa-se a extinção pura e simples do ministério do Ambiente. Assim mesmo. O Dr. Lopes, indiferente à matéria e mais rápido do que a luz, escolheu Nobre Guedes, o braço direito do seu "braço direito", para pastorear os dejectos, as aves e os arbustos. Só restam duas conclusões. O CDS/PP avança de novo e Nobre Guedes é nomeado simplesmente para "matar o bicho".
P.S.: O Sr. Telmo também foi bafejado com o Turismo, o que eleva para quatro o número de ministros do CDS/PP, dois dos quais em pastas politicamente significativas. Pergunto-me: se porventura o CDS tivesse ido a votos, conseguiria eleger tantos deputados? Grande e generoso PPD/PSD/PSL!
No programa eleitoral do CDS/PP, previa-se a extinção pura e simples do ministério do Ambiente. Assim mesmo. O Dr. Lopes, indiferente à matéria e mais rápido do que a luz, escolheu Nobre Guedes, o braço direito do seu "braço direito", para pastorear os dejectos, as aves e os arbustos. Só restam duas conclusões. O CDS/PP avança de novo e Nobre Guedes é nomeado simplesmente para "matar o bicho".
P.S.: O Sr. Telmo também foi bafejado com o Turismo, o que eleva para quatro o número de ministros do CDS/PP, dois dos quais em pastas politicamente significativas. Pergunto-me: se porventura o CDS tivesse ido a votos, conseguiria eleger tantos deputados? Grande e generoso PPD/PSD/PSL!
A OCASIÃO
Devemo-nos preparar psicologicamente para a próxima prédica de Jorge Sampaio, alguém que trocou o remoto oriente como férias, por um deslumbramento tardio pela aventura. Lopes, visita agora habitual de Belém, tomará posse algures na semana que vem. Evocará as estrelas, o céu e Sá Carneiro, tendo sempre o cuidado de nunca lavar a boca primeiro. Sampaio, esse, apresentará mais uma prosa retorcida onde revisitará os seus fantasmas de sempre e os demónios que presentemente o "atormentam". Pode até haver lugar a uma "furtiva lágrima", uma vez que se juntam dois "emotivos". Tentará explicar o inexplicável e "responder" aos que, e bem, o vêem já só como a flor de plástico na lapela de Santana. Desde o 25 de Abril, tinha havido um pouco de tudo nos corredores e nos gabinetes do Palácio de Belém. Quase tudo, afinal. Faltava Santana e o seu "tutor" amestrado, Sampaio. Um PR deveras original que assiste, solenemente mudo e grave, à apresentação às "pinguinhas" dos nomes que Lopes vai tirando do bolso. Cada nome, todos os nomes, passam naturalmente a ser os novos "homens do Presidente". As honoráveis cãs de Álvaro Barreto pôem Sampaio em respeito, como ele, aliás, gosta que o ponham. A seriedade burocrática do futuro ministro dos negócios estrangeiros também. Faltam os outros, a verdadeira "nata" do novel escol santanista-portista. Para não perturbar o transporte do seu aliado belenense, Lopes deve apresentar estes "em pacote". Os amigos são para as ocasiões. E, como diz o "nobre povo" do hino, a ocasião faz o ladrão.
15.7.04
TEMOS HOMEM...
Li aqui que o Pacheco Pereira renunciou ao cargo de embaixador de Portugal junto da UNESCO, em Paris. Fico contente por o poder continuar a não colocar na minha já vasta "coluna infame" de invertebrados.
Li aqui que o Pacheco Pereira renunciou ao cargo de embaixador de Portugal junto da UNESCO, em Paris. Fico contente por o poder continuar a não colocar na minha já vasta "coluna infame" de invertebrados.
PRIMEIRO ESTRANHA-SE, DEPOIS ENTRANHA-SE IV - A CAPITULAÇÃO
No editorial do Público, Eduardo Dâmaso surge rendido às "primeiras escolhas" de Lopes. Há mais por aí e mais haverá, obviamente. Santana, em mais uma manobra de puro efeito mediático (ontem não podia deixar o "palco" só ao pobre PS), pediu ao funâmbulo Sampaio que o recebesse. Agora que Santana é sampaísta e Sampaio santanista, tudo passa a ser possível. Entretanto continua a diluição da social-democracia no estranho caldo da coligação revista, corrigida e aumentada. Vou tentar perceber, nos próximos tempos, em que medida é que o "personalismo cristão", que dizem ter chegado às Finanças, vai contribuir para a minha felicidade. Discretamente o CDS/PP avança e o PSD capitula.
No editorial do Público, Eduardo Dâmaso surge rendido às "primeiras escolhas" de Lopes. Há mais por aí e mais haverá, obviamente. Santana, em mais uma manobra de puro efeito mediático (ontem não podia deixar o "palco" só ao pobre PS), pediu ao funâmbulo Sampaio que o recebesse. Agora que Santana é sampaísta e Sampaio santanista, tudo passa a ser possível. Entretanto continua a diluição da social-democracia no estranho caldo da coligação revista, corrigida e aumentada. Vou tentar perceber, nos próximos tempos, em que medida é que o "personalismo cristão", que dizem ter chegado às Finanças, vai contribuir para a minha felicidade. Discretamente o CDS/PP avança e o PSD capitula.
TORTURAS DA VIDA
Noite sim, noite sim, a SIC Notícias pôe os Srs. Mário Bettencourt Resendes e Luis Delgado a "comentar". Para a coisa não parecer escandalosa, alternam com António José Teixeira que é intelectualmente sério. Estou farto das pomposas opiniões do primeiro e do servilismo miserável do segundo. Faço a justiça de achar que Santana Lopes não lhes pediu nada, o que torna as suas prestações ainda mais ridículas. A eles, pois, este poema de António Botto, incluído na Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica organizada, no tempo da "outra senhora", por Natália Correia, que o justificava da seguinte maneira:
A um poeta medíocre que lhe mandou um folheto de versos, "Torturas da Vida", pedindo a sua opinião
No dia dois de Novembro
vi-o numa leitaria:
achei-lhe cara de membro...
de membro da Academia.
Se você procura assunto
para um futuro trabalho
não puxe pelo bestunto
nem torture mais a vida:
vá torturar o caralho.
Noite sim, noite sim, a SIC Notícias pôe os Srs. Mário Bettencourt Resendes e Luis Delgado a "comentar". Para a coisa não parecer escandalosa, alternam com António José Teixeira que é intelectualmente sério. Estou farto das pomposas opiniões do primeiro e do servilismo miserável do segundo. Faço a justiça de achar que Santana Lopes não lhes pediu nada, o que torna as suas prestações ainda mais ridículas. A eles, pois, este poema de António Botto, incluído na Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica organizada, no tempo da "outra senhora", por Natália Correia, que o justificava da seguinte maneira:
A um poeta medíocre que lhe mandou um folheto de versos, "Torturas da Vida", pedindo a sua opinião
No dia dois de Novembro
vi-o numa leitaria:
achei-lhe cara de membro...
de membro da Academia.
Se você procura assunto
para um futuro trabalho
não puxe pelo bestunto
nem torture mais a vida:
vá torturar o caralho.
14.7.04
"VIVE LA FRANCE"
Ainda não passou uma semana sobre a decisão irresponsável de Sampaio, e já se pode assistir ao "novo ciclo de estabilidade" que nos anunciou. Do lado da coligação Santana & Portas, a luxúria dos pequenos patos bravos que viram chegada a sua hora, anda a minar a "elegância" com que Santana pretendia conduzir as coisas. Por outro lado, admito que algumas das poucas formas de vida inteligente que sobraram, apresentem alguma resistência em colaborar. Finalmente, os "barões" do defunto barrosismo, como Sarmento, vendem naturalmente caro as suas "posições". Para consolo e sossego próprios e dos "interesses", Arnaut, entretanto, já terá garantido as Obras Públicas. No PS, o cenário não é melhor. Em vez de se ter apresentado rapidamente ao país com perspectivas de uma liderança forte, determinada e ambiciosa, o PS primeiro espremeu-se pelo seu eterno Sebastião de Bruxelas, o tal que afinal é mais desistente do que resistente, e agora anuncia uma pequena multidão de candidatos a líder, como se estivesse tranquilamente no concurso das "construções na areia" do Diário de Notícias. Este clima malsão de inanidade geral, sob o olhar "vigilante" de um PR inexistente, faz-me ter pena do país. Como hoje se comemora o "14 de Julho", o melhor mesmo é gritar, sem ambiguidades, "Vive la France".
