7.7.04

UMA DUPLA E UM HOMEM

1. Santana Lopes deu uma entrevista em que, por diversas vezes, chamou à colação o "seu governo". Continuidade quanto baste, disse ele, de resto deve haver "refrescamento" dos rostos, com mais ministérios e mais "província" no governo. As "distritais" amigas espremeram-se de emoção. Esticou tanto a corda que, aos maçadores dossiês herdados, eu atrevo-me a sugerir que, na realidade, ele prefere eleições. A Câmara, essa, é que é já coisa do passado. Depois sentou-se com o Dr. Portas diante dos deputados da maioria que, inermes, escutaram o que ele lhes tinha a dizer. Basta, insinuou, que abanem a cabeça. Eles abanaram e aplaudiram. Estava dado o sinal de que há maioria, não fosse o Dr. Sampaio baralhar-se. O Dr. Portas e mais uns quantos populares jeitosos, apareceram em Belém ao Dr. Sampaio e, ainda lá dentro, repreenderam-no sumariamente. Em 48 horas apenas, a "dupla maravilha" anunciou ao que vem. Como dizia o Pacheco, depois não se queixem.

2. Não há cão nem gato que não tenha escrito qualquer coisa sobre o estado disto, ditado pela "fuga" de luxo de Barroso. Até eu não faço outra coisa há quase duas semanas. Com o devido respeito, um artigo da semana passada publicado no Público por Maria de Fátima Bonifácio, menos lida do que os do costume, resume, para mim, o essencial e antecipa, de forma clara, o que se está a passar. Dele respigo o trecho que se segue, sem mais comentários.

Santana é um homem simpático, um excelente "entertainer" e um bom comunicador com jeito para ganhar eleições. Fala sempre com o coração ao pé da boca e é mestre na manipulação das emoções. Nada o recomenda para primeiro-ministro, sobretudo quando já deu provas, na Câmara Municipal de Lisboa, de não ter competência para gerir "dossiers" complexos. Em dois anos, a sua prestação à frente da câmara tem sido marcada por diversos e comprometedores desaires que, apesar dos "outdoors" triunfalistas espalhados pela cidade, confirmam no público a impressão de que o homem não está à altura das suas responsabilidades. Há já alguns meses que começou a ter má imprensa. Também ele não vê por ora fim à vista para os sarilhos que criou ou lhe criaram: o Parque Mayer, o casino, Monsanto, a Feira Popular, o túnel do Marquês...É plausível duvidar da sua reeleição. Que melhor coisa lhe podia acontecer senão "ver-se obrigado" a largar a câmara e a "fazer o sacrifício" de ocupar a presidência do Governo? Eis, depois da de Barroso, mais uma coincidência feliz. As "musas" de Santana bem que o protegeram: também dele não se poderá dizer que fugiu.
Está de parabéns o CDS/PP. Primeiro, já poderá votar Cavaco à vontade no caso de o professor se candidatar. Depois, Santana é o homem ideal para olear a engrenagem da coligação, emperrada pelos últimos resultados eleitorais. Portas pode respirar de alívio; tão cedo não será atormentado pela perspectiva de ter de reincarnar o Paulinho que anda de feira em feira a beijocar as vendedeiras. Pode continuar a fazer de homem de Estado, empertigado nos seus fatos às riscas. O seu estatuto também aumenta na medida em que diminui a legitimidade do primeiro-ministro perante o partido e o país.
O país, esse, fica entregue a Portas e a Santana, um cenário que causa arrepios. Barroso, traíndo tudo e todos, parte sem honra nem glória.


3. Passei o final do dia no lançamento da biografia de Fernando Valle. Socialista, maçon, homem de liberdade, amigo leal, fraterno e solidário, Fernando Valle, na juventude dos seus 104 anos, faz com que estas criaturas que actualmente ocupam o vaudeville da política pátria, surjam resplandecentes na sua imensa pequenez vaidosa e oca.

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