A VOTAR
1. Não há outra maneira de dizer isto. Durão Barroso, ao trocar a função de primeiro-ministro por um alto cargo funcionário na Europa, traíu o eleitorado que nele votou para promover uma política alternativa à do último Guterres, o de 2000 e de 2001. Em certo sentido, este abandono culminou o percurso retorcido do "tempo novo" anunciado por Barroso em 2002. Entalado entre a espada e a parede, Barroso escolheu uma janela com vista.
2. À excepção de um pequeno grupo de mal formados, onde se incluem Vasco Pulido Valente e Mário Soares, toda a gente acha magnífica a deriva europeia do ainda chefe do governo. O ar basbaque e de puro gozo infantil com que Barroso respondeu ontem às perguntas dos jornalistas em Bruxelas, denota o alívio com que deixou cá dentro o caos. Portugal tem mais motivos para se orgulhar da sua selecção de futebol (eu estou completamente à vontade para dizer isto) do que da sinecura funcionária de Barroso. Não há memória de nenhum país, com um seu nacional titular da presidência da Comissão, ter sido particularmente beneficiado por esse facto. À excepção de Delors, que tinha densidade política, os seus sucessores limitaram-se praticamente a gerir a rotina comunitária, deixando naturalmente o palco para quem manda. Como eles, Barroso será pouco mais do que a estátua do acquis communautaire que se leva de reunião em reunião.
3. O PSD, no recato do seu conselho nacional, escolhe amanhã Santana Lopes para presidir ao partido. Sempre que a escolha dependeu da vontade directa dos militantes, Santana nunca ganhou uma eleição interna. Vai agora ser sagrado administrativamente por um pequeno bando de dependentes. Cá fora, os seus vassalos de sempre e uns quantos inesperados, animam, sem discrição nenhuma, a sua "campanha" para outros lances. Com a mesma naturalidade com que é candidato a tudo e ao seu contrário, Santana também trocará sem quaisquer problemas de consciência o cargo para que foi eleito, se ocorrer o "chamamento". E assim sucessivamente. Para não me confundir com esta salada estragada, prefiro mandar o meu cartão de militante com 20 anos de casa ao sr. secretário geral do partido e partir rapidamente para "outra".
4. Barroso depositou as consequências da sua privada ambição nas mãos trémulas de Jorge Sampaio. A solicitude inicial do Presidente e o seu deslumbramento pelas novas funções do primeiro ministro, deram azo a este cortejo inusitado de audições e à dúvida. Quando Sampaio percebeu até que ponto tinha dado lastro à via dinástica de Barroso, já era tarde. A sua presente angústia não o deve fazer esquecer para que é que foi eleito. E a sua visão burocrática dos deveres constitucionais não se pode sobrepôr à inerente condição puramente política da solução desta crise não anunciada. Num momento em que alguns andam a perder a passo rápido e estugado a vergonha, o Chefe do Estado, por respeito por si próprio, pelos que o elegeram e pela nobreza democrática da função singular que exerce, só tem uma solução. Chamar-nos a votar.
«Somos poucos mas vale a pena construir cidades e morrer de pé.» Ruy Cinatti joaogoncalv@gmail.com
30.6.04
29.6.04
O SACRIFÍCIO
O País ficou a saber que não passou pela cabeça de Santana Lopes ser candidato ao que quer que fosse, nas actuais circunstâncias. Nem sequer foi "convidado"- Ele -explicou- está a "trabalhar" na Câmara. De resto -continuou- está apenas, como de costume, "disponível". A sua "disponibilidade" conta já com apoios significativos. Os Srs. Pinto da Costa, Moita Flores, Filipe Menezes, Pedro Duarte, João Jardim e essa benção de Abril que são os "autarcas", no caso, laranjas, contam-se entre os indefectíveis de Santana para os voos que melhor o inspirarem. Até o circunspecto cristão Paulo Teixeira Pinto acha que Santana fará melhor do que Barroso, se for para o governo. Tirando um ou outro caso de forma de vida inteligente, tudo o resto é trivial e pura e simplesmente inane. São nossos velhos conhecidos. Manuela Ferreira Leite preside a um conselho nacional do PSD que inclui muita desta colheita. Por isso, a sua posição séria sobre esta grave peripécia não surge do acaso. Os estimáveis bonzos do aparelho exigem tranquilidade e tencionam manifestá-lo o mais depressa possível, sem congressos. Querem tornar Santana incontornável. Ele também se acha incontornável, naturalmente. Apesar de nunca ter ganho uma eleição para a liderança, Santana deve estar a pensar que chegou o momento de fazer valer toda a sua subtileza superficial ao "serviço da Nação". Espero que alguém faça o favor de o poupar (e a nós) a tamanho sacrifício.
