«Trinta e cinco anos depois de Abril, a democracia continua a viver à custa de Salazar e da sua queda. Parece que o regime democrático e a liberdade nada têm a oferecer ao povo para além do derrube do ditador. Que, aliás, não foi do próprio mas do sucessor. Aqueles partidos e aquela instituição [a AR] vivem obcecados. Sentir-se-ão culpados? De quê? De não terem sabido governar o país com mais êxito e menos demagogia? De perceberem que a população está cada vez mais cansada da política e indiferente aos políticos? Preocupante é haver alguém que pense que aquelas imagens [algures, na sede da PIDE ou da Censura, em Abril de 1974, um soldado retira das paredes uma fotografia de Salazar] produzem algum efeito! A política contemporânea é de tal modo medíocre que o derrube do anterior regime é ainda mais importante do que o novo regime democrático. Essa é a mágoa! Trinta e cinco anos depois, a liberdade e tudo quanto se vive não são já mais importantes do que aquele dia de derrube. Será que os espanhóis fazem o mesmo? Os gregos? Os russos? Os franceses também eram assim em 1980? Que Parlamento no mundo, em dia solene ou simplesmente em dia de trabalho normal, se dispõe a exibir fotografias dos inimigos da democracia? Será assim tão frágil a nossa liberdade que necessitamos de a legitimar sempre com o derrube de um ditador? Por quantos mais anos vamos assistir a isto? Nenhum dos argumentos previsíveis é satisfatório. Dizem que é preciso recordar. Reler a história recente para que a ditadura não volte. Gritar "nunca mais", para que nunca mais seja. É exactamente o contrário. A falta de capacidade de respirar livremente, sem recordar os fantasmas, é a vontade de viver amarrado ao passado. Este regime é débil, porque não encontra em si próprio, nos seus méritos, razão suficiente para se legitimar e justificar. Para se assumir sem inventar ou ressuscitar inimigos. Esta insegurança revelada pelos dirigentes políticos contrasta com a certeza de muitos cidadãos. Inquéritos recentes mostram os sentimentos dos portugueses. Querem a liberdade. Não necessitam de fantasmas para se sentirem livres. Ponto final.»
António Barreto, Jacarandá (o título do post é da minha responsabilidade)
António Barreto, Jacarandá (o título do post é da minha responsabilidade)
9 comentários:
O texto completo pode ler-se no blogue do autor - [aqui]
brilhante análise. é preciso sair da política activa para se ter lucidez para um texto destes.
l neves
Só que este regime desceu tão baixo que, ao querer justificar-se pela negação do anterior, acaba por suscitar o saudosismo do anterior.
No «Portugal Contemporâneo» há um texto de Rui a, que expõe porue é que serve melhor do que a refundação da república, o seu restauro pela monarquia constitucional. Um texto para quem sabe reflectir sem paixões ...
Muito bem. Sucede que não sou monárquico e, como Salazar, chego a apiedar-me dos "nossos pobres monárquicos". D. Carlos também não os suportava. Não abdico de escolher quem manda em mim por causa de questões hematológicas.
Bem ... ninguém o obriga a ser monárquico, mas os que o são por convicções políticas genuínas (sem o folklore da "turba queque")têm uma argumentação racional e, muitas vezes, de grande qualidade intelectual. É ver o Miguel Castelo Branco no «Combustões», por exemplo...
Brilhante.Só vêm com fantasmas do passado quem não tem capacidade de mudar o presente.
Os fundadores da democracia moderna são uma monarquia. E continuam a sê-lo. Como aliás meia Europa ... não há fantasmas. Em contrapartida, a "hematologia republicana portuguesa" parece portadora da síndrome mielodisplásica ...
«insegurança revelada pelos dirigentes políticos»
Insegurança de quem?
Para se sentirem de algum modo inseguros, era necessário que fossem dotados de algo que nunca desenvolveram: consciência.
Dos seus limites e das suas incapacidades. Limites que não conhecem, incapacidades que não admitem.
Todos uns génios: Linos, Vitalinos, Valentins, Isaltinos...
A fina flor do regime.
Como é que podem aceitar alguém que procure falar verdade?
JB
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