«Depois de terem mostrado a sua incapacidade, até para gerir um carro eléctrico, [os socialistas] começaram a ser ou a aspirar a ser bons gestores. E a retirar, do capitalismo, o melhor possível. O Estado nacional, um pouco, e o Estado europeu em construção, muito, continuam a ser credo e crença, mas domesticados agora pela boa gestão dos negócios e pela competitividade. A crise económica e financeira deste ano trouxe nova alegria aos socialistas. Era a derrota do capitalismo, gemeram. Depois da do comunismo, a vitória parecia total. Ouvem-se pessoas, lêem-se textos que não escondem a jovialidade com que olham para "a crise", ainda por cima americana. "Estava-se a ver", "era inevitável", "tiveram o que mereciam": eis tons das suas recentes cantilenas. Os mais brutos chegam a pensar que talvez seja esta a maneira de construir o socialismo. Mas a maioria já só pensa em salvar o capitalismo. Na sua megalomania, querem mesmo "refundar o capitalismo". Com o Estado e os socialistas, pois claro. Liberais, conservadores, populares, sociais-democratas, socialistas e trabalhistas estão unidos num propósito: salvar o capitalismo! Na sua quase totalidade, é isso mesmo que querem fazer. Sem cinismo. Do lado das esquerdas, é possível que haja algum sentido da oportunidade: sob a capa do salvamento do capitalismo, entra o Estado. Entra e fica! Mesmo para esses, a ideia de construir o socialismo é absolutamente utópica e risível. Também querem salvar o antigo inimigo. Só que, se puderem ficar no cockpit ou pelo menos partilhar a torre de controlo, ficam felizes. Com o Estado e o capitalismo, pois claro! Os socialistas louvam o Estado, murmuram de contentamento com as nacionalizações americanas, as de Gordon Brown, as portuguesas que vêm a caminho e as espanholas prometidas. Os socialistas já não estão convencidos de que esta crise é a do fim do capitalismo e a da vitória do socialismo. É a vitória do Estado, em qualquer caso. Não perceberam é que se trata da derrota final do socialismo. Já não é alternativo. Já não tem modelos a defender. Os socialistas interessam-se agora pela vida privada dos cidadãos, por causas culturais e pelos costumes. Casamento e divórcio, aborto e adopção, eutanásia e suicídio, homossexualidade e droga são as causas dos socialistas e de muitas esquerdas. A derrota dos socialistas é a que os transforma, não em coveiros, mas em curandeiros do capitalismo, em ajudantes dos que querem refundar o capitalismo, em decoradores que lhe querem dar um rosto humano. Uma espécie de serviço de assistência, de garagem ou de cuidados intensivos do capitalismo. Se existe uma derrota final, é bem esta.»
António Barreto, Jacarandá
António Barreto, Jacarandá
7 comentários:
Tornou-se-me o Jacarandá leitura obrigatória. Muito bem esgalhada esta autópsia.
Evidentemente que foi esta posta do António Barreto uma das melhores leituras da minha tarde de domingo, curiosamente anterior à transcrição que dela fazes.
Muito oportuna e muito bem esgalhada.
Intelectualidade honesta, esclarecida e frontal. Precisamos disto. Muito bom.
no tempo da AD acabava de chegar ao Chiado quando ouvi A. Barreto olhar para baixo e dizer zombeteiro a um velho amigo:
-então Zé vais entrar para a Maçonaria
sempre apreciei a sua independência e objectividade, qualidades raras nos portugueses.
ad multos annos
radical livre
Outro Blogue que faz parte dos meus "favoritos".
Um SENHOR.
Como o anónimo das 8.40 pm, "precisamos (muito - acrescentaria eu) disto"
Cinco tiros no couraçado. Inútil dizer seja o que for!
Capitalismo? Socialismo?
Para evitar que apareçam e se instalem dúvidas, deixo claro que estou ao lado do capitalismo, porque reconheço, embora com mágoa, que só o maldito dinheiro
faz com que o homem ponha o seu cérebro, os seus braços e as suas pernas a trabalhar.
E ninguém desconhece que há homens – mas também mulheres, sem qualquer dúvida – que comem muitas vezes do bom e do melhor, que levam uma vida regalada, de permanente gozo, considerado este nas suas mais diversas variantes, rodeados de luxo quase inimaginável e de todo o conforto que hoje é possível ter, sem nunca terem trabalhado, porque há outros a trabalhar para eles. Péssimo exemplo do capitalismo, mas não só deste, reconheça-se.
Muito se tem falado e escrito sobre os mais diversos regimes e ideologias políticas, quase sempre numa tentativa de mostrar a supremacia daquilo que nos agrada.
Um regime político, uma ideologia, pode ver o seu mérito ou demérito elevado, confirmado ou arrasado pela qualidade de quem o serve, porque é o homem, com a sua inteligência ou estupidez, com o seu desprendimento ou cupidez, com o seu comportamento digno ou indigno, com a sua moralidade ou amoralidade, com a sua actuação correcta ou incorrecta, com o seu procedimento decente ou vicioso, com a sua simplicidade ou vaidade, com o seu desprendimento ou ganância, com as suas virtudes ou defeitos, com o seu equilíbrio mental ou taras as mais diversas, que está no centro de tudo. E também na origem de tudo que é vil, ascoroso, infame e desonesto.
Como consequência da crise que se atravessa actualmente, há quem fale, a meu ver erradamente, na falência do capitalismo, como outros já o fizeram em relação ao socialismo, aquando do fracasso do merda do socialismo, comummente designado por comunismo, na extinta União Soviética.
Em Portugal, desde 1139 até 5 de Outubro de 1910, existiu uma monarquia que, apesar dos seus sucessivos altos e baixos, dos seus momentos de grandeza e de crise, subsistiu durante séculos.
Na proximidade do seu fim, alguns homens de Portugal afirmavam que o regime estava podre. Pois estava, mas também por culpa deles. E foram eles próprios que posteriormente fizeram apodrecer rapidamente, e de que maneira, o regime republicano que impuseram sem consultarem o povo.
A monarquia caiu por culpa dos homens; a república também foi parar à sarjeta empurrada pela cáfila dos que lhe cantaram as virtudes até à exaustão. É o que a peste humana melhor sabe fazer.
Como não aceito que se diga que a monarquia e a república falharam também não posso estar de acordo com a afirmação da falência do capitalismo e do socialismo. Porque o capitalismo não falhou. Apenas não aguentou ser cada vez mais exercido por um bando de gatunos, de vigaristas, de traficantes de toda a ordem, de trafulhas e de exploradores que se serviram dele, com a complacência de quem tem obrigação de bem governar, para se encherem à tripa forra.
Apesar de autênticos biltres, julgam-se superiores aos demais, querendo para eles tudo e nada para os outros que para eles tiverem de trabalhar. Corja infame.
O socialismo, o puro, também não falhou. O que falhou foi aquela merda de socialismo que um bando de assassinos asquerosos, cheios de taras, tentou impor neste planeta. E o resultado é de todos conhecido: o assassínio de para cima de 100 milhões de inocentes.
O socialismo de merda, muito comum na Europa, embora com ligeiras variantes de país para país, também se instalou infelizmente em Portugal. Não é carne nem peixe, é uma tentativa do capitalismo no exercício do socialismo. Em suma, uma merda. O que o distingue do outro é que, por enquanto, ainda não é assassino.
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