PS: Luis Filipe Menezes, o soba populista de Gaia, proferiu nas televisões um ataque miserável, idiota e saloio a José Pacheco Pereira, na ânsia de defender o seu "estadista". Disse que, ao contrário dele, Pacheco não ia a votos. Que se saiba, Pacheco foi para o Parlamento Europeu na sequência das eleições europeias de 1999 onde foi "cabeça de lista" do PSD. Também me lembro de o ter apoiado, em 1997, numas eleições para a distrital de Lisboa do PSD, e que as ganhou. Disputou ainda as eleições legislativas de 95, por Aveiro, e foi candidato a uma Câmara, Loures. Pacheco não precisa que o defendam. Menezes é que devia seguir a máxima brasileira: mais vale estar calado passando por parvo, do que abrir a boca e acabar com as dúvidas. Uma versão ligeiramente mais sofisticada do argumentário Menezes & Cia., dadas as respectivas "competências" jornalísticas, encontra-se no blogue O Acidental.
O País ficou a saber que não passou pela cabeça de Santana Lopes ser candidato ao que quer que fosse, nas actuais circunstâncias. Nem sequer foi "convidado"- Ele -explicou- está a "trabalhar" na Câmara. De resto -continuou- está apenas, como de costume, "disponível". A sua "disponibilidade" conta já com apoios significativos. Os Srs. Pinto da Costa, Moita Flores, Filipe Menezes, Pedro Duarte, João Jardim e essa benção de Abril que são os "autarcas", no caso, laranjas, contam-se entre os indefectíveis de Santana para os voos que melhor o inspirarem. Até o circunspecto cristão Paulo Teixeira Pinto acha que Santana fará melhor do que Barroso, se for para o governo. Tirando um ou outro caso de forma de vida inteligente, tudo o resto é trivial e pura e simplesmente inane. São nossos velhos conhecidos. Manuela Ferreira Leite preside a um conselho nacional do PSD que inclui muita desta colheita. Por isso, a sua posição séria sobre esta grave peripécia não surge do acaso. Os estimáveis bonzos do aparelho exigem tranquilidade e tencionam manifestá-lo o mais depressa possível, sem congressos. Querem tornar Santana incontornável. Ele também se acha incontornável, naturalmente. Apesar de nunca ter ganho uma eleição para a liderança, Santana deve estar a pensar que chegou o momento de fazer valer toda a sua subtileza superficial ao "serviço da Nação". Espero que alguém faça o favor de o poupar (e a nós) a tamanho sacrifício.
PS: Luis Filipe Menezes, o soba populista de Gaia, proferiu nas televisões um ataque miserável, idiota e saloio a José Pacheco Pereira, na ânsia de defender o seu "estadista". Disse que, ao contrário dele, Pacheco não ia a votos. Que se saiba, Pacheco foi para o Parlamento Europeu na sequência das eleições europeias de 1999 onde foi "cabeça de lista" do PSD. Também me lembro de o ter apoiado, em 1997, numas eleições para a distrital de Lisboa do PSD, e que as ganhou. Disputou ainda as eleições legislativas de 95, por Aveiro, e foi candidato a uma Câmara, Loures. Pacheco não precisa que o defendam. Menezes é que devia seguir a máxima brasileira: mais vale estar calado passando por parvo, do que abrir a boca e acabar com as dúvidas. Uma versão ligeiramente mais sofisticada do argumentário Menezes & Cia., dadas as respectivas "competências" jornalísticas, encontra-se no blogue O Acidental.