Ainda não passou uma semana sobre a decisão irresponsável de Sampaio, e já se pode assistir ao "novo ciclo de estabilidade" que nos anunciou. Do lado da coligação Santana & Portas, a luxúria dos pequenos patos bravos que viram chegada a sua hora, anda a minar a "elegância" com que Santana pretendia conduzir as coisas. Por outro lado, admito que algumas das poucas formas de vida inteligente que sobraram, apresentem alguma resistência em colaborar. Finalmente, os "barões" do defunto barrosismo, como Sarmento, vendem naturalmente caro as suas "posições". Para consolo e sossego próprios e dos "interesses", Arnaut, entretanto, já terá garantido as Obras Públicas. No PS, o cenário não é melhor. Em vez de se ter apresentado rapidamente ao país com perspectivas de uma liderança forte, determinada e ambiciosa, o PS primeiro espremeu-se pelo seu eterno Sebastião de Bruxelas, o tal que afinal é mais desistente do que resistente, e agora anuncia uma pequena multidão de candidatos a líder, como se estivesse tranquilamente no concurso das "construções na areia" do Diário de Notícias. Este clima malsão de inanidade geral, sob o olhar "vigilante" de um PR inexistente, faz-me ter pena do país. Como hoje se comemora o "14 de Julho", o melhor mesmo é gritar, sem ambiguidades, "Vive la France".
PÁTRIA...
de Sophia de Mello Breyner Andresen
Por um país de pedra e vento duro
Por um país de luz perfeita e clara
Pelo negro da terra e pelo branco do muro
Pelos rostos de silêncio e de paciência
Que a miséria longamente desenhou
Rente aos ossos com toda a exactidão
Do longo relatório irrecusável
E pelos rostos iguais ao sol e ao vento
E pela limpidez das tão amadas
Palavras sempre ditas com paixão
Pela cor e pelo peso das palavras
Pelo concreto silêncio limpo das palavras
Donde se erguem as coisas nomeadas
Pela nudez das palavras deslumbradas
- Pedra rio vento casa
Pranto dia canto alento
Espaço raiz e água
Ó minha pátria e meu centro
Me dói a lua me soluça o mar
E o exílio se inscreve em pleno tempo.
de Sophia de Mello Breyner Andresen
Por um país de pedra e vento duro
Por um país de luz perfeita e clara
Pelo negro da terra e pelo branco do muro
Pelos rostos de silêncio e de paciência
Que a miséria longamente desenhou
Rente aos ossos com toda a exactidão
Do longo relatório irrecusável
E pelos rostos iguais ao sol e ao vento
E pela limpidez das tão amadas
Palavras sempre ditas com paixão
Pela cor e pelo peso das palavras
Pelo concreto silêncio limpo das palavras
Donde se erguem as coisas nomeadas
Pela nudez das palavras deslumbradas
- Pedra rio vento casa
Pranto dia canto alento
Espaço raiz e água
Ó minha pátria e meu centro
Me dói a lua me soluça o mar
E o exílio se inscreve em pleno tempo.
13.7.04
FADO VITORINO
1. Parece bem "bater" em Ferro Rodrigues. Com a habitual má-fé, os "seus", os outros e os abutres de circunstância, que andavam há pelo menos ano e meio doidos por o ver pelas costas, apareceram agora muito irritados com a sua saída. Não, naturalmente, por ele ter saído, coisa que muito penhoradamente agradecem. Estão apenas frustrados por ter sido ele a decidir que saía. Durante dois estafados anos, Ferro, um homem sério que não tem manifestamente talento político, aguentou de tudo. Deserta num momento grave para o seu partido e para o país. Até nesta decisão, na parte em que ela não é meramente "pessoal", foi infeliz. Ao contrário do que pensa, dificilmente regressará.
2. Com a saída de Ferro, desaparece o seu "petit comité" partidário, a saber, o certamente respeitável mas inócuo porta-voz, Vieira da Silva, e esse tornado generoso, porém politicamente nulo, que se chama Ana Gomes. Contra eles, é certo, subsistem perigosas luminárias de província como o Sr. Lello, sempre pronto para uma graça e não mais do que isso.
3. O PS tem pela frente a sua hora. Não pode perder o que ganhou há um mês por causa de questões de capoeira. Sem abjurar o seu património, o PS deve escolher uma liderança que "fale" ao eleitorado moderado, "centrista" e abstencionista que não perdoa a deserção de Barroso, não aceita a aventura Santana Lopes e não se interessa por bravatas ideológicas. A ambição do PS deve ser "federar" o "centro-esquerda" - se é que isto existe - e defender os princípios republicanos no exercício do poder político contra a tentação populista simplificadora, amavelmente subscrita pelo Dr. Sampaio.
4. António Vitorino, apesar das suas inegáveis qualidades e múltiplos talentos, anda fora disto há uns anos. Para além disso, quando e se regressar, carrega no pêlo duas derrotas significativas. Foi "falado" para secretário-geral da NATO, porém o Sr. Rumsfeld, numa rápida descida à Europa, desfez o murmúrio entre dois cafés. Alimentou nos corredores a hipótese da presidência da Comissão Europeia e o Dr. Barroso, que até o levou ao colo durante uns magros dias, acabou por o presentear com uma sublime humilhação. É humano que o partido suspire por ele. Contudo, não tenho a certeza de que o país também suspire. Decida ele o que decidir, daria sempre o ar de que vinha "obrigado" e sem grande determinação. Ora isso é coisa de que o PS menos precisa agora.
5. Restam os que já cá estão. As coisas são o que são. O combate ideológico puro e duro cedeu terreno à contingência. Não há lideranças ideais, existem lideranças possíveis. E o PS, atordoado, já perdeu demasiado tempo para Santana Lopes. João Soares, apesar da sua generosidade militante, não tem "tropas" e não tem "generais". É penhor de uma vaga ideia de "esquerda", muito pouco "pragmática". O Dr. Lamego, que eu conheço desde os tempos do primeiro MASP, sendo "politicamente correcto", apenas pode contribuir para o debate "teórico". António Costa, um político consistente e talentoso, escolheu Bruxelas. Carrilho deve resguardar-se para Lisboa. E Jaime Gama continua a bocejar. Chegamos, assim, ao "terreno". É lá que estão Jorge Coelho e José Sócrates, "letra e música" de um mesmo "fado".
1. Parece bem "bater" em Ferro Rodrigues. Com a habitual má-fé, os "seus", os outros e os abutres de circunstância, que andavam há pelo menos ano e meio doidos por o ver pelas costas, apareceram agora muito irritados com a sua saída. Não, naturalmente, por ele ter saído, coisa que muito penhoradamente agradecem. Estão apenas frustrados por ter sido ele a decidir que saía. Durante dois estafados anos, Ferro, um homem sério que não tem manifestamente talento político, aguentou de tudo. Deserta num momento grave para o seu partido e para o país. Até nesta decisão, na parte em que ela não é meramente "pessoal", foi infeliz. Ao contrário do que pensa, dificilmente regressará.
2. Com a saída de Ferro, desaparece o seu "petit comité" partidário, a saber, o certamente respeitável mas inócuo porta-voz, Vieira da Silva, e esse tornado generoso, porém politicamente nulo, que se chama Ana Gomes. Contra eles, é certo, subsistem perigosas luminárias de província como o Sr. Lello, sempre pronto para uma graça e não mais do que isso.
3. O PS tem pela frente a sua hora. Não pode perder o que ganhou há um mês por causa de questões de capoeira. Sem abjurar o seu património, o PS deve escolher uma liderança que "fale" ao eleitorado moderado, "centrista" e abstencionista que não perdoa a deserção de Barroso, não aceita a aventura Santana Lopes e não se interessa por bravatas ideológicas. A ambição do PS deve ser "federar" o "centro-esquerda" - se é que isto existe - e defender os princípios republicanos no exercício do poder político contra a tentação populista simplificadora, amavelmente subscrita pelo Dr. Sampaio.
