27.6.05

O PATHOS "TÉCNICO"

Sem querer parecer "mauzinho", não posso deixar de assinalar o "tema" do dia. Tudo começou com umas "incongruências" apontadas ao OE rectificativo que o governo entregou sexta-feira, pela calada da noite, na AR. Provavelmente o dia foi passado no ministério das Finanças a "remoer" os dados apresentados e - percebeu-se isso à hora dos telejornais - a pensar no que se deveria dizer cá para fora. Melhor do que eu poderia alguma vez dizer, Nicolau Santos, no texto que a seguir reproduzo com a vénia devida ao autor e ao Expresso online, resume o fundamental. Voltámos, sem nunca disso termos verdadeiramente saído, à dicotomia "técnica" vs. "política". Campos e Cunha veio a terreiro dizer pouco e dizer mal. Depois dos enxovalhos - a maior parte inteiramente merecidos - que foram dirigidos à elaboração do OE em vigor, esperava-se, pelo menos dos "técnicos", que não existissem desatenções ou - o que seria bem pior - "manipulações" na composição do "rectificativo". Como isso aparentemente não aconteceu, os "técnicos" acabaram por prestar um mau serviço à "política". E Campos e Cunha sofreu um revés político, pela via dita "técnica", cuja expressão não deixará de ser devidamente explorada, mesmo com inabilidade, pelos adversários do governo. Ora se há coisa que este ministro das Finanças agora menos precisa é de ver a sua autoridade "técnica" - já que "política" tem muito pouca - diminuida.

Adenda 1:
Uma grande trapalhada
por Nicolau Santos

Corre a manhã de segunda-feira, 27 de Julho de 2005. Na sexta-feira, às dez da noite, o Governo entregou na Assembleia da República o Orçamento Rectificativo 2005, tornado necessário porque o que tinha sido elaborado por Bagão Félix e pela maioria PSD/PP estava claramente desfasado da realidade. A questão é que, pelas primeiras apreciações, o OR, entregue tarde e a más horas, traz erros inadmissíveis, martela receitas e despesas para chegar ao défice de 6,2% e, mais grave, conclui que a despesa do Estado ultrapassa metade do que o país produz (50,2%), ao contrário do que tinha sido prometido. Até agora, contudo, as Finanças não deram nenhuma explicação e, ao que tudo indica, estão a trabalhar de novo os números do documento. A imagem de competência e rigor do ministro das Finanças, Luís Campos e Cunha, sofreu o seu primeiro abalo sério no lado técnico, já que, do ponto de vista político, tinha ficado fragilizado com a questão da reforma que recebe do Banco de Portugal. Na verdade, entre os valores aprovados pela Comissão Constâncio, o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) e o OR há diferenças acentuadas na composição das receitas e das despesas. Assim, do PEC para o OR aumentam as despesas em 1.570 milhões de euros e as receitas em 1.506 milhões. A receita fiscal fica 499 milhões de euros acima do PEC e 989 milhões acima da estimada pela Comissão Constâncio (que não contabilizava os aumentos de impostos entretanto anunciados). E o Governo espera arrecadar mais 7,1% em impostos, um valor muito superior ao crescimento nominal da economia. Mas o caso mais grave vem do lado das despesas. Aparentemente, o Governo mostra-se impotente para travar o seu crescimento. E assim a despesa é superior em 1.570,9 milhões de euros ao PEC e em 1.194,1 milhões aos valores da Comissão Constâncio, crescendo mais de um ponto percentual em relação ao anteriormente previsto em percentagem do PIB. E assim, a despesa das administrações públicas em percentagem do PIB atinge 50,2% contra os 49,1% inscritos no PEC. Não adianta continuar, embora existam outras incongruências relevantes: o esforço de investimento cai 8% mas as despesas de capital aumentam 15% (o que pode dar razão aqueles que dizem que, nas despesas de capital, estão contabilizadas rubricas salariais e custos administrativos que nada têm a ver com o esforço de investimento). O que importa é assinalar que este Orçamento Rectificativo, para quem queria acabar com o «monumental embuste» do OE 2005, é, ele próprio, uma enorme trapalhada, e que aparece ferido na sua credibilidade pelos erros técnicos que enferma e pelas promessas políticas que não cumpre. Convenhamos que não era desta ajuda que Luís Campos e Cunha precisava, para quem necessita de impor um enorme rigor orçamental até 2008.

Adenda 2: Vale a pena ler, em jeito de "complemento", o editorial do Diário de Notícias, da autoria de João Morgado Fernandes, O Modelo da Incapacidade.

Manuel Castells, o catalão que se transformou em guru dos modelos de desenvolvimento assentes em inovação e novas tecnologias, costuma apresentar os Estados Unidos, a Finlândia e alguns países asiáticos como casos de sucesso nos quais a Europa deveria inspirar-se para sair do buraco em que caiu. Numa das últimas vezes em que esteve em Portugal, questionado acerca da eventual existência de um modelo meridional (Espanha, Itália, França, Portugal...), foi claro: "Se existe, não o encontrámos, a não ser que se queira transformar a incapacidade em modelo." Pouco importa discutir se essa incapacidade é recente ou herdada, circunstancial ou genética. Importa, sim, estarmos conscientes da sua existência para, sem dramatismos excessivos, a vencermos, nesta fase em que, por força de uma estranha ciclotimia, somos de novo atirados da euforia para a depressão. Exemplo dessa incapacidade é a forma atabalhoada como todos, sem excepção, lidam com o problema do défice e a necessidade de serem tomadas medidas drásticas para o derrotar. Essa incapacidade começa num poder sem rasgo para apresentar, de forma estudada, consistente, estruturada, um verdadeiro plano que, em simultâneo, ataque o "monstro" e incuta confiança nos agentes económicos e nos portugueses em geral. Ao invés, o poder parece agir apenas pela força das circunstâncias, pressionado, desarticulado e revelando um elevado grau de incerteza quanto à amplitude e profundidade das medidas.A incapacidade prossegue, por exemplo, pelos sindicatos, sejam eles de professores ou polícias, cuja reacção epidérmica às iniciativas governamentais apenas contribui para degradar um pouco mais a imagem pública dos profissionais que representam. Essas são, porém, incapacidades instrumentais. Porque a pior, a mais funda, é que a sociedade portuguesa, todos e cada um de nós, teime em viver do sol e do crédito fácil, sem perceber que o investimento essencial, a força das nações, nasce de cidadãos informados e empenhados. Sem perceber que, antes de ir, é necessário decidir para onde ir.

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