GLOSSÁRIO CRÍTICO
Procedi a um intervalo na minha misantropia para acompanhar o carrocel mágico de Durão Barroso, neste "número" dividido entre o País e a Europa. Descobri pelo Barnabé que Paulo Querido instituiu um blogue/debate em que podem ser afixados posts relacionados com esta "temática". Chama-se CPeC - Crise Política em Curso - Blog agregador de entradas sobre a situação política em Portugal e está aqui. Já lá pus uns quantos. Olhando para trás, verifico que no Portugal dos Pequeninos apareceram "alertas" sobre a natureza de alguns dos personagens agora debatidos. Para ajudar à compreensão do que pode estar em causa, vou juntando ao CPeC algumas dessas reflexões de circunstância.
Procedi a um intervalo na minha misantropia para acompanhar o carrocel mágico de Durão Barroso, neste "número" dividido entre o País e a Europa. Descobri pelo Barnabé que Paulo Querido instituiu um blogue/debate em que podem ser afixados posts relacionados com esta "temática". Chama-se CPeC - Crise Política em Curso - Blog agregador de entradas sobre a situação política em Portugal e está aqui. Já lá pus uns quantos. Olhando para trás, verifico que no Portugal dos Pequeninos apareceram "alertas" sobre a natureza de alguns dos personagens agora debatidos. Para ajudar à compreensão do que pode estar em causa, vou juntando ao CPeC algumas dessas reflexões de circunstância.
28.6.04
O CADÁVER EM FÉRIAS
No jantar que antecedeu a cimeira da NATO, em Istambul, Durão Barroso passeava-se já entre os grandes deste mundo como se fosse genuinamente um deles. Deve olhar com desprezo e comiseração para a telenovela doméstica que ele mesmo engendrou. Para quê- pensará- preocupar-me com ninharias e gente pequenina se posso ser um arremedo de "poderoso"? Por isso só falará quando bem entender. Decididamente o seu reino não é mais o deste nosso mísero canto. Percebe-se porquê. Contudo, da cabeça de Barroso à realidade circundante ainda vai uma razoável distância. Basta percorrer a imprensa internacional para se perceber que o homem não foi escolhido pelos seus específicos méritos. A UE é um compromisso permanente e volátil em que Barroso conta apenas como peça menor. A indulgência e a vontade dos que verdadeiramente mandam, permitiram esta sua repentina ascese europeia, uma saída mais do que airosa para o previsível impasse da sua coligação de governo em crescente declínio. A Itália não foi particularmente beneficiada com a estadia do Sr. Prodi em Bruxelas, da mesma forma que, descontando o parolismo provinciano que se revê deliciado na prebenda europeia, Portugal o não será por lá ter um dos seus. Compreende-se que, num momento em que chega ao fim o Euro 2004, e em que o "desígnio nacional" termina, o mais tardar, no fim de semana, seja necessário agarrar um novo. Sucede que a deriva europeia de Barroso diz muito pouco ao comum português, mais legitimamente preocupado com as "suas coisinhas". Longe vai o "confiem em mim" do congresso do PSD ou o "manter o mesmo rumo" da noite das eleições europeias. Barroso fez literalmente tábua-rasa de si próprio e da sua "confiança". E não nos avisou. Nestes precisos termos, a "estabilidade" por que reclamam ele, o Dr. Sampaio, o Dr. Telmo e o Dr. Santana, acabou. O que se vai passar nos próximos dias é a pura demonstração de que ela, a "estabilidade", não passa de um cadáver em férias.
