4.12.05

UM PRÍNCIPE


Era quinta-feira e fazia um frio de rachar. A terrível campanha presidencial que opunha Eanes a Soares Carneiro aproximava-se de um fim que, nessa noite, se revelou definitivo e dramático. A 4 de Dezembro de 1980 aconteceu algo de extraordinário que fez da vitória de Eanes, três dias depois, uma melancólica glória. Um lance do destino ou uma outra qualquer mão invisível, fez com que, em trágicos segundos, desaparecessem, entre outras pessoas, o então primeiro-ministro, Francisco Sá Carneiro, e o ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa, uma das mais brilhantes cabeças da direita democrática portuguesa. Francisco Sá Carneiro protagonizou a primeira experiência de governação do centro-direita após o 25 de Abril, apenas cinco anos depois da "revolução". A constituição da Aliança Democrática foi um "achado" político através do qual a "direita democrática" se inseriu definitivamente no "sistema", em acordo com os "reformadores" de centro-esquerda de António Barreto, Medeiros Ferreira e Sousa Tavares. O desaparecimento de Sá Carneiro e a posterior irrelevância de Balsemão, obrigaram a ter de esperar mais uns anos para poder "mudar" a Constituição, primeiro com Soares e, depois, com Constâncio e Cavaco, e, finalmente com este, para se "rever" a economia "revolucionária" e alterar os "equipamentos sociais", em maioria e sem alianças. Quer Sá Carneiro, quer Cavaco Silva, ambos genuínos sociais-democratas, apesar das diferentes "histórias" respectivas, nunca perderam de vista a chamada "dimensão social" da política. Sá Carneiro juntava a isso o lado "lúdico", sem o qual, dizia, a política não valia a pena. Impôs ao "politicamente correcto" da altura - no qual se destacou o casal Soares que, em tempos de antena da então FRS, não se cansou de evocar oportunisticamente o papel da "família" - a sua relação com Snu Abecassis, paixão essa tragicamente imolada no fogo de Camarate. Os ataques hipócritas que sofreram, em campanha e fora dela, foram recordados no documentário apresentado por Cândida Pinto na SIC, no que foi um excelente serviço prestado à memória. O chamado "sá-carneirismo" tem assumido diversas formas ao longo destes anos. A maior parte dos que se reclamam dessa "orfandade" faria seguramente rir Francisco Sá Carneiro. Sá Carneiro tinha pressa e era um político de rupturas. Nesse sentido, era um homem em perigo. Terá sido um dos últimos príncipes românticos da política portuguesa no século XX.

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