4. António Vitorino, apesar das suas inegáveis qualidades e múltiplos talentos, anda fora disto há uns anos. Para além disso, quando e se regressar, carrega no pêlo duas derrotas significativas. Foi "falado" para secretário-geral da NATO, porém o Sr. Rumsfeld, numa rápida descida à Europa, desfez o murmúrio entre dois cafés. Alimentou nos corredores a hipótese da presidência da Comissão Europeia e o Dr. Barroso, que até o levou ao colo durante uns magros dias, acabou por o presentear com uma sublime humilhação. É humano que o partido suspire por ele. Contudo, não tenho a certeza de que o país também suspire. Decida ele o que decidir, daria sempre o ar de que vinha "obrigado" e sem grande determinação. Ora isso é coisa de que o PS menos precisa agora.
5. Restam os que já cá estão. As coisas são o que são. O combate ideológico puro e duro cedeu terreno à contingência. Não há lideranças ideais, existem lideranças possíveis. E o PS, atordoado, já perdeu demasiado tempo para Santana Lopes. João Soares, apesar da sua generosidade militante, não tem "tropas" e não tem "generais". É penhor de uma vaga ideia de "esquerda", muito pouco "pragmática". O Dr. Lamego, que eu conheço desde os tempos do primeiro MASP, sendo "politicamente correcto", apenas pode contribuir para o debate "teórico". António Costa, um político consistente e talentoso, escolheu Bruxelas. Carrilho deve resguardar-se para Lisboa. E Jaime Gama continua a bocejar. Chegamos, assim, ao "terreno". É lá que estão Jorge Coelho e José Sócrates, "letra e música" de um mesmo "fado".
12.7.04
PRIMEIRO ESTRANHA-SE, DEPOIS ENTRANHA-SE III
As associações patronais e empresariais, do norte e do sul, entidades que muito impressionam o Dr. Sampaio, com a notável excepção do Eng.º Van Zeller, andam babadas de gozo com o novo chefe do governo. O seu pacovismo militante comoveu-se ainda mais com a tirada de Santana sobre a "descentralização". Alguns já começaram a sonhar com um poder com vistas para o Douro. Os jornais e os "comentadores" também "engoliram", à pressa, a "promessa". Vamos ver como reagem quando a tiverem que vomitar.
P.S: A propos, a ler no Almocreve um excelente comentário sobre este primeiro "coelho" saído da cartola de PSL.
As associações patronais e empresariais, do norte e do sul, entidades que muito impressionam o Dr. Sampaio, com a notável excepção do Eng.º Van Zeller, andam babadas de gozo com o novo chefe do governo. O seu pacovismo militante comoveu-se ainda mais com a tirada de Santana sobre a "descentralização". Alguns já começaram a sonhar com um poder com vistas para o Douro. Os jornais e os "comentadores" também "engoliram", à pressa, a "promessa". Vamos ver como reagem quando a tiverem que vomitar.
P.S: A propos, a ler no Almocreve um excelente comentário sobre este primeiro "coelho" saído da cartola de PSL.
PRIMEIRO ESTRANHA-SE, DEPOIS ENTRANHA-SE II
Eu avisei. O insuspeito Eduardo Lourenço já disse ao jornal Público, a propósito do novo primeiro-ministro, que "pode ser que ele [Santana Lopes] se manifeste mais sábio do que aquilo que a esquerda está a ler", defendendo que se deve dar o "benefício da dúvida", porque Santana tanto "pode ser uma surpresa", como "pode confirmar as más opiniões". Eu bem avisei...
Eu avisei. O insuspeito Eduardo Lourenço já disse ao jornal Público, a propósito do novo primeiro-ministro, que "pode ser que ele [Santana Lopes] se manifeste mais sábio do que aquilo que a esquerda está a ler", defendendo que se deve dar o "benefício da dúvida", porque Santana tanto "pode ser uma surpresa", como "pode confirmar as más opiniões". Eu bem avisei...
O CONFIRMADO
O Abrupto/JPP já disse o essencial (ver post Começou). Ainda antes de falar com o seu ajudante-de-campo em Belém, outra criatura "profunda", mas de outra maneira, Santana Lopes esteve na SIC a "desenvolver" o seu "pensamento". Cada frase terminava com o "se for confirmado pelo Sr. PR" como primeiro-ministro, como se o pobre contasse ou ele tivesse a mínima intenção de contar com ele. Acontece que, a cada frase, se percebia que Santana Lopes faz tanto ideia do que o espera como chefe do Governo como eu. Percebeu-se, isso sim, qual é o "registo". No seu inconfundível estilo "light", Lopes prometeu alguns "flashes". Um ministério perto das hortas, uma secretaria de Estado junto a banhistas e todos unidos a ele pela "realidade virtual". Lopes está fascinado pelo "e-government" e pela ideia de poder mandar em vídeo-conferência. Pelo sim, pelo não, já aspira por mais ministros, logo, por mais sinecuras. A "imagem"- já se sabia -, é, pois, a grande preocupação do "novo timoneiro". Ele confirmou-o e está "confirmado".
O Abrupto/JPP já disse o essencial (ver post Começou). Ainda antes de falar com o seu ajudante-de-campo em Belém, outra criatura "profunda", mas de outra maneira, Santana Lopes esteve na SIC a "desenvolver" o seu "pensamento". Cada frase terminava com o "se for confirmado pelo Sr. PR" como primeiro-ministro, como se o pobre contasse ou ele tivesse a mínima intenção de contar com ele. Acontece que, a cada frase, se percebia que Santana Lopes faz tanto ideia do que o espera como chefe do Governo como eu. Percebeu-se, isso sim, qual é o "registo". No seu inconfundível estilo "light", Lopes prometeu alguns "flashes". Um ministério perto das hortas, uma secretaria de Estado junto a banhistas e todos unidos a ele pela "realidade virtual". Lopes está fascinado pelo "e-government" e pela ideia de poder mandar em vídeo-conferência. Pelo sim, pelo não, já aspira por mais ministros, logo, por mais sinecuras. A "imagem"- já se sabia -, é, pois, a grande preocupação do "novo timoneiro". Ele confirmou-o e está "confirmado".
A MORAL DA HISTÓRIA
We cannot revive old factions
We cannot restore old policies
Or follow an antique drum.
These men, and those who opposed them
And those whom they opposed
Accept the constitution of silence
And are folded in a single party.
Whatever we inherit from the fortunate
We have taken from the defeated
What they had to leave us—a symbol:
A symbol perfected in death.
And all shall be well and
All manner of thing shall be well
By the purification of the motive
In the ground of our beseeching.
(T.S.Eliot, Little Gidding, IV, Four Quartets)
We cannot revive old factions
We cannot restore old policies
Or follow an antique drum.
These men, and those who opposed them
And those whom they opposed
Accept the constitution of silence
And are folded in a single party.
Whatever we inherit from the fortunate
We have taken from the defeated
What they had to leave us—a symbol:
A symbol perfected in death.
And all shall be well and
All manner of thing shall be well
By the purification of the motive
In the ground of our beseeching.
(T.S.Eliot, Little Gidding, IV, Four Quartets)
11.7.04
PRIMEIRO ESTRANHA-SE, DEPOIS ENTRANHA-SE
Sob o Alto Patrocínio do Senhor Presidente da República, que acumula generosamente as funções de ajudante-de-campo do Dr. Santana Lopes, começa agora a ser formado o novo governo. Contrariamente ao que muitos podem pensar, eu creio que por lá irão aparecer nomes insuspeitos e, até, "credíveis", uma palavra muito apreciada em Belém. O lado afrodisíaco do poder, num país de dependentes e de bananas, é uma atracção fatal. Vamos, aliás, assistir a grandes números de circo, com piruetas e contorcionismos já anunciados. Em pouco tempo, Lopes será consagrado como o novo génio pátrio, e não se fala mais nisso. De políticos a comentadores, de directores-gerais a empresários, da "cultura" ao merceeiro da esquina, todos vão ruminar que afinal "o rapaz não é tão mau como o pintam". É próprio desta nossa raça intelectualmente estéril e um tema abundantemente abordado, entre outros, pela Bíblia, pelos grandes clássicos e por dramaturgos vários. De fora, como de costume, ficará uma meia dúzia de doidos anti-patriotas a berrar no Restelo. Entre nós, é mesmo assim: primeiro estranha-se, depois entranha-se.
