13.7.04

FADO VITORINO

1. Parece bem "bater" em Ferro Rodrigues. Com a habitual má-fé, os "seus", os outros e os abutres de circunstância, que andavam há pelo menos ano e meio doidos por o ver pelas costas, apareceram agora muito irritados com a sua saída. Não, naturalmente, por ele ter saído, coisa que muito penhoradamente agradecem. Estão apenas frustrados por ter sido ele a decidir que saía. Durante dois estafados anos, Ferro, um homem sério que não tem manifestamente talento político, aguentou de tudo. Deserta num momento grave para o seu partido e para o país. Até nesta decisão, na parte em que ela não é meramente "pessoal", foi infeliz. Ao contrário do que pensa, dificilmente regressará.

2. Com a saída de Ferro, desaparece o seu "petit comité" partidário, a saber, o certamente respeitável mas inócuo porta-voz, Vieira da Silva, e esse tornado generoso, porém politicamente nulo, que se chama Ana Gomes. Contra eles, é certo, subsistem perigosas luminárias de província como o Sr. Lello, sempre pronto para uma graça e não mais do que isso.

3. O PS tem pela frente a sua hora. Não pode perder o que ganhou há um mês por causa de questões de capoeira. Sem abjurar o seu património, o PS deve escolher uma liderança que "fale" ao eleitorado moderado, "centrista" e abstencionista que não perdoa a deserção de Barroso, não aceita a aventura Santana Lopes e não se interessa por bravatas ideológicas. A ambição do PS deve ser "federar" o "centro-esquerda" - se é que isto existe - e defender os princípios republicanos no exercício do poder político contra a tentação populista simplificadora, amavelmente subscrita pelo Dr. Sampaio.

4. António Vitorino, apesar das suas inegáveis qualidades e múltiplos talentos, anda fora disto há uns anos. Para além disso, quando e se regressar, carrega no pêlo duas derrotas significativas. Foi "falado" para secretário-geral da NATO, porém o Sr. Rumsfeld, numa rápida descida à Europa, desfez o murmúrio entre dois cafés. Alimentou nos corredores a hipótese da presidência da Comissão Europeia e o Dr. Barroso, que até o levou ao colo durante uns magros dias, acabou por o presentear com uma sublime humilhação. É humano que o partido suspire por ele. Contudo, não tenho a certeza de que o país também suspire. Decida ele o que decidir, daria sempre o ar de que vinha "obrigado" e sem grande determinação. Ora isso é coisa de que o PS menos precisa agora.

5. Restam os que já cá estão. As coisas são o que são. O combate ideológico puro e duro cedeu terreno à contingência. Não há lideranças ideais, existem lideranças possíveis. E o PS, atordoado, já perdeu demasiado tempo para Santana Lopes. João Soares, apesar da sua generosidade militante, não tem "tropas" e não tem "generais". É penhor de uma vaga ideia de "esquerda", muito pouco "pragmática". O Dr. Lamego, que eu conheço desde os tempos do primeiro MASP, sendo "politicamente correcto", apenas pode contribuir para o debate "teórico". António Costa, um político consistente e talentoso, escolheu Bruxelas. Carrilho deve resguardar-se para Lisboa. E Jaime Gama continua a bocejar. Chegamos, assim, ao "terreno". É lá que estão Jorge Coelho e José Sócrates, "letra e música" de um mesmo "fado".

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