Comemora-se hoje - presumo que o título se mantenha - o "dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas". O regime do dr. Salazar aproveitava o dia para, na Praça do Império, condecorar os órfãos e as viúvas dos "heróis" ultramarinos e meia dúzia de rijos sobreviventes. A democracia continuou o registo burocrático da ditadura, se bem que de uma outra forma, mas com o mesmo patético propósito de celebrar essa entidade mítica chamada Portugal. Aquilo que para o dr. Salazar consistia em reforçar o regime no seu "núcleo duro" - a guerra colonial e a defesa do "Ultramar" -, transformou-se, com o regime instaurado no 25 de Abril, na mais confrangedora banalização da "distinção" através de veneras e de condecorações atribuídas a torto e a direito. Praticamente já não sobra ninguém para condecorar. A elite oficial e democrática satisfaz-se onanisticamente nestas comemorações anuais que nada dizem ao país "real", e em que, geralmente, as "comunidades" e Camões ficam discretamente de fora. Este ano, por exemplo, há penduricalhos para pessoas tão diferentes como Marcelo, Pacheco Pereira, Leonor Pinhão, Catarina Furtado ou Nicolau Breyner, sem contar com os "títulos póstumos". Pensando bem, o que é que existe hoje digno de ser comemorado ou celebrado? Tirando o sol, o mar, alguns petiscos, umas vagas linhas de alguns "escritores" e "ensaístas", a beleza de alguns corpos e rostos, não resta grande coisa. A paisagem física é constantemente devastada pela estupidez e pela concupiscência. E o "retrato" humano e social é de uma endémica e irrevogável pobreza franciscana onde pontificou, desde sempre, a barbárie da ignorância. Em suma, o "dia de Portugal" apenas serve para celebrar o enorme embuste que é a nossa verdadeira realidade. Uma realidade que se traduz na mesma "austera, apagada e vil tristeza" cantada no século XVI por Camões, afinal o maior esquecido no seu dia.
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