Sob o Alto Patrocínio do Senhor Presidente da República, que acumula generosamente as funções de ajudante-de-campo do Dr. Santana Lopes, começa agora a ser formado o novo governo. Contrariamente ao que muitos podem pensar, eu creio que por lá irão aparecer nomes insuspeitos e, até, "credíveis", uma palavra muito apreciada em Belém. O lado afrodisíaco do poder, num país de dependentes e de bananas, é uma atracção fatal. Vamos, aliás, assistir a grandes números de circo, com piruetas e contorcionismos já anunciados. Em pouco tempo, Lopes será consagrado como o novo génio pátrio, e não se fala mais nisso. De políticos a comentadores, de directores-gerais a empresários, da "cultura" ao merceeiro da esquina, todos vão ruminar que afinal "o rapaz não é tão mau como o pintam". É próprio desta nossa raça intelectualmente estéril e um tema abundantemente abordado, entre outros, pela Bíblia, pelos grandes clássicos e por dramaturgos vários. De fora, como de costume, ficará uma meia dúzia de doidos anti-patriotas a berrar no Restelo. Entre nós, é mesmo assim: primeiro estranha-se, depois entranha-se.
10.7.04
SAMPAIO OU O TRIUNFO DA INSIGNIFICÂNCIA
Há políticos que se agigantam com as dificuldades e as crises. Os "grandes políticos" distinguem-se pela oportunidade solitária dos seus gestos, pela determinação com que ultrapassam os obstáculos e pela convicção que depositam no seu verbo e na sua acção. Em democracia, esses homens "crescem" normalmente dos partidos para o País. Foi assim com Mário Soares, entre nós, ou com Mitterrand ou Kohl, na França e na Alemanha. São homens, como dizia Mitterrand, que acreditavam nos grandes gestos simbólicos. A política, para além de representar a tentativa permanente e contraditória da solução dos problemas de pessoas concretas que vivem em sociedade, também é um acto humano carregado de significado, ou não. Esgueirando-se por entre a chuva, aproveitando as brechas deixadas ou criadas por outros, Jorge Sampaio afirmou-se na política nacional mais como um "cidadão vulgar" com sorte do que propriamente como um homem capaz de grandes rasgos e de rupturas indispensáveis. Ao contrário dos "grandes políticos", Sampaio prefere o anonimato, a linearidade e a insignificância. Só se sente verdadeiramente ele próprio quando se diminui e se apouca amavelmente perante as "circunstâncias ocorrentes". À visão larga das coisas, prefere sempre o temor reverencial da forma. Quando um dia se fizer a crónica do seu mandato presidencial, ontem terminado, não se saberá que história haverá para contar.
Há políticos que se agigantam com as dificuldades e as crises. Os "grandes políticos" distinguem-se pela oportunidade solitária dos seus gestos, pela determinação com que ultrapassam os obstáculos e pela convicção que depositam no seu verbo e na sua acção. Em democracia, esses homens "crescem" normalmente dos partidos para o País. Foi assim com Mário Soares, entre nós, ou com Mitterrand ou Kohl, na França e na Alemanha. São homens, como dizia Mitterrand, que acreditavam nos grandes gestos simbólicos. A política, para além de representar a tentativa permanente e contraditória da solução dos problemas de pessoas concretas que vivem em sociedade, também é um acto humano carregado de significado, ou não. Esgueirando-se por entre a chuva, aproveitando as brechas deixadas ou criadas por outros, Jorge Sampaio afirmou-se na política nacional mais como um "cidadão vulgar" com sorte do que propriamente como um homem capaz de grandes rasgos e de rupturas indispensáveis. Ao contrário dos "grandes políticos", Sampaio prefere o anonimato, a linearidade e a insignificância. Só se sente verdadeiramente ele próprio quando se diminui e se apouca amavelmente perante as "circunstâncias ocorrentes". À visão larga das coisas, prefere sempre o temor reverencial da forma. Quando um dia se fizer a crónica do seu mandato presidencial, ontem terminado, não se saberá que história haverá para contar.
9.7.04
TRAIÇÕES, RATOS E HOMENS
1. Sua Excelência o Presidente da República encerrou esta noite, com uma oratária particularmente medíocre, o ciclo de traições iniciado há duas semanas por Durão Barroso. Tal como Barroso traíu o seu eleitorado de 2002, tal como Santana Lopes vai traír os seus eleitores em Lisboa, Jorge Sampaio, o novo vice primeiro-ministro de Santana, acabou da pior maneira o seu mandato presidencial, antecipando dois anos ao calendário efectivo de sucessão, e fazendo tábua-rasa da sua própria memória política e do seu eleitorado "natural". Sampaio -disse-o- mostrou-se solidário com estes dois anos de extraordinária governação e aconselhou Santana a prosseguir no "bom caminho". Ele, atenção, vai estar vigilante e acompanhará de perto o seu novo governo, um governo de iniciativa presidencial. Uma ilusão pueril que Santana se encarregará rapidamente de desfazer, uma vez que é ele quem efectivamente "vigia". Sampaio obviamente não conta. Para "eles", limitou-se a cumprir a sua pobre obrigação.
2. Sampaio, depois disto, tem naturalmente novos amigos e passa a estar muito bem acompanhado. João Jardim já falou em acto "patriótico". Santana, Menezes, Portas, Marco António, Telmo, Pires de Lima e outros têm motivos para se orgulharem e se reverem neste seu inesperado legitimador. Santana já tem a sua maioria, o seu governo e o seu presidente. Melhor é impossível.
3. Ironicamente passa hoje um mês sobre o desaparecimento de Sousa Franco. Na sua última entrevista, disse que as eleições europeias seriam o princípio do fim do governo. O eleitorado deu-lhe razão póstuma a 13 de Junho. A decisão de Sampaio é, pois, como que uma segunda morte de Sousa Franco. Como ele gostava de lembrar, quem teme as tempestades, acaba a rastejar.
4. Neste blogue houve momentos em que não fui particularmente amável para com Ferro Rodrigues. Por isso estou tranquilo em reconhecer que, como homem e como político, Ferro aguentou, para além de limites do suportável, as maiores ignomínias. Delicadamente, o seu amigo Sampaio "tirou-lhe o tapete" e deu-lhe a "estocada final". Ferro, com o seu gesto humano, demasiado humano, mostrou a diferença entre ratos e homens.
1. Sua Excelência o Presidente da República encerrou esta noite, com uma oratária particularmente medíocre, o ciclo de traições iniciado há duas semanas por Durão Barroso. Tal como Barroso traíu o seu eleitorado de 2002, tal como Santana Lopes vai traír os seus eleitores em Lisboa, Jorge Sampaio, o novo vice primeiro-ministro de Santana, acabou da pior maneira o seu mandato presidencial, antecipando dois anos ao calendário efectivo de sucessão, e fazendo tábua-rasa da sua própria memória política e do seu eleitorado "natural". Sampaio -disse-o- mostrou-se solidário com estes dois anos de extraordinária governação e aconselhou Santana a prosseguir no "bom caminho". Ele, atenção, vai estar vigilante e acompanhará de perto o seu novo governo, um governo de iniciativa presidencial. Uma ilusão pueril que Santana se encarregará rapidamente de desfazer, uma vez que é ele quem efectivamente "vigia". Sampaio obviamente não conta. Para "eles", limitou-se a cumprir a sua pobre obrigação.
2. Sampaio, depois disto, tem naturalmente novos amigos e passa a estar muito bem acompanhado. João Jardim já falou em acto "patriótico". Santana, Menezes, Portas, Marco António, Telmo, Pires de Lima e outros têm motivos para se orgulharem e se reverem neste seu inesperado legitimador. Santana já tem a sua maioria, o seu governo e o seu presidente. Melhor é impossível.
