MARLON BRANDO
(1924-2004)
Estive até perto das quatro da manhã a rever O Padrinho. Na primeira cena, há alguém aflito que expõe a sua angústia a um personagem que não vemos. Progressivamente a câmara afasta-se do rosto do homem que fala e fixa-se numa mão que se apoia numa cabeça meticulosamente penteada que está de costas para nós. Antes da cabeça começar a falar, o que vemos desde logo são as "tiny delicate hands" de Marlon Brando, na expressão de Gore Vidal nas suas memórias. Segundo este, Brando, mesmo na sua derradeira versão enorme e deformada, mantinha alguns traços que faziam lembrar "his original self" e "his ten-year-old bad boy's grin". Podíamos traduzir isto pelo ar concupisciente e de "forte apelo sexual", como hoje se diz, que fez Brando compôr figuras tão inesquecíveis quanto fisicamente poderosas, como Marco António, em Júlio César, ou Stanley, em Um Eléctrico Chamado Desejo. Nada disto ia com o seu timbre "fino", algo tímido, transmitido por uma boca desejável de eterno adolescente. O que lhe sobrou em talento, faltou-lhe na sua vida pessoal, meio desastrosa. Numa biografia de Brando, é explorada a sua alegada bissexualidade e esse "wonderful lost world" do teatro e do cinema americanos de outras mais felizes eras. Vidal, acerca da primeira, diz que "alguém que possua uma dose razoável de energia sexual e de charme animal, tenderá sempre a experimentar tudo". "Quando era novo- acrescenta Vidal-, todos os dias ele tinha intimidades com uma rapariga diferente, de tal forma que mantinha duas "abortistas" de prevenção para acudirem aos resultados da sua actividade- "safe sex" não era coisa que preocupasse qualquer um de nós nesses dias". Brando, como Vidal, pertence a uma "lost era". A figura monstruosa dos últimos tempos não apaga a eterna sensualidade de um Stanley semi-nu, suado e brutal a gritar por uma Stella a caminho de se entregar, não a ele, mas a uma vaga e irremediável "kindness of strangers".
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