«Uma república onde não caibam os poetas não lembra ao diabo e talvez só lhe sirva a ele. Todavia, lembrou a Platão. Entendeu que do seu mundinho perfeito deveriam ser expulsos Homero, Ésquilo, Píndaro e Sófocles, só para citar alguns dos gigantes sobre cujos ombros ele, o contador de Sócrates, assentava. É certamente digno de riso e mereceu bem todos os sarcasmos abençoados que Diógenes lhe dedicou. Isto não retira grandeza a Platão, apenas lhe retira algum brilho. Ou, melhor dizendo, apenas lhe confere um lado sombrio, como é próprio dos astros que gravitam em redor das estrelas. As suas destilações políticas, de resto, são o mais pobre que a sua filosofia tem, não tanto ao nível do diagnóstico, mas de todo ao nível da terapia. E aí inaugura uma galeria de tecelões da utopia e tricotadeiras da felicidade pública que teve no hirsuto Marx o último - tanto quanto o mais rasteiro e lamentável - dos epígonos. Platão, aliás, como castigo (ou recompensa), merecia visitar, em peregrinação turística, a União Soviética das sistemáticas purgas e atestar, na realidade concreta, da excelência das suas receitas. Entretanto, podemos constatar como esta "educação pela fábula" nunca foi tão efectiva e exuberante como nestes nossos dias. Dispenso-me de enunciar algumas das principais. Quem tiver olhos que veja; quem tiver coração que pense.»
Dragoscópio
Dragoscópio
2 comentários:
Interessante texto.Platão (na "República") efectivamente exilava os poetas porque criavam mitos falsos e desviavam os jovens da Filosofia. Mas curiosamente ele próprio usou os mitos nos primeiros diálogos(mais socráticos) e não estou seguro que tambem afastasse os dramaturgos. Mas como se sabe na prática Platão foi um desastre como conselheiro do tirano de Siracusa(Hieron,salvo erro) e deixou para sempre uma fundada desconfiança sobre uma "república de filósofos".Há um livro sobre a questão aqui colocada,da University of Chicago Press,sob o título "Exiling the Poets",de que não recordo de momento o nome da autora,mas fácil de pesquisar na Net. A linhagem Platão - Marx já foi evidenciada pelo insigne Popper na "Open Society". Tem toda a razão.
Caro João Gonçalves,
Depois de ler o citado livro de Popper, Platão passou para as calendas. A vida é demasiado curta... Este seu aviso às criancinhas só lhe fica bem.
Agora ando a ler as Aves de Aristófanes, mais adequado aos tempos que correm. Só falha ser uma comédia porque a tragédia está à porta.
Cumprimentos,
Paulo
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