3. Ironicamente passa hoje um mês sobre o desaparecimento de Sousa Franco. Na sua última entrevista, disse que as eleições europeias seriam o princípio do fim do governo. O eleitorado deu-lhe razão póstuma a 13 de Junho. A decisão de Sampaio é, pois, como que uma segunda morte de Sousa Franco. Como ele gostava de lembrar, quem teme as tempestades, acaba a rastejar.
4. Neste blogue houve momentos em que não fui particularmente amável para com Ferro Rodrigues. Por isso estou tranquilo em reconhecer que, como homem e como político, Ferro aguentou, para além de limites do suportável, as maiores ignomínias. Delicadamente, o seu amigo Sampaio "tirou-lhe o tapete" e deu-lhe a "estocada final". Ferro, com o seu gesto humano, demasiado humano, mostrou a diferença entre ratos e homens.
A DECISÃO
...vista por VASCO PULIDO VALENTE na edição de 9 de Julho do Diário de Notícias
Sampaio
Com Mário Soares nada disto se teria passado. Mário Soares não teria dito ao dr. Barroso, quando ele se quis «pisgar» para Bruxelas, que a Presidência da Comissão era tão «honrosa» que valia as responsabilidades de primeiro-ministro de Portugal. O dr. Soares não teria deixado a menor dúvida, antes de o caso vir a público, sobre se iria ou não iria dissolver a Assembleia. E, devidamente prevenido e esclarecido, o dr. Barroso resolveria então como entendesse sem qualquer equívoco ou qualquer desculpa. Sampaio, esse, não compreendeu ou não conseguiu fazer o seu papel. Desde o princípio que tornou ambíguo um caso simples. Não decidiu claramente o que vinha primeiro: se a «honra» de Bruxelas, se a estabilidade interna do País. Por um lado, achava a «honra» importantíssima, como mais tarde confessou numa conversa casual com a televisão. Por outro lado, não mediu a gravidade da crise que se arriscava a abrir, se Barroso saísse, e não pensou sequer na maneira de a anular ou limitar. Resultado: convenceu Barroso de que, mesmo se fugisse, a coligação continuava; e ele próprio foi surpreendido pela enorme hostilidade a um Governo, combinado à pressa pelos maiorais do CDS e do PSD, que ninguém elegera e muita gente execrava. Aqui, Sampaio apanhou um susto, porque de repente percebeu que a ele, e só a ele, competia escolher entre Santana e eleições. Escolher não é o forte de Sampaio. Para evitar o inevitável, ouviu uma longa série de «notáveis», manifestamente abstrusa, e convocou o Conselho de Estado. Quando chegar ao fim está no princípio. E, entretanto, sem como de costume perceber, aumentou as suspeitas sobre a conveniência e a legitimidade das duas soluções. Se ele duvidou tanto, tanto tempo, o que será connosco? Quando Sampaio tenta desatar um nó, o nó acaba sempre atado com mais força. Agora, já não escapa a dividir o País, como já não sucedia há quase vinte e cinco anos. Triste Presidente.
PS: Toda a gente anda a dizer hipocritamente que "respeita" a decisão de Sampaio, seja ela qual for. Acontece que se trata de uma decisão que não é indiferente. Nem tem que ser necessariamente respeitável. Qualquer que ela seja, fará toda a diferença, para ele e para nós, daqui para a frente.
...vista por VASCO PULIDO VALENTE na edição de 9 de Julho do Diário de Notícias
Sampaio
Com Mário Soares nada disto se teria passado. Mário Soares não teria dito ao dr. Barroso, quando ele se quis «pisgar» para Bruxelas, que a Presidência da Comissão era tão «honrosa» que valia as responsabilidades de primeiro-ministro de Portugal. O dr. Soares não teria deixado a menor dúvida, antes de o caso vir a público, sobre se iria ou não iria dissolver a Assembleia. E, devidamente prevenido e esclarecido, o dr. Barroso resolveria então como entendesse sem qualquer equívoco ou qualquer desculpa. Sampaio, esse, não compreendeu ou não conseguiu fazer o seu papel. Desde o princípio que tornou ambíguo um caso simples. Não decidiu claramente o que vinha primeiro: se a «honra» de Bruxelas, se a estabilidade interna do País. Por um lado, achava a «honra» importantíssima, como mais tarde confessou numa conversa casual com a televisão. Por outro lado, não mediu a gravidade da crise que se arriscava a abrir, se Barroso saísse, e não pensou sequer na maneira de a anular ou limitar. Resultado: convenceu Barroso de que, mesmo se fugisse, a coligação continuava; e ele próprio foi surpreendido pela enorme hostilidade a um Governo, combinado à pressa pelos maiorais do CDS e do PSD, que ninguém elegera e muita gente execrava. Aqui, Sampaio apanhou um susto, porque de repente percebeu que a ele, e só a ele, competia escolher entre Santana e eleições. Escolher não é o forte de Sampaio. Para evitar o inevitável, ouviu uma longa série de «notáveis», manifestamente abstrusa, e convocou o Conselho de Estado. Quando chegar ao fim está no princípio. E, entretanto, sem como de costume perceber, aumentou as suspeitas sobre a conveniência e a legitimidade das duas soluções. Se ele duvidou tanto, tanto tempo, o que será connosco? Quando Sampaio tenta desatar um nó, o nó acaba sempre atado com mais força. Agora, já não escapa a dividir o País, como já não sucedia há quase vinte e cinco anos. Triste Presidente.
PS: Toda a gente anda a dizer hipocritamente que "respeita" a decisão de Sampaio, seja ela qual for. Acontece que se trata de uma decisão que não é indiferente. Nem tem que ser necessariamente respeitável. Qualquer que ela seja, fará toda a diferença, para ele e para nós, daqui para a frente.
8.7.04
O TERCEIRO PILAR
No momento em que escrevo, é imprevísivel a decisão de Jorge Sampaio. No Parlamento, ouvi o meu caro Medeiros Ferreira, um homem sagaz, dizer duas coisas que devem ser ponderadas. A primeira, é a constatação de que à maioria aritmética dos Drs. Telmo Correia e Guilherme Silva, não corresponderá actualmente uma maioria política no país. A outra, que decorre da anterior, esclarece que, até Outubro de 2005, haverá inevitavelmente sufrágio antecipado. Tal como Medeiros Ferreira, eu não estou certo de que Sampaio convoque eleições antecipadas já. Desde o primeiro post que aqui plantei sobre este problema, criado pelo abandono de Barroso, mantive sempre as maiores reservas que o Chefe de Estado optasse por esta hipótese. Para além disso, a fórmula seguida pelo Presidente para perceber qual seria a melhor fórmula para saír deste inesperado nó górdio, acabou por denunciar o ambíguo propósito. Numa espécie de "eanismo" serôdio, Sampaio, escudando-se sempre no seu excessivo juridicismo, viu, ouviu e leu de tudo e o seu contrário. Desde o primeiro instante que era clarissimo que só uma decisão política solidamente fundamentada, devolvendo a palavra ao eleitor, poderia ser a resposta "óbvia" à crise. A legitimidade política do órgão unipessoal que é o Presidente da República, eleito por sufrágio universal, serve exactamente para isso, para tomar uma "decisão política". Se Sampaio entender, porém, que a sua legitimidade deve ser usada, antes, para colmatar a legitimidade que falta a outros, então preparemo-nos para mais do mesmo, e em pior. Neste caso, Sampaio será, no novo governo Santana/Portas, o terceiro pilar.
