«A presença de membros do governo nas notícias televisivas cresceu no primeiro trimestre deste ano. Em 2008, entre os dez protagonistas da vida política nos telejornais, três membros do governo (primeiro-ministro e ministros das Finanças e da Educação) ocuparam 89h45, o equivalente aos noticiários inteiros de um canal durante três meses. A oposição parlamentar teve mais tempo (95h39), mas dividido por seis personalidades. No primeiro trimestre de 2009, entre os dez mais da política na TV cinco são governantes (primeiro-ministro, ministros das Finanças, Assuntos Parlamentares, Economia, Trabalho) e ocuparam bastante mais os noticiários (33h12), do que os quatro dirigentes da oposição parlamentar (25h51). Em apenas três meses, o governo conseguiu mais oito horas de ecrã do que a oposição, o equivalente a oito noticiários inteiros de um canal. Houve um notório esforço da propaganda, a par das notícias dos “casos” do governo. A entrada no top de Santos Silva, ministro que aparece nos noticiários principalmente para responder à oposição, sinaliza o reforço da propaganda do contra-ataque em conjunto com a propaganda da “obra feita”. A estratégia do governo assenta também no impressionante forcing em torno da figura do primeiro-ministro. Os números revelam um autêntico culto da personalidade; o desaparecimento do PS face ao líder no site eleitoral “Sócrates 2009” já apontava nesse sentido. Em 2008, Sócrates esteve nos noticiários o dobro do tempo do segundo mais visto, Cavaco Silva (58h03 e 28h41, respectivamente). Já entre Janeiro e Março de 2009, o seu tempo em notícias foi 2,5 superior ao da segunda personalidade mais noticiada, Cavaco Silva, com 18h41 contra 7h34 (dados MediaMonitor, MMW/Telenews para notícias dos quatro canais em que os protagonistas intervêm na primeira pessoa). Esta presença do primeiro-ministro nos noticiários não tem paralelo na Europa Ocidental. As notícias de factos desfavoráveis ao governo levam a central de propaganda a acentuar o culto da personalidade, promovendo eventos e falsos eventos para os noticiários. Entretanto, depois de conhecer-se publicamente que o governo incluía o custo dos actos da central de propaganda nos orçamentos de obras das empresas fornecedoras do Estado, a central mudou a forma de venda do seu principal produto. Esses eventos propagandísticos serviram estes anos em especial para Sócrates brilhar e aparecer em palcos multimedia pelo país. Mas a escandaleira do inexplicável custo dos eventos levou a central (uma parceria público-privada entre a máquina do governo e a agência de “comunicação” de Luís Paixão Martins) a descer um degrau no perfil dos eventos socratistas. Nas últimas semanas ele tem-se visto na situação de “misturar-se” com pessoas e de estar à altura dos microfones, sem tribuna de palco e púlpito. A diferença é importante, porque num púlpito o microfone pertence à organização: quem comanda a palavra dita e gravada é o orador; se ele não existir, os microfones disponíveis estão nas mãos dos repórteres; cria-se uma relação de pergunta-resposta que não existia antes. Isso é péssimo para Sócrates, que não só protagoniza notícias em tantos casos (das casas da Beira à Cova da Beira do Freeport ao Eurojust), como enfrenta as inúmeras brechas na governação dos últimos quatro anos, brechas de quem viveu da propaganda. Nesta situação explosiva, Sócrates quer tudo menos jornalistas com microfones na mão. Pior ainda, enquanto os pseudo-eventos organizados pela central são para convidados, as deslocações ao mundo real têm a maçada das imprevisíveis vaias, como a de ontem na Escola António Arroio (SIC, Primeiro Jornal). Sócrates literalmente fugiu pelas traseiras. O culto da personalidade, como se conhece das ditaduras e democracias de fachada do Leste, Ásia e América Latina, não se dá bem com perguntas inesperadas. Foi por isso que, segundo o Correio da Manhã (17.05), Sócrates “limitou” as perguntas dos jornalistas ao acto de propaganda, como nesse dia a Penafiel: "Só falo sobre o programa Novas Oportunidades e nada mais, e não respondo a outras questões", avisou. Segundo o diário, o primeiro-ministro exigiu “um compromisso dos jornalistas de que não seria abordada qualquer outra questão. Designadamente o caso Freeport.” Eis ao que chegou a relação do chefe do governo com a opinião pública democrática: chegou ao fim.»
Eduardo Cintra Torres, Público
Eduardo Cintra Torres, Público
5 comentários:
Já tinha reparado que a "relação" do sokas connosco (os que vivemos "cá") tinha chegado ao fim.
O Cintra Torres - e também o Pacheco Pereira - analisam hoje as actividades semanais do tipo e conclui-se que ele não quer dialogar connosco (supondo que, nesse diálogo, os jornalistas são os nossos representantes) e que -pior - não governa, pois dedica todo o seu tempo em sessões de propaganda das paroladas inventadas pelo "governo" ("computador" bimbalhães, novas "oportunidades", assinatura de "pretocóis" para "obras", etc., etc.).
Assim sendo, a nossa responsabilidade em o correr aumenta. Nas Europeias de Junho, devemos pedir um esforço às pessoas que nos são próximas e que andam um pouco distraídas com esta pouca vergonha. O esforço é ir votar para arrasar com esta bandalheira, de modo que fique claro que, após o Verão, estes tipos (sokas e cia.) serão corridos de vez nas outras eleições. E votar útil, como diz o João Gonçalves. Acho que já escrevi que, se fosse por esperança, não votaria, mas tenho que dar uma última oportunidade a "isto".
Está-se mesmo a ver...
PC
Essa LPM estará na primeira linha das investigações que têm de ser feitas mal o Sócretinismo caia.
Sócrates está a levar o PS para o desastre e quem vai fazer o enterro vão ser os socialistas, que vão deixar a ala tarada de poder completamente sozinha. Nem um apagão eleitoral os salva.
"Essa LPM estará na primeira linha das investigações que têm de ser feitas mal o Sócretinismo caia."
Migalhas.
Mais uma Brilhante análise de ECT. Dos únicos portugueses que Vê a Situação e a Desossa e, porque é sensível a distorções grosseiras à democracia, sofre como eu e outros sofrem.
Por dezenas de vezes escrevi contra os custos exorbitantes exarados sobre o Orçamento que os Eventos Socratinescos representavam: UMA OBSCENIDADE sem tamanho, desavergonhada, insultuosa do mal-sobreviver de tantos de nós, os silenciosos 600 000.
Só muito recentemente, face ao clamor tornado público, aliás tardiamente denunciado no Parlamento, se verificou o tal descer de um degrau nos processos propagandescos do Culto Bacoco da Personalidade que esta legislatura descarada representa.
As brechas, os lixos e nojos, de uma Governação fora do gabinete mas com um púlpito coreográfico omnipresente, superam os efeitos esperados da maquilhagem Propagandesca.
É (espera-se!) o Fim. Tardio!, que o espécimen é relapso e esguio. Ninguém poderia ter estragado tanto em tão pouco tempo um País que se merece harmonioso e que aspira à coesão e não a este desnível asqueroso de fome e luxo lado a lado.
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