pelo mundo em pedaços repartida.
Há quatrocentos anos que isso foi.
Mas desde então e sempre o que no mundo
se repartiu para não voltar
é o que — a mais que um poeta e dos maiores —
poderia ter sido o povo português.
Solúvel e insolúvel este povo.
Na memória dos outros e na sua mesma.
Real, sub-real, super-real,
ou — como querem alguns — surrealista?
Que dizer-se de um povo cujo tempo
se dissolveu no espaço e cujo espaço
não teve nunca tempo para dissolver-se
em tempo?
Eterno era só Deus. Os povos não.
E não as línguas e as cidades. Mas
quem vive de alheamento e sobrevive
não é que eterno se ignora morto?
Salvador Correia
de Sá e Benevides
libertou o Brasil dos holandeses
e Angola deles pois que sem escravos
o mundo não se açucarava bem.
Um dia regressou a Portugal
à espera de ser visto como herói
(que era). Gastou os fundos dos calções,
as economias, as plumas do chapéu,
e os borzeguins comprados para a Corte,
nas antecâmaras reais e realengas.
E um dia. exausto ele já de esperas e delongas
a Majestade recebeu-o enfim.
O que é que ele queria? O que é que ele pedia?
Ah não pedia nada. Só licença
de voltar ao Brasil. Estava velho
e não havia
em Portugal espaço pra morrer-se.
Espaço no Brasil, pobre Correia!
Só reduzido a cinzas centenárias
é que o D. Pedro para lá regressa
a pedido de várias famílias.
(Legitimistas riem-se nos túmulos,
e os liberais não choram, que os não há).
Está aberta a inscrição para poetas épicos
que celebrem em oitavas a vitória
de Alcácer-Quibir.
(15 mil réis de tença anual para o poeta
não nomeado por velho e demasiado grande).
Mas este povo: o povo: esse de séculos
em terra dura e curta vida imerso?
O que sonha ou pensa? Franças e Araganças?
Se lhe tiraram cama em que sonhar!
Se lhe não deram nunca o imaginar
mais que sardinha assada sem esperanças!
Não sonha ou pensa, apenas faz os filhos
que um dia houveram sido o povo se —
um se e sempre se de tantos séculos
e terra dura e curta vida e gente
que está por cima e há outros mais abaixo
danados só de não estarem em cima
do mesmo povo, o tal que todos amam
e lhes faz figas quando voltam costas.
Jorge de Sena, Exorcismos
*poema ouvido no automóvel, num cd com vários ditos pelo autor, no regresso de um mergulho no Guincho; postado em "homenagem" a este extrordinário país do "porreiro, pá", do tratado de Lisboa, membro orgulhoso de uma Europa "solidária" que lhe quer emprestar dinheiro a um preço mais caro que o abjurado FMI - para que é que serviram os seis anos de tacha internacional arreganhada de Sócrates, o seu "espanholês", o seu inglês técnico (francês não consta que saiba)? Só ossos.
2 comentários:
É realmente uma pena que não estejam ainda vivas figuras maiores da poesia portuguesa, que sabiam denunciar em verso, com a coragem que assiste a espíritos superiores, a situação em que este país vai progressivamente decaindo. Jorge de Sena era uma dessas figuras. Recordo também a desenvoltura de Natália Correia. E muitos outros nomes que o espaço não permite aqui mencionar.
alguem sabe alguma coisa de 200 mil milhoes € desaparecidos, em troca de duas fabricas em singapura? Fabricas k nao existem. E o trafulha foi conselheiro de estado, e esta em Cabo verde. E nao ha interpol? ou estara o sujeito há espera da vitoria da psd para fazer uma doação e voltar nas calmas?
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