19.9.09

DA FUNDAÇÃO


Há dias, numa recensão de jornal, disse-se que Oscar Wilde "fundou a literatura gay" quando escreveu De Profundis. Li essa nobre "carta" há mais de vinte anos. E fui relê-la, de propósito, por causa do suposto acto "fundador". Com o devido respeito, não existe uma "literatura gay". Existe ou não existe literatura, isto é, o bom ou o mau uso que determinadas pessoas fazem das palavras redundando o bom uso dela em literatura. O Banquete, do inefável Platão, nesse sentido não teria "fundado" menos a "literatura gay" do que a extraordinária carta de Wilde escrita a partir da prisão. Só porque é dirigida ao amante cujo pai "denunciou" (para usar a maravilhosa ideia de "delação" de Mário Crespo) o autor à polícia, "funda" um género? Não funda. Mais. Aquilo a que, ultimamente, em nome dos costumes mundialmente ditos fracturantes se tem vindo a chamar de "literatura gay" é, salvo minúsculas excepções, pura subliteratura. Um bom texto não se define por uma preferência sexual determinada do autor nem esta preferência define necessariamente um bom texto. Bibliotecas inteiras - de prosa, poesia, ensaio, teatro, whatever - estão aí para o demonstrar. De Profundis é um dos melhores escritos de Wilde mas não "funda" coisa alguma. É uma longa meditação sobre a vida, a arte, a religião, os homens, a sociedade, etc, etc. a pretexto de uma situação concreta da existência do autor e do destinatário da carta. Wilde estava a escrever mais para a sua posteridade (mesmo que ela não existisse nunca) do que a Bosie, o pobre pusilânime de serviço que ele amou, com uma carinha laroca e pretensões poéticas. Às tantas, referindo-se a Jesus, Wilde afirma que Cristo «would not hear of life being sacrificed to any system of thought or morals» e que «he pointed out that forms and ceremonies were made for man, not man for forms and ceremonies.» O mesmo se pode dizer da verdadeira literatura. Para quê enfiá-la num armário quando é dele que se está sempre a querer sair?

3 comentários:

Anónimo disse...

Será que Shakespeare também era literatura gay? Afinal, ele dedica os sonetos a um homem...

godinho disse...

Nem mais.

joshua disse...

Chapeau!