No momento em que escrevo, é imprevísivel a decisão de Jorge Sampaio. No Parlamento, ouvi o meu caro Medeiros Ferreira, um homem sagaz, dizer duas coisas que devem ser ponderadas. A primeira, é a constatação de que à maioria aritmética dos Drs. Telmo Correia e Guilherme Silva, não corresponderá actualmente uma maioria política no país. A outra, que decorre da anterior, esclarece que, até Outubro de 2005, haverá inevitavelmente sufrágio antecipado. Tal como Medeiros Ferreira, eu não estou certo de que Sampaio convoque eleições antecipadas já. Desde o primeiro post que aqui plantei sobre este problema, criado pelo abandono de Barroso, mantive sempre as maiores reservas que o Chefe de Estado optasse por esta hipótese. Para além disso, a fórmula seguida pelo Presidente para perceber qual seria a melhor fórmula para saír deste inesperado nó górdio, acabou por denunciar o ambíguo propósito. Numa espécie de "eanismo" serôdio, Sampaio, escudando-se sempre no seu excessivo juridicismo, viu, ouviu e leu de tudo e o seu contrário. Desde o primeiro instante que era clarissimo que só uma decisão política solidamente fundamentada, devolvendo a palavra ao eleitor, poderia ser a resposta "óbvia" à crise. A legitimidade política do órgão unipessoal que é o Presidente da República, eleito por sufrágio universal, serve exactamente para isso, para tomar uma "decisão política". Se Sampaio entender, porém, que a sua legitimidade deve ser usada, antes, para colmatar a legitimidade que falta a outros, então preparemo-nos para mais do mesmo, e em pior. Neste caso, Sampaio será, no novo governo Santana/Portas, o terceiro pilar.
7.7.04
UMA DUPLA E UM HOMEM
1. Santana Lopes deu uma entrevista em que, por diversas vezes, chamou à colação o "seu governo". Continuidade quanto baste, disse ele, de resto deve haver "refrescamento" dos rostos, com mais ministérios e mais "província" no governo. As "distritais" amigas espremeram-se de emoção. Esticou tanto a corda que, aos maçadores dossiês herdados, eu atrevo-me a sugerir que, na realidade, ele prefere eleições. A Câmara, essa, é que é já coisa do passado. Depois sentou-se com o Dr. Portas diante dos deputados da maioria que, inermes, escutaram o que ele lhes tinha a dizer. Basta, insinuou, que abanem a cabeça. Eles abanaram e aplaudiram. Estava dado o sinal de que há maioria, não fosse o Dr. Sampaio baralhar-se. O Dr. Portas e mais uns quantos populares jeitosos, apareceram em Belém ao Dr. Sampaio e, ainda lá dentro, repreenderam-no sumariamente. Em 48 horas apenas, a "dupla maravilha" anunciou ao que vem. Como dizia o Pacheco, depois não se queixem.
2. Não há cão nem gato que não tenha escrito qualquer coisa sobre o estado disto, ditado pela "fuga" de luxo de Barroso. Até eu não faço outra coisa há quase duas semanas. Com o devido respeito, um artigo da semana passada publicado no Público por Maria de Fátima Bonifácio, menos lida do que os do costume, resume, para mim, o essencial e antecipa, de forma clara, o que se está a passar. Dele respigo o trecho que se segue, sem mais comentários.
Santana é um homem simpático, um excelente "entertainer" e um bom comunicador com jeito para ganhar eleições. Fala sempre com o coração ao pé da boca e é mestre na manipulação das emoções. Nada o recomenda para primeiro-ministro, sobretudo quando já deu provas, na Câmara Municipal de Lisboa, de não ter competência para gerir "dossiers" complexos. Em dois anos, a sua prestação à frente da câmara tem sido marcada por diversos e comprometedores desaires que, apesar dos "outdoors" triunfalistas espalhados pela cidade, confirmam no público a impressão de que o homem não está à altura das suas responsabilidades. Há já alguns meses que começou a ter má imprensa. Também ele não vê por ora fim à vista para os sarilhos que criou ou lhe criaram: o Parque Mayer, o casino, Monsanto, a Feira Popular, o túnel do Marquês...É plausível duvidar da sua reeleição. Que melhor coisa lhe podia acontecer senão "ver-se obrigado" a largar a câmara e a "fazer o sacrifício" de ocupar a presidência do Governo? Eis, depois da de Barroso, mais uma coincidência feliz. As "musas" de Santana bem que o protegeram: também dele não se poderá dizer que fugiu.
Está de parabéns o CDS/PP. Primeiro, já poderá votar Cavaco à vontade no caso de o professor se candidatar. Depois, Santana é o homem ideal para olear a engrenagem da coligação, emperrada pelos últimos resultados eleitorais. Portas pode respirar de alívio; tão cedo não será atormentado pela perspectiva de ter de reincarnar o Paulinho que anda de feira em feira a beijocar as vendedeiras. Pode continuar a fazer de homem de Estado, empertigado nos seus fatos às riscas. O seu estatuto também aumenta na medida em que diminui a legitimidade do primeiro-ministro perante o partido e o país.
O país, esse, fica entregue a Portas e a Santana, um cenário que causa arrepios. Barroso, traíndo tudo e todos, parte sem honra nem glória.
3. Passei o final do dia no lançamento da biografia de Fernando Valle. Socialista, maçon, homem de liberdade, amigo leal, fraterno e solidário, Fernando Valle, na juventude dos seus 104 anos, faz com que estas criaturas que actualmente ocupam o vaudeville da política pátria, surjam resplandecentes na sua imensa pequenez vaidosa e oca.
1. Santana Lopes deu uma entrevista em que, por diversas vezes, chamou à colação o "seu governo". Continuidade quanto baste, disse ele, de resto deve haver "refrescamento" dos rostos, com mais ministérios e mais "província" no governo. As "distritais" amigas espremeram-se de emoção. Esticou tanto a corda que, aos maçadores dossiês herdados, eu atrevo-me a sugerir que, na realidade, ele prefere eleições. A Câmara, essa, é que é já coisa do passado. Depois sentou-se com o Dr. Portas diante dos deputados da maioria que, inermes, escutaram o que ele lhes tinha a dizer. Basta, insinuou, que abanem a cabeça. Eles abanaram e aplaudiram. Estava dado o sinal de que há maioria, não fosse o Dr. Sampaio baralhar-se. O Dr. Portas e mais uns quantos populares jeitosos, apareceram em Belém ao Dr. Sampaio e, ainda lá dentro, repreenderam-no sumariamente. Em 48 horas apenas, a "dupla maravilha" anunciou ao que vem. Como dizia o Pacheco, depois não se queixem.
2. Não há cão nem gato que não tenha escrito qualquer coisa sobre o estado disto, ditado pela "fuga" de luxo de Barroso. Até eu não faço outra coisa há quase duas semanas. Com o devido respeito, um artigo da semana passada publicado no Público por Maria de Fátima Bonifácio, menos lida do que os do costume, resume, para mim, o essencial e antecipa, de forma clara, o que se está a passar. Dele respigo o trecho que se segue, sem mais comentários.
Santana é um homem simpático, um excelente "entertainer" e um bom comunicador com jeito para ganhar eleições. Fala sempre com o coração ao pé da boca e é mestre na manipulação das emoções. Nada o recomenda para primeiro-ministro, sobretudo quando já deu provas, na Câmara Municipal de Lisboa, de não ter competência para gerir "dossiers" complexos. Em dois anos, a sua prestação à frente da câmara tem sido marcada por diversos e comprometedores desaires que, apesar dos "outdoors" triunfalistas espalhados pela cidade, confirmam no público a impressão de que o homem não está à altura das suas responsabilidades. Há já alguns meses que começou a ter má imprensa. Também ele não vê por ora fim à vista para os sarilhos que criou ou lhe criaram: o Parque Mayer, o casino, Monsanto, a Feira Popular, o túnel do Marquês...É plausível duvidar da sua reeleição. Que melhor coisa lhe podia acontecer senão "ver-se obrigado" a largar a câmara e a "fazer o sacrifício" de ocupar a presidência do Governo? Eis, depois da de Barroso, mais uma coincidência feliz. As "musas" de Santana bem que o protegeram: também dele não se poderá dizer que fugiu.
Está de parabéns o CDS/PP. Primeiro, já poderá votar Cavaco à vontade no caso de o professor se candidatar. Depois, Santana é o homem ideal para olear a engrenagem da coligação, emperrada pelos últimos resultados eleitorais. Portas pode respirar de alívio; tão cedo não será atormentado pela perspectiva de ter de reincarnar o Paulinho que anda de feira em feira a beijocar as vendedeiras. Pode continuar a fazer de homem de Estado, empertigado nos seus fatos às riscas. O seu estatuto também aumenta na medida em que diminui a legitimidade do primeiro-ministro perante o partido e o país.
