20.3.04

ESTAR CALADO

Eu sou insuspeito de "anti-soarismo". Quase sempre aprecio os comentários e as observações oportunas que Mário Soares traz à nossa paupérrima opinião pública. Esta semana, porém, Soares, ao pronunciar-se acerca do combate ao terrorismo, afirmou que seria preciso mudar de estratégia e, eventualmente, "negociar" com essa rapaziada, tentar compreender as "suas motivações", já que é materialmente impossível extingui-los a todos. Salvo o devido e muito respeito, é incompreensível esta posição de Soares, um homem experimentado em todos os terrenos. Em primeiro lugar, não julgo que se possa comparar a Al Qaeda, por exemplo, com os antigos movimentos de libertação das nossas colónias, tratados pelo regime como "terroristas". Os movimentos de emancipação anti-colonialista não têm rigorosamente nada a ver com estes assassinos anónimos, frios e erráticos, cujos objectivos essenciais estão a milhas de qualquer "negociação política". Em segundo lugar, não há um ténue sinal de que esta gente esteja interessada em dar-se a "conhecer" e em "ser compreendida", e, muito menos, de que esteja interessada em "nos" conhecer. A única coisa que verdadeiramente lhe importa é a humilhação colectiva pelo medo, pelo terror e pela morte. Intui-se, pois, com relativa facilidade, que não há "diálogo" possível ou verosímil com isto, sendo certo que o islão não pode ser confundido com homicidas sem rosto e que a salvaguarda do cosmopolitismo também passa pela denúncia persistente desta nova barbárie. Vir, nesta altura "do campeonato", sugerir conversações impossíveis com quem nem sequer é nem quer ser identificável, faz tanto sentido como defender a invasão do Iraque por causa das "armas de destruição massiva" - que não estavam lá -, ou por causa do próprio "terrorismo", um mal claramente apátrida. Por uma vez , Soares perdeu uma excelente ocasião para estar calado.

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