8.8.07

OS "NOVOS PÚBLICOS"


Acorreram massas, de manhã à noite, à exposição Amadeo na Gulbenkian? Acorreram. Cem mil criaturas já passaram pela Colecção Berardo? Parece que sim. Isto, em si, quer dizer alguma coisa? Não. Massas atraem massas. É giro esperar pela câmara de uma televisão e botar faladura. Proferir umas banalidades sobre o evento. No carnaval da "Festa da Música" era a mesma coisa. As pessoas iam porque iam. Ocorreu-me isto a contemplar o auditório da Gulbenkian ao princípio da noite. Cheio, esgotado para escutar Barenboim? Ou esgotado porque sim? Entrei no Grande Auditório da Gulbenkian por volta dos meus dez, onze anos. Fui com o meu pai ver e ouvir o insuportável Orfeo de Monteverdi. Oficiava a veneranda figura do chefe de Estado, o Almirante Tomás. Ou seja, com intermitências, frequento aquele Auditório há mais de trinta e cinco anos. Encontro ainda muitos dos caquéticos que encontrava no final dos anos setenta e durante os noventa. Também noto muitos "jovens" e gente que, de repente, passou a "ir a todas". Significa isto que a demagogia dos "novos públicos" - uma coisa dos últimos ministros da cultura e das leis - é mesmo uma realidade? Não é. Os "novos públicos" - refiro-me sobretudo à música e à ópera que é o que conheço melhor - são falsos públicos. A cultura é um trabalho lento, de paciência e de uma longa e sofisticada aprendizagem. Não é por muito frequentar tudo o que mexe que o espectador passa, por mágica, a possuir o estatuto de "culto". Nem tão pouco por exibir farta biblioteca. A cultura é um calvário jubiloso em que simultaneamente se joga o sentido da beleza e o sentido da improbabilidade. Não é coisa de "massas", muito menos coloridas. O público que aplaudiu freneticamente a "Patética" de Tchaikovsky "comeria" qualquer peça que Barenboim, com um fantástico instinto de espectáculo e de gozo, lhe pusesse à frente dos olhos e dos ouvidos. Este "novo público", que esgota uma sala, não percebe o que está a ouvir. Basta atentar nas palmas a despropósito que apenas revelam a profunda "incultura" musical destes alegres veraneantes da cultura. Também tenho dúvidas que a arte contemporânea ou o nosso Amadeo os mudem. Ora um dos méritos da cultura é justamente mudar-nos. Depois de um certo quadro, de uma determinada ária, de um particular andamento ou de um livro, passamos a outro. Os "novos públicos" ficam rigorosamente no mesmo ponto em que estavam antes do quadro, da ária, do andamento e do livro. Isto começa no ensino básico ou nunca chega a começar. E, claro, numa disposição devidamente educada para apreciar o belo. Não tem de ser inata. Mas deve ser preparada e jamais "socializada" como uma festa de verão entre canecas e imperiais.

16 comentários:

António P. disse...

Boa noite,
É por causa disso que não vou a estes espectáculos. Corria o risco de gostar e apaludir...e depois vinha o João Gonçalves e chamava-me burro.
Para isso fico em casa a ouvir CD's.
Cumprimentos

Adjectivos disse...

Eu concordo totalmente consigo. Por isso é que não entendo o argumento utilizado em defesa de Dalila Rodrigues, como directora do MNAA,de ter aumentado a frequência do museu. Isso quer dizer o quê?

Anónimo disse...

JG: você tem alguma razão, mas você não deixa de ser o insuportável elitista que acha que tudo lhe é inferior. Preferia que não houvesse ninguém nesses acontecimentos? E o público de outrora era muito mais "culto" do que é agora? Ou apenas era mais contido e polido num certo sentido? Possivelmente é apenas isso. E se calhar houve apenas uma mudança de atitude, numa sociedade que se tornou apenas mais espontânea. Não há menos elites hoje do que havia antes. Apenas existem mais acontecimentos ditos culturais e mais gente e dinheiro para frequentá-los. Como os costumes mudaram, parece que existem mais bárbaros. Desconfio até que existe mais gente "culta" do que outrora e que apenas mostra mais a sua fragilidade da sua formação.

Anónimo disse...

Cito : “Um dos méritos da cultura é mudar-nos. Depois de um certo quadro, de uma determinada ária, de um particular andamento ou de um livro, passamos a outro”.
Depreende-se que a mudança será para melhor. Mas não lhe parece um exagero? Se isso desse resultado, bastaria pôr os nossos políticos a fazer essas coisas todas…
Para lhe falar com franqueza, julgo encontrar neste seu texto a habitual confusão entre “Cultura” e “Artes & Espectáculos”. Mas não está só. O que é o nosso Ministro da Cultura senão um super Director Geral das Artes & Espectáculos?
Jorge Oliveira

Anónimo disse...