O país, esse, fica entregue a Portas e a Santana, um cenário que causa arrepios. Barroso, traíndo tudo e todos, parte sem honra nem glória.
3. Passei o final do dia no lançamento da biografia de Fernando Valle. Socialista, maçon, homem de liberdade, amigo leal, fraterno e solidário, Fernando Valle, na juventude dos seus 104 anos, faz com que estas criaturas que actualmente ocupam o vaudeville da política pátria, surjam resplandecentes na sua imensa pequenez vaidosa e oca.
5.7.04
THE SHOW MUST GO ON
O Euro 2004, para Portugal, teve ontem o seu pathos. Apesar da convicção das multidões das bandeirinhas e dos cachecóis, a selecção do "desígnio nacional" confortou-se com um mais do que honroso segundo lugar. Até eu dou a mão à palmatória e saúdo a evidência destas boas últimas semanas. Importa agora, porém, assentar os pés no chão, por mais desagradável que seja o exercício. Ouço no rádio do carro as palavras de Durão Barroso em Belém, onde foi apresentar formalmente a sua demissão do cargo de primeiro-ministro. Pela enésima vez, Barroso disse estar convencido de que a estabilidade fica garantida através da soma parlamentar por ele gerada em 2002. Curiosamente sobreveio um lapsus linguae interessante. Barroso mencionou que "estava" convicto do tal desiderato, para logo a seguir emendar para "estou convicto". Esperemos que, desta vez, o Chefe de Estado tenha verdadeiramente demonstrado ao ainda primeiro-ministro que a resposta à situação por ele criada, depende em exclusivo do Presidente. Entretanto, os porta-estandartes do novo presidente do PSD vão deixando as suas falas por aqui e por ali. Felizmente são quase sempre os mesmos. Os srs. Henrique Chaves, a sul, e Marco António, a norte, inexcedíveis pelo particular brilho do seu verbo, têm sido os epígonos escolhidos pelo novo homem do leme. Eles são meramente uma ténue amostra do que podemos esperar. Contudo, é deles que vem o sinal de que o "verdadeiro artista" já está em palco. Acabado o futebol, the show must go on.
O Euro 2004, para Portugal, teve ontem o seu pathos. Apesar da convicção das multidões das bandeirinhas e dos cachecóis, a selecção do "desígnio nacional" confortou-se com um mais do que honroso segundo lugar. Até eu dou a mão à palmatória e saúdo a evidência destas boas últimas semanas. Importa agora, porém, assentar os pés no chão, por mais desagradável que seja o exercício. Ouço no rádio do carro as palavras de Durão Barroso em Belém, onde foi apresentar formalmente a sua demissão do cargo de primeiro-ministro. Pela enésima vez, Barroso disse estar convencido de que a estabilidade fica garantida através da soma parlamentar por ele gerada em 2002. Curiosamente sobreveio um lapsus linguae interessante. Barroso mencionou que "estava" convicto do tal desiderato, para logo a seguir emendar para "estou convicto". Esperemos que, desta vez, o Chefe de Estado tenha verdadeiramente demonstrado ao ainda primeiro-ministro que a resposta à situação por ele criada, depende em exclusivo do Presidente. Entretanto, os porta-estandartes do novo presidente do PSD vão deixando as suas falas por aqui e por ali. Felizmente são quase sempre os mesmos. Os srs. Henrique Chaves, a sul, e Marco António, a norte, inexcedíveis pelo particular brilho do seu verbo, têm sido os epígonos escolhidos pelo novo homem do leme. Eles são meramente uma ténue amostra do que podemos esperar. Contudo, é deles que vem o sinal de que o "verdadeiro artista" já está em palco. Acabado o futebol, the show must go on.
4.7.04
MARLON BRANDO
(1924-2004)
Estive até perto das quatro da manhã a rever O Padrinho. Na primeira cena, há alguém aflito que expõe a sua angústia a um personagem que não vemos. Progressivamente a câmara afasta-se do rosto do homem que fala e fixa-se numa mão que se apoia numa cabeça meticulosamente penteada que está de costas para nós. Antes da cabeça começar a falar, o que vemos desde logo são as "tiny delicate hands" de Marlon Brando, na expressão de Gore Vidal nas suas memórias. Segundo este, Brando, mesmo na sua derradeira versão enorme e deformada, mantinha alguns traços que faziam lembrar "his original self" e "his ten-year-old bad boy's grin". Podíamos traduzir isto pelo ar concupisciente e de "forte apelo sexual", como hoje se diz, que fez Brando compôr figuras tão inesquecíveis quanto fisicamente poderosas, como Marco António, em Júlio César, ou Stanley, em Um Eléctrico Chamado Desejo. Nada disto ia com o seu timbre "fino", algo tímido, transmitido por uma boca desejável de eterno adolescente. O que lhe sobrou em talento, faltou-lhe na sua vida pessoal, meio desastrosa. Numa biografia de Brando, é explorada a sua alegada bissexualidade e esse "wonderful lost world" do teatro e do cinema americanos de outras mais felizes eras. Vidal, acerca da primeira, diz que "alguém que possua uma dose razoável de energia sexual e de charme animal, tenderá sempre a experimentar tudo". "Quando era novo- acrescenta Vidal-, todos os dias ele tinha intimidades com uma rapariga diferente, de tal forma que mantinha duas "abortistas" de prevenção para acudirem aos resultados da sua actividade- "safe sex" não era coisa que preocupasse qualquer um de nós nesses dias". Brando, como Vidal, pertence a uma "lost era". A figura monstruosa dos últimos tempos não apaga a eterna sensualidade de um Stanley semi-nu, suado e brutal a gritar por uma Stella a caminho de se entregar, não a ele, mas a uma vaga e irremediável "kindness of strangers".
(1924-2004)
Estive até perto das quatro da manhã a rever O Padrinho. Na primeira cena, há alguém aflito que expõe a sua angústia a um personagem que não vemos. Progressivamente a câmara afasta-se do rosto do homem que fala e fixa-se numa mão que se apoia numa cabeça meticulosamente penteada que está de costas para nós. Antes da cabeça começar a falar, o que vemos desde logo são as "tiny delicate hands" de Marlon Brando, na expressão de Gore Vidal nas suas memórias. Segundo este, Brando, mesmo na sua derradeira versão enorme e deformada, mantinha alguns traços que faziam lembrar "his original self" e "his ten-year-old bad boy's grin". Podíamos traduzir isto pelo ar concupisciente e de "forte apelo sexual", como hoje se diz, que fez Brando compôr figuras tão inesquecíveis quanto fisicamente poderosas, como Marco António, em Júlio César, ou Stanley, em Um Eléctrico Chamado Desejo. Nada disto ia com o seu timbre "fino", algo tímido, transmitido por uma boca desejável de eterno adolescente. O que lhe sobrou em talento, faltou-lhe na sua vida pessoal, meio desastrosa. Numa biografia de Brando, é explorada a sua alegada bissexualidade e esse "wonderful lost world" do teatro e do cinema americanos de outras mais felizes eras. Vidal, acerca da primeira, diz que "alguém que possua uma dose razoável de energia sexual e de charme animal, tenderá sempre a experimentar tudo". "Quando era novo- acrescenta Vidal-, todos os dias ele tinha intimidades com uma rapariga diferente, de tal forma que mantinha duas "abortistas" de prevenção para acudirem aos resultados da sua actividade- "safe sex" não era coisa que preocupasse qualquer um de nós nesses dias". Brando, como Vidal, pertence a uma "lost era". A figura monstruosa dos últimos tempos não apaga a eterna sensualidade de um Stanley semi-nu, suado e brutal a gritar por uma Stella a caminho de se entregar, não a ele, mas a uma vaga e irremediável "kindness of strangers".
