Estive a ler um bom bocado do último livrinho das memórias de José Hermano Saraiva. Passa-se na década de 60 e era então professor no famoso Instituto de Estudos Ultramarinos, à Junqueira, que ficou sempre conhecido pela escola de Adriano Moreira - com benevolência - ou pelo curso "da banana", com maldade. Percebo pelas palavras de Saraiva que, apesar da admiração pelo fulgor e pela inteligência de Adriano, não se gramavam. Aliás, Saraiva faz questão de frisar que é a única pessoa com quem não mantém relações. Esta leitura coincidiu com uma entrevista que Mário Crespo efectuou ao antigo ministro do Ultramar a propósito da inevitável presidência europeia. De facto, Adriano Moreira é um caso sui generis. Tudo lhe aconteceu ou muito cedo, ou muito tarde. Foi, muito novo, secretário de Estado e depois ministro de Salazar. Saiu cedo. Podia ter sido um "delfim" até porque, a avaliar por um texto de Vitorino Magalhães Godinho, escrito na altura em Moreira o varreu do seu Instituto - a ele e a outros como Jorge Dias -, possuia todos os "requisitos". O que lhe sobrava em manha, faltava-lhe, segundo Godinho, em "ciência", mas isso são contas de outro rosário. No Instituto, comportou-se sempre como um supra-Salazar. Assim se manteve até ao "25" onde, como era de esperar, sofreu uns safanões. Com a emergência das universidades privadas, Moreira aparece a dar aulas, muito concorridas, à António Maria Cardoso. Até eu, na ingenuidade deslumbrada dos meus dezanove anos, corri a ouvi-lo. Também dirigiu o CDS onde acabou por filiar-se. Recordo ter ido ouvi-lo num comício no Pavilhão dos Desportos e de o homem, com o entusiasmo, às tantas já falar como se não tivessem passado vinte anos. O resultado é conhecido. Apadrinhou Manuel Monteiro e este resultado também é conhecido. Moreira, estulto como sempre foi, adoptou a democracia e a democracia adoptou-o a ele. É tão consensual e venerado como o último democrata ou o primeiro anti-fascista. É escutado em silêncio e arrebatado na exposição. Convence pela retórica sempre luminosa. Aquando do apoucamento das universidades por este governo e por este Gago, não os poupou à sua acutilância. Não quer dizer que, se for preciso e se lhe acenarem com a veneração e o respeito a que está habituado, não lhes devolva o cumprimento. Adriano Moreira, numa palavra, aguentou-se. É um sobrevivente da sua própria história, em alguns momentos - como os relatados no 3º volume das memórias de Saraiva -, desagradável. Não admira, pois, que este regime o tenha como "senador" por entre Mário Soares, Dias Loureiro, João Salgueiro, Freitas do Amaral ou, até, já Jorge Coelho. Moreira sempre foi um institucionalista e, para o pior e para o melhor, esta gente já tem trinta anos disto enquanto ele tem seguramente mais umas boas duas dezenas deles. Como se costuma dizer, ele é que os topa. Eles, coitados, nunca o toparam.
7 comentários:
Caro João,
Se me permites, estás a exaltar em demasia apesar de tudo. E a cair no erro de quase todas as 'análises' acerca de AM . complicar o que me parece ser muito mais simples.
AM é um homem de regime. De todos. Mas conseguiu sempre forjar a atitude de quem o é mas nunca o querendo ser. Faz parte do regime - deste e do outro -, integra a sua Corte, beneficia das suas prebendas, mas ostenta uma aparência de quem até nem concorda com aquilo que apoia.
Foi salazarista ganrantindo que o não era. Democrata jurando que não gostava 'desta' democracia. Foi um conservador que apoiou Sampaio para continuar a ter acesso ao Paço.
Como homem deixa pouco.
Como ministro teve pouco tempo mas conseguiu deixar o mistério da mulher fatal e do político esperto: a expectativa.
Como Professor a sua Escola e os seus seguidores falam por si: J.J. Gonçalves, Fernando Seara, Nánáránánáná Coissóróró...
Como dirigente partidário quase matou o CDS.
Como responsável pela Missão de avaliar o ensino superior, envergonhou o país e foi cúmplice na fraude que a OCDE teve de denunciar (agora condena a Reforma que a sua acção despoletou).
No fundo, foi excelente a fazer aquilo que os portugueses tano gostam de devotar as sua energias: a cuidar da sua vidinha...
não está mal visto..
A não perder, em contraposição ao elegante testemunho do Prof. José Hermano Saraiva, o livrinho "Saneamento Nacional" editado pelo Prof. Adriano Moreira logo após o "25", para se desculpar e "morder" nos Prof. Marcelo Caetano e J. Hermano Saraiva, sem lhes chamar pelo nome e apenas se lhes referindo deselegantemente como "o último Presidente do Conselho da Constituição de 1933" e " o seu pequeno Ministro da Educação" .
A reler também as referências cordiais de Marcelo Caetano a A.M. no “Depoimento”.
Uma direita que não se entende e se fragilizou, desde a incapacidade de Salazar, até porque nas suas fileiras se introduziram os liberais, os tais que estão em todas sem pensar sobre coisa alguma, sempre modernos e actuais, em beneficio próprio.
R.A.I.
Uma espécie de Salazar, portanto, mas ainda mais fraquinho. Não é isso?
Só vi duas pessoas não terem complexos frente ao Adriano e aos seus tiques de grande senhor, Silva Marques e Pacheco Pereira na Assembleia. Tudo o resto do PCP ao CDS era o maior respeitinho. Um dia em que ele se armava em grande democrata arrogante para os outros lembraram-lhe que como ministro das Colónias tinha responsabilidade dirceta pela Pide, para além da obscura história de como passou da oposição para o regime. Fiquei a respeita-los pelo desassombro, mas eles sabiam com quem falavam.
Adriano, Ministro do Ultramar X Salazar.
Dois canários na mesma gaiola, razão para ficar só um.
Palavras do padre Alberto Neto, um dos católicos da capela do Rato em 72/73, numa da suas aulas no liceu D. João de Castro, primeira década de sessenta.
«(...)Moreira, estulto como sempre foi(...)».
Estulto ?!!
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