Quase nas vésperas de abandonar o cargo, Jorge Sampaio ainda arranjou tempo para ir à Argélia. Entre outras coisas, vai inaugurar uma estátua de Manuel Teixeira-Gomes em Bejaia, antiga Bougie, onde o ex-presidente da República se exilou e morreu em 1941. Há uns anos, li a biografia dele por Norberto Lopes - "O Exilado de Bougie" - e uns capítulos do livro de Urbano Tavares Rodrigues, "M. Teixeira-Gomes, O Discurso do Desejo" (Edições 70). Teixeira-Gomes sempre me pareceu uma personagem atípica da vida política portuguesa, particularmente da vida "irreal" da I República. Estudou em Coimbra onde frequentou medicina sem lhe conceder a menor importância. A isso preferiu definitivamente a literatura e a boémia. Colaborou em revistas e jornais, nomeadamente "O Primeiro de Janeiro", do Porto, e "A Luta", de Lisboa. O pai era um produtor algarvio - bem "amanhado" - de figos secos e Teixeira-Gomes acaba a viajar, à conta dessa indústria, pela Europa e pelo Mediterrâneo onde desenvolve o seu interesse pela literatura em encontros vários. Começa a publicar. Em 1899, "Inventário de Junho", em 1904, "Agosto Azul" e em 1909, "Gente Singular". A sua vida política inicia-se em 1911 e prolonga-se até 1918, como representante de Portugal em Londres. Quando Sidónio emerge, chama-o e de demite-o do cargo. Teixeira-Gomes fixa-se então no Algarve como administrador das propriedades. Toda a sua obra literária "vive" de figuras algarvias: "Sabina Freire", por exemplo, é uma viúva de Portimão. Entre 1919 a 1923 volta à diplomacia em Madrid e de novo em Londres. Foi eleito presidente em 6 de Agosto de 1923, ganhando a Bernardino Machado. "A política, longe de me oferecer encantos ou compensações, converteu-se para mim, talvez por exagerada sensibilidade minha, num sacrifício inglório. Dia a dia vejo desfolhar, de uma imaginária jarra de cristal, as minhas ilusões políticas. Sinto uma necessidade, porventura fisiológica, de voltar às minhas preferências, às minhas cadeiras e aos meus livros", escreveria. Dotado de uma fina e amargurada sensibilidade, incompatível com a mesquinhez do regime e dos seus servidores, resigna ao cargo em 1925 e parte para Bougie, na Argélia, que ele via como "uma Sintra à beira-mar". Os seus restos mortais só regressariam a Portugal em 1950. Durante o exílio poucos ou nenhuns contactos manteve com o país, família incluída. Era um sensualista que amava os prazeres indistintos que a vida lhe proporcionava, algo que a sua escrita, em grande medida, reflectia. Bem longe daqui, trocou a hipocrisisa nacional pela sua "verdade", fosse lá ela o que fosse. Norberto Lopes via-o, e bem, como uma "personalidade requintada, sóbria, simples como a de um grego do século de Péricles, magnânimo e brilhante como a de um príncipe florentino da Renascença". Manuel Teixeira-Gomes: mais um que se enganou no lugar onde nasceu.
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