No jantar que antecedeu a cimeira da NATO, em Istambul, Durão Barroso passeava-se já entre os grandes deste mundo como se fosse genuinamente um deles. Deve olhar com desprezo e comiseração para a telenovela doméstica que ele mesmo engendrou. Para quê- pensará- preocupar-me com ninharias e gente pequenina se posso ser um arremedo de "poderoso"? Por isso só falará quando bem entender. Decididamente o seu reino não é mais o deste nosso mísero canto. Percebe-se porquê. Contudo, da cabeça de Barroso à realidade circundante ainda vai uma razoável distância. Basta percorrer a imprensa internacional para se perceber que o homem não foi escolhido pelos seus específicos méritos. A UE é um compromisso permanente e volátil em que Barroso conta apenas como peça menor. A indulgência e a vontade dos que verdadeiramente mandam, permitiram esta sua repentina ascese europeia, uma saída mais do que airosa para o previsível impasse da sua coligação de governo em crescente declínio. A Itália não foi particularmente beneficiada com a estadia do Sr. Prodi em Bruxelas, da mesma forma que, descontando o parolismo provinciano que se revê deliciado na prebenda europeia, Portugal o não será por lá ter um dos seus. Compreende-se que, num momento em que chega ao fim o Euro 2004, e em que o "desígnio nacional" termina, o mais tardar, no fim de semana, seja necessário agarrar um novo. Sucede que a deriva europeia de Barroso diz muito pouco ao comum português, mais legitimamente preocupado com as "suas coisinhas". Longe vai o "confiem em mim" do congresso do PSD ou o "manter o mesmo rumo" da noite das eleições europeias. Barroso fez literalmente tábua-rasa de si próprio e da sua "confiança". E não nos avisou. Nestes precisos termos, a "estabilidade" por que reclamam ele, o Dr. Sampaio, o Dr. Telmo e o Dr. Santana, acabou. O que se vai passar nos próximos dias é a pura demonstração de que ela, a "estabilidade", não passa de um cadáver em férias.
27.6.04
SUNDAY BLOODY SUNDAY
1. Como tenho repetidamente escrito neste blogue, com o à-vontade de quem apoiou as criaturas noutras ocasiões, a eventual ascensão da dupla populista Santana/Portas à liderança da "coligação" e do governo da Nação, é um caso sério. Seria como que uma desforra póstuma da derrota de 13 de Junho, para Portas, uma consagração de secretaria, para Santana, e uma sumária irresponsabilidade para o País.
2. Ao contrário do que se "especula", não se deve esperar nenhuma turbulência extraordinária no Conselho Nacional do PSD. Com mais ou menos ruído, os "conselheiros" apoiarão tranquilamente o sucessor de Barroso. Eu conheço-os. O tempo é dos "marcos antónios" do PSD. Quem é que se atreveria a pôr agora em causa o "poder" e as milhares de sinecuras entretanto distribuídas?
3. Se Pedro Santana Lopes sair da Câmara Municipal de Lisboa e for substituído por Pedro Pinto ou Helena Lopes da Costa, deve ser afixado um édito a decretar quinze dias de riso municipal antes do luto.
4. Como de costume, o Senhor Presidente da República teve, acerca do assunto, um tardio acesso de indignação. É tardio porque Sampaio deixou avançar a "sucessão Ming" sem um murmúrio e sem (aparentemente) a contrariar na intimidade institucional do seu gabinete. As notícias não caíram nas televisões e nos jornais por acaso. A sua margem de manobra é, agora, claramente limitada.
5. Também não se deve esperar grande coisa de Marcelo Rebelo de Sousa, alguém que poderia, com eventual sucesso, recandidatar-se à liderança do Partido num congresso que devia ser imediatamente realizado. As palavrinhas que trocou há dias com Barroso, no sossego de São Bento, devem ter amortecido as críticas anunciadas. E a hipótese de Belém é sempre comercializável.
6. Como muitos portugueses, recebi uma "sms" a apelar à participação numa manifestação contra Santana Lopes primeiro-ministro. Na minha modesta opinião, não se combate o populismo com mais populismo. Façam de Santana uma "vítima" e depois queixem-se.
