19.7.04

UM EPITÁFIO 
 
 

Por causa de Sampaio e de Lopes,  fomos distraídos das andanças europeias de Durão Barroso, o verdadeiro "autor do crime". Eu sabia que Barroso era um pragmático frio, educado nos melhores princípios do "livrinho vermelho" do Grande Timoneiro. Julguei, em 1995, que era o melhor candidato à sucessão de Cavaco Silva, por ser um "político" feito no Estado e não exclusivamente na intriga e nos interesses  próprios da seita. O lance "eu não dependo de ninguém e ninguém depende de mim", proferido no Coliseu, ficou para a história e custou-lhe o epíteto de "elitista, liberal e sulista". Também sabia que, mais tarde ou mais cedo, depois da generosa e voluntarista liderança de Marcelo, o partido se lhe renderia. Soava bem, então, renunciar a Satanás/Portas, e Barroso emergia como o campeão da pureza "laranja", o tal que não queria que lhe pedissem para andar com o PP às cavalitas. Por uma uma margem estreita, mas suficiente, o país trocou o "guterrismo" por ele, convencido de que "agora é que é". Não foi. Barroso deu de imediato a mão, as costas e o corpo todo a Portas. Durante dois anos, esforçou-se por se divorciar o mais que pôde do país. Este agradeceu-lhe o sacrifício nas eleições europeias. Prometeu mudar e entender "os sinais". Duas semanas depois, não resistiu aos impulsos daquilo que lhe é, afinal, mais íntimo: a pusilanimidade. Trocou, sem pestanejar, as funções de primeiro-ministro para que fora eleito, por um chorudo prato de lentilhas de reduzido interesse nacional.  A cidade parola, com Sampaio à cabeça, babou-se com a "honra" do cargo de Barroso e respeitosamente ajoelhou aos pés do seu sucessor. Barroso, esse,  não perdeu tempo em mostrar à Europa a sua personalidade-plasticina. Em apenas cinco dias, foi tudo. Ambientalista, atlantista, europeísta, de esquerda, liberal, de centro-direita, pela guerra, contra a guerra, o que fosse. Disse a cada plateia aquilo que supostamente a plateia gostava de ouvir. E está a um passo de ser entronizado pelos conchavos do Parlamento Europeu. Eu não me revejo neste nosso pequeno português em Bruxelas, um mero exportador de luxo da endémica esperteza saloia nacional. E sugiro um epitáfio para Barroso: político europeu do século  XXI cuja duplicidade  lançou  Portugal no caos ético.



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