17.7.05

O AZUL

1. Pela primeira vez na minha vida, experimento um "café internet". E cedo aos Jaquinzinhos. Gosto do peixe - não como outra coisa -, contemplo o mar - não quero outra coisa -, reparo, embrutecido, nas pessoas ao meu lado - são inexplicavelmente sempre a mesma coisa - e leio uma boa surpresa de setecentas páginas, bem traduzidas por Pedro Serras Pereira, chamada "A história secreta", de Donna Tartt (penso que é assim que ela se chama), muito curiosamente referenciado pelos nossos "jornalistas culturais". O calhamaço jazia lá em casa e eu ainda não tinha dado por ele.
2. Acontece que também leio jornais e vejo (alguma) televisão. A supressão do Ballet Gulbenkian pela "culta" e esfíngica Teresa Patrício Gouveia, com a conivência dos não menos "cultos" Vieira Nery, Pereira Leal e Rui Vilar, releva como acto de "gestão", prático e desembaraçado, como convém aos dias de hoje. Eu não falo pelos outros e muito menos pelos que andaram a pavonear-se pelos jardins da Gulbenkian ou a exibir "petições" infantis. Falo apenas por mim, por ter sido privado de mais uma coisa de que gostava.
3. Soube do desaparecimento de Piero Cappucilli, um dos maiores barítonos verdianos da sua geração. Tive a ventura de o ver e escutar num São Carlos de 1983, num tempo em que ele - o teatro- era manifestamente vivo. Era então presidente do Teatro o dr. Serra Formigal, porventura o último director que o Teatro teve. Nessa altura, a maior parte dos analfabetos que perora agora nos jornais sobre "crítica musical", pura e simplesmente não existia. Cappucilli ofereceu-me, numa récita inesperada de "Um Baile de Máscaras" em que não houve greve, uma versão inesquecível, ao lado de um Carlo Bergonzi em permanente fim de carreira. Estávamos, pois, todos vivos. Até o Teatro - ao que parece, transformado num restaurante com plateia e camarotes para papalvos absorverem - também era, imagine-se.
4. Carrilho continua a sua caminhada imparável para o desastre. Eu só posso lamentar. Com uma lista de putativos vereadores assaz medíocre - li qualquer coisa que o seu "número dois" disse contra Carmona e fiquei esclarecido sobre a natureza do ilustre desconhecido -, com o dr. Coelho a "puxar" pela esposa do candidato, com a "factura" apresentada pelos apoios errados e oportunistas, e o mais que há-de por aí aparecer, espero o pior. É pena. Há mais de um ano, quando a aventura solitária de Carrilho prometia e muitos dele desconfiavam, fui dos primeiros a testemunhar-lhe apoio. Estou completamente à vontade, por isso, para o ir zurzindo sempre que achar conveniente. Para que não digam que ninguém avisou.
5. Vejo, sem alegria, mas com ironia, que o país oficial continua a afundar-se mansamente. Quando reparei no "elenco" do Conselho de Estado reunido no final da semana para tratar da Europa - que certamente não deixou de "reparar" em nós e na nossa maravilhosa "opinião"(o comunicado do PR é uma pérola) -, percebi tudo. Até o dr. Campos Cunha não quis ficar atrás e escreveu um pequeno texto a prometer-nos mais privações em 2006. Para não falar na "nata" banqueira, sempre tão querida da nossa "opinião" editorialista, na versão Ulrich. O cavalheiro pretende redimir a pátria cortando 10% nos salários de toda a gente e privar-nos de gozar o que de melhor ainda temos, o mar. Se eu fosse o Luíz Pacheco, respondia-lhe.
6. Finalmente, e mesmo antes de se declarar candidato, Manuel Alegre já tem garantida a sua estátua em Coimbra. Tudo indica que Sócrates o vai "engolir", a ele e a toda aquela magnífica retórica anti-fascista e "combatente" que faz mexer o bardo e os seus "apoiantes". Eu acho bem. Tem boa figura e uma voz extraordinária. Apareça, pois, nas presidenciais. Cá o esperamos.
7. A vida devia ser só e exclusivamente isto, o azul.

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