PS: Em vez de perder tempo com manifestações, vale mais a pena continuar a ler o JPP/Abrupto e os excelentes posts de hoje do Opiniondesmaker, do Almocreve e do Causa Nossa.
Nem sequer é o meu caso, porém...
Está no Barnabé...
Bom senso laranja...
Marques Mendes critica violentamente todo o processo de sucessão de Durão Barroso. O ministro dos Assuntos Parlamentares, em declarações à TVI, defende a realização de um Congresso que legitime o futuro líder do PSD. Caso contrário, diz Marques Mendes, Pedro Santana Lopes não vai passar de um líder e de um primeiro-ministro escolhido na secretaria, com legitimidade política reduzida. É a contestação a subir de tom e a surgir do próprio Governo.
Ainda em declarações à TVI, Marques Mendes argumenta que «qualquer Congresso marcado depois de Pedro Santana Lopes ser nomeado primeiro-ministro é um falso Congresso, ou seja, é apenas uma cerimónia protocolar de consagração que não tem peso político».
Marques Mendes vai ainda mais longe e considera que Santana Lopes «é um líder sem legitimidade política real» o que põe em causa o funcionamento do novo Governo. Segundo as suas palavras, a solução encontrada «não cria condições para existir autoridade e eficácia no novo Governo».
Marques Mendes é o primeiro membro da equipa de Durão Barroso a pronunciar-se sobre a sucessão do primeiro-ministro. E, segundo Marques Mendes, não cabe a Durão Barroso nomear um sucessor. O próximo primeiro-ministro deve ser escolhido pelo partido. Marques Mendes justifica: «até porque o último Congresso limitou-se a renovar a legitimidade de Durão Barroso».
(in TVI)
1. Como tenho repetidamente escrito neste blogue, com o à-vontade de quem apoiou as criaturas noutras ocasiões, a eventual ascensão da dupla populista Santana/Portas à liderança da "coligação" e do governo da Nação, é um caso sério. Seria como que uma desforra póstuma da derrota de 13 de Junho, para Portas, uma consagração de secretaria, para Santana, e uma sumária irresponsabilidade para o País.
2. Ao contrário do que se "especula", não se deve esperar nenhuma turbulência extraordinária no Conselho Nacional do PSD. Com mais ou menos ruído, os "conselheiros" apoiarão tranquilamente o sucessor de Barroso. Eu conheço-os. O tempo é dos "marcos antónios" do PSD. Quem é que se atreveria a pôr agora em causa o "poder" e as milhares de sinecuras entretanto distribuídas?
3. Se Pedro Santana Lopes sair da Câmara Municipal de Lisboa e for substituído por Pedro Pinto ou Helena Lopes da Costa, deve ser afixado um édito a decretar quinze dias de riso municipal antes do luto.
4. Como de costume, o Senhor Presidente da República teve, acerca do assunto, um tardio acesso de indignação. É tardio porque Sampaio deixou avançar a "sucessão Ming" sem um murmúrio e sem (aparentemente) a contrariar na intimidade institucional do seu gabinete. As notícias não caíram nas televisões e nos jornais por acaso. A sua margem de manobra é, agora, claramente limitada.
5. Também não se deve esperar grande coisa de Marcelo Rebelo de Sousa, alguém que poderia, com eventual sucesso, recandidatar-se à liderança do Partido num congresso que devia ser imediatamente realizado. As palavrinhas que trocou há dias com Barroso, no sossego de São Bento, devem ter amortecido as críticas anunciadas. E a hipótese de Belém é sempre comercializável.
6. Como muitos portugueses, recebi uma "sms" a apelar à participação numa manifestação contra Santana Lopes primeiro-ministro. Na minha modesta opinião, não se combate o populismo com mais populismo. Façam de Santana uma "vítima" e depois queixem-se.
PS: Em vez de perder tempo com manifestações, vale mais a pena continuar a ler o JPP/Abrupto e os excelentes posts de hoje do Opiniondesmaker, do Almocreve e do Causa Nossa.
Nem sequer é o meu caso, porém...
Está no Barnabé...
Bom senso laranja...
Marques Mendes critica violentamente todo o processo de sucessão de Durão Barroso. O ministro dos Assuntos Parlamentares, em declarações à TVI, defende a realização de um Congresso que legitime o futuro líder do PSD. Caso contrário, diz Marques Mendes, Pedro Santana Lopes não vai passar de um líder e de um primeiro-ministro escolhido na secretaria, com legitimidade política reduzida. É a contestação a subir de tom e a surgir do próprio Governo.
Ainda em declarações à TVI, Marques Mendes argumenta que «qualquer Congresso marcado depois de Pedro Santana Lopes ser nomeado primeiro-ministro é um falso Congresso, ou seja, é apenas uma cerimónia protocolar de consagração que não tem peso político».
Marques Mendes vai ainda mais longe e considera que Santana Lopes «é um líder sem legitimidade política real» o que põe em causa o funcionamento do novo Governo. Segundo as suas palavras, a solução encontrada «não cria condições para existir autoridade e eficácia no novo Governo».
Marques Mendes é o primeiro membro da equipa de Durão Barroso a pronunciar-se sobre a sucessão do primeiro-ministro. E, segundo Marques Mendes, não cabe a Durão Barroso nomear um sucessor. O próximo primeiro-ministro deve ser escolhido pelo partido. Marques Mendes justifica: «até porque o último Congresso limitou-se a renovar a legitimidade de Durão Barroso».
(in TVI)
26.6.04
O CÉU É O LIMITE
No comentário que fez ao resultado do Portugal-Inglaterra, Durão Barroso disse que "o céu é o limite". Os "desenvolvimentos" das últimas horas provam-no, e não é por causa do futebol. Ver Barroso ocupar um cargo político de relevância mundial, não me deixa indiferente. Tratou bem da vida dele. Quanto ao resto, já temos o Sr. Scolari. Contudo, não é possível desligar isto da política doméstica. Bruxelas representa o fim abrupto do "barrosismo" e, num certo sentido, da "sua" coligação. Coloca, ou colocaria em qualquer país sério, um problema de legitimidade política para o futuro imediato. Barroso foi escolhido pelos eleitores para ser primeiro-ministro. Santana Lopes foi votado para exercer um mandato de presidente de câmara. Passar por cima disto, com o alto patrocínio do Senhor Presidente da República, é "tropicalizar" ainda mais a pobre vida cívica nacional. O biombo jurídico-constitucional que permite inequivocamente à actual maioria "gerar" uma solução governativa, não pode constituir desculpa para a emergência de uma "nova dinastia Ming" a partir da Lapa e do Caldas. Nem Barroso nem Santana podem orgulhar-se excessivamente do exercício dos respectivos mandatos. E não se recomendam particularmente como "exemplos" nas respectivas áreas executivas. Apesar de tudo, Barroso era o único elemento "unificador" do actual regime. Sem ele, passa-se automaticamente para "outra coisa". Habita em Santana uma incontornável e perigosa "leveza do ser", vivamente aplaudida por Paulo Portas, que o pode recomendar para tudo menos para ser chefe de governo. A preciosa "estabilidade" do Dr. Sampaio vale tudo? Se vale, realmente o céu é o limite.
PS: Não vale a pena perder tempo a comentar as "opiniões" de lacaios como Luis Delgado. O que me espanta é a pusilanimidade com que outros "comentadores" falam de Santana Lopes como putativo primeiro-ministro. Ainda um dia se terá que contar a verdadeira história da sua "boa imprensa"... Pobre país, como escreve simplesmente o Pacheco Pereira.
No comentário que fez ao resultado do Portugal-Inglaterra, Durão Barroso disse que "o céu é o limite". Os "desenvolvimentos" das últimas horas provam-no, e não é por causa do futebol