3.7.04
MITOLOGIAS
1. Alguns "empresários" fizeram constar, ou alguém por eles, que apoiavam Santana Lopes e que eram contra eleições. Os argumentos são conhecidos. A estabilidade, os sinais da retoma e o futuro da Pátria não aconselham soluções "políticas". Recomendam, acham eles, opções "tecnocráticas" geridas por políticos abertos aos "interesses" e que lhes garantam as maiores venturas privadas. A nebulosa "compromisso Portugal", das jovens promessas empresariais, também se pronunciou no mesmo sentido. Estas enfadantes criaturas não representam ninguém a não ser os seus próprios interesses. Sempre assim foi e sempre assim há-de ser. O sistema constitucional em vigor, do qual Sampaio é tão fiel e cioso guardião, determina a subordinação do poder económico ao poder político democrático, e não o contrário. As amáveis opiniões destes cavalheiros, que não lhes foram sequer solicitadas, não devem, por isso, impressionar.
2. Na mesma linha "informativa", foi posto a correr que Manuela Ferreira Leite tinha feito um mea culpa perante os noventa e tal servos dos Drs. Barroso e Santana Lopes. Simultaneamente foi sugerido que Cavaco Silva "apoiava", a bem da Nação, a hipótese Lopes. Quer uma, quer o outro, pessoas indiscutivelmente bem educadas e bem formadas, tiveram que vir a terreiro desmentir as "boas notícias". Não só Ferreira Leite votou contra Lopes, como mantém tudo o que pensa desta embrulhada e da traição final de Barroso. E Cavaco, que não costuma brincar em serviço, sem dizer muito, já disse praticamente tudo. As "centrais de intoxicação" começam lentamente a envenenar os seus próprios mentores (a este propósito ler o Abrupto).
3. Com a saída airosa de Barroso, acabou, para o PSD e para o País, um ciclo político. E acabou sem poder sequer vir a ser avaliado. Mesmo que a este governo sucedesse outro assente exclusivamente na mesma matemática parlamentar dos Srs. Telmo e Guilherme Silva, não deixava de ser "outra coisa". E daqui a dois anos, era essa "outra coisa" que ia a votos e não o-pelos vistos-"interregno barrosista". Isto significa que estamos perante um novo momento político que requer a única legitimação democrática possível, a do voto. No seu íntimo, Lopes, o instintivo emocional, também deve preferir isto à sua nada espectacular legitimidade administrativa.
1. Alguns "empresários" fizeram constar, ou alguém por eles, que apoiavam Santana Lopes e que eram contra eleições. Os argumentos são conhecidos. A estabilidade, os sinais da retoma e o futuro da Pátria não aconselham soluções "políticas". Recomendam, acham eles, opções "tecnocráticas" geridas por políticos abertos aos "interesses" e que lhes garantam as maiores venturas privadas. A nebulosa "compromisso Portugal", das jovens promessas empresariais, também se pronunciou no mesmo sentido. Estas enfadantes criaturas não representam ninguém a não ser os seus próprios interesses. Sempre assim foi e sempre assim há-de ser. O sistema constitucional em vigor, do qual Sampaio é tão fiel e cioso guardião, determina a subordinação do poder económico ao poder político democrático, e não o contrário. As amáveis opiniões destes cavalheiros, que não lhes foram sequer solicitadas, não devem, por isso, impressionar.
2. Na mesma linha "informativa", foi posto a correr que Manuela Ferreira Leite tinha feito um mea culpa perante os noventa e tal servos dos Drs. Barroso e Santana Lopes. Simultaneamente foi sugerido que Cavaco Silva "apoiava", a bem da Nação, a hipótese Lopes. Quer uma, quer o outro, pessoas indiscutivelmente bem educadas e bem formadas, tiveram que vir a terreiro desmentir as "boas notícias". Não só Ferreira Leite votou contra Lopes, como mantém tudo o que pensa desta embrulhada e da traição final de Barroso. E Cavaco, que não costuma brincar em serviço, sem dizer muito, já disse praticamente tudo. As "centrais de intoxicação" começam lentamente a envenenar os seus próprios mentores (a este propósito ler o Abrupto).
3. Com a saída airosa de Barroso, acabou, para o PSD e para o País, um ciclo político. E acabou sem poder sequer vir a ser avaliado. Mesmo que a este governo sucedesse outro assente exclusivamente na mesma matemática parlamentar dos Srs. Telmo e Guilherme Silva, não deixava de ser "outra coisa". E daqui a dois anos, era essa "outra coisa" que ia a votos e não o-pelos vistos-"interregno barrosista". Isto significa que estamos perante um novo momento político que requer a única legitimação democrática possível, a do voto. No seu íntimo, Lopes, o instintivo emocional, também deve preferir isto à sua nada espectacular legitimidade administrativa.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
(1919-2004)
Nestes dias difíceis e medíocres, Sophia de Mello Breyner, o poeta e a cidadã, é um exemplo transmitido na serenidade aristocrática dos versos, no rigor clássico do verbo e no discurso permanentemente comprometido com a liberdade. Ao entrar definitivamente na substância do tempo, Sophia permanece, para este país sem memória, como uma voz maior, daquela que, por natureza, é o contrário de uma instituição, a poesia.Tive amigos que morriam, outros que partiam/Outros quebravam o seu rosto contra o tempo/Odiei o que era fácil/Procurei-me na luz, no ar, no vento.
(1919-2004)
Nestes dias difíceis e medíocres, Sophia de Mello Breyner, o poeta e a cidadã, é um exemplo transmitido na serenidade aristocrática dos versos, no rigor clássico do verbo e no discurso permanentemente comprometido com a liberdade. Ao entrar definitivamente na substância do tempo, Sophia permanece, para este país sem memória, como uma voz maior, daquela que, por natureza, é o contrário de uma instituição, a poesia.Tive amigos que morriam, outros que partiam/Outros quebravam o seu rosto contra o tempo/Odiei o que era fácil/Procurei-me na luz, no ar, no vento.
2.7.04
O ÓBVIO E O OBTUSO
Nunca tive nenhuma dúvida acerca do que se passou no conselho nacional do PSD. Como era mais do que previsível, Santana Lopes foi eleito presidente em apoteose. A passividade bovina dos conselheiros garantiu-lhe tranquilamente o transporte. Minutos depois, com o ar grave das grandes ocasiões (e ainda não viram nada...), Santana falou aos jornalistas e ao PP, que passou de "braço direito" a "corpo" de pleno direito da coligação. Antes deste episódio grotesco, Barroso tranquilizou os seus bonzos com a sua "convicção íntima" de que não haveria eleições. Esta presunção, como não podia deixar de ser, adveio dos primeiros encontros com Sampaio, por muito que Belém desminta quaisquer certezas antecipadas. Depois de ter percebido até onde tinha chegado a sua pusilanimidade inicial, o Presidente decidiu "assustar" o PSD com um registo diferente. Por isso prolonga artificialmente o anúncio de uma "solução". Como Guterres disse à saída de Belém, eu penso que a solução é "óbvia". Parece que o País que Santana Lopes aspira pastorear ilegitimamente, também. Falta só Sampaio perceber isso a tempo.
Nunca tive nenhuma dúvida acerca do que se passou no conselho nacional do PSD. Como era mais do que previsível, Santana Lopes foi eleito presidente em apoteose. A passividade bovina dos conselheiros garantiu-lhe tranquilamente o transporte. Minutos depois, com o ar grave das grandes ocasiões (e ainda não viram nada...), Santana falou aos jornalistas e ao PP, que passou de "braço direito" a "corpo" de pleno direito da coligação. Antes deste episódio grotesco, Barroso tranquilizou os seus bonzos com a sua "convicção íntima" de que não haveria eleições. Esta presunção, como não podia deixar de ser, adveio dos primeiros encontros com Sampaio, por muito que Belém desminta quaisquer certezas antecipadas. Depois de ter percebido até onde tinha chegado a sua pusilanimidade inicial, o Presidente decidiu "assustar" o PSD com um registo diferente. Por isso prolonga artificialmente o anúncio de uma "solução". Como Guterres disse à saída de Belém, eu penso que a solução é "óbvia". Parece que o País que Santana Lopes aspira pastorear ilegitimamente, também. Falta só Sampaio perceber isso a tempo.
1.7.04
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