Museu Berardo: n�o foram cem mil, foram 696.784 at� ao �ltimo domingo (continua a ser de borla).

Anónimo disse...

se vão: carneirada
se não vão: ignorantes

pode ter razão na apreciação que faz da massificação da 'cultura', mas estou em crer que no meio daquele auditório cheio, deve ter havido alguém que depois de ouvir o que ouviu a sua vida mudou. nem que tenha sido só um é bom.

uma criança/jovem levado pelo pai...

Anónimo disse...

Concordo com todos os comentários anteriores.
O JG não foi nada feliz neste post.

Anónimo disse...

JG não é feliz.

Nem neste post nem fora dele.

Anónimo disse...

Curiosa a maneira como lidam com a crítica os Portugueses...Concordo com o post, acho até que nós temos sido de tal forma Americanizados, que entramos também na infeliz engrenagem do " Ter é Ser ", e no caso Ir é Ser, tenho um bom carro, sou um Homem Rico...tenho uma Mobilida Modernaça, sou sem qualquer sombra de duvida um tipo"Muito à Frente", frequento muitos espétaculos, logo claro que sou uma pessoa Culta...como se a cultura viesse por dosagem...à hora ou por exposição!

Anónimo disse...

sera q V Exa usa perfume? e' que se sim, bolas, já não basta o seu bafo-de-onça, mais a azia, e tanta caganca , ja chateia BOLAS!

essa caganeirice serve para que? nao precebo realmente,
CONSTRUA, NÃO DESTRUA!E MAIS DIFICIL, MAS DA MUITO MAIS GOZO.

Anónimo disse...

Ouça, João, o que a arte muda nas pessoas é rigorosamente nada. O que a arte poderá ter em si de positivo é preencher um espaço que de outra forma pode ser ocupado pelo vício ou pelo fanatismo, não pense é por si só pode tornar o mundo num local melhor, às vezes bem pelo contrário, precisamente porque já ouve quem o quisesse tornar mais belo é que se cometeram as maiores atrocidades da humanidade.

Anónimo disse...

Com ia dizendo JPM :
Calhou-nos a nós, vivermos depois da IIGM, na grande colónia americana da Europa.
Embora tenha havido alguns resistentes (De Gaulle, par example), acabámos por assistir ao triunfo do piorio desta fase:
um deputado espanhol no parlamento portugues, um agente americano como PM com uma comissão de seguida em Bruxelas.
Uma espécie de triunfo dos porcos.

Aladdin Sane disse...

Cito Adolfo Luxúria Canibal, dos Mão Morta que, durante uma actuação, se saiu com esta:

"Não batam palmas, atirem dinheiro!"

Concordo, na generalidade, com os comentários anteriores (li até ao de rg). Mas JG não terá sido elitista. "Purista", eventualmente. Mas (e falo com conhecimento de causa), assisti já a episódios de puro desrespeito pelo público e pelos artistas por parte de espectadores que tentavam entrar a meio de peças de teatro apenas porque a entrada era gratuita. Ou que decidiam puxar do cigarro em pleno auditório durante concertos rock. Aí já não é uma questão de elitismo / massificação. Aí situamo-nos na esfera da educação (em sentido lato).

Anónimo disse...

Mais um post curiosissimo do nosso "dirigente cultural".
Algumas questões:
1- A razão porque JG se considera mais "ungido" e merecedor que qualquer outra pessoa que entre na Gulbenkian pela primeira vez poderia ser interessante de perceber.
2- Mais interessante, dadas as ambições do nosso blogger. perseguidas em "almoços agradabilíssimos", seria saber exactamente o que o indigna nesta ocasião. Concedamos que eram todos uns ignorantões. Quem, exactamente sai prejudicado por irem ouvir Baremboim? Tinha JG melhores planos para aquele (?) dinheiro?
3- Na sua tão predestinada passagem pela administração do S. Carlos terá tido oportunidade de elaborar e pôr em prática este seu desprezo pelos "novos públicos"? Seria da mais elementar importância nacional dar a conhecer o corpus dos seus textos sobre o assunto, enquanto colaborador de alguém, verdadeiramente culto e civilizado, como Pinamonti, que de facto estava a renovar o público da ópera.
4- Até quando teremos que suportar as destruições causadas por estes veteranos do frágil/1979? Será que o disco do Otello que Ribeiro da Fonte pôs a tocar para o jovem Gonçalves era edição de um único exemplar? Ungimentos pungentes

João Gonçalves disse...

Oh Wiilcum, ajoelhe-se.

Anónimo disse...

Ó João Gonçalves, olhe que a interjeição que aplica acima devia ser de chamamento - Ó - e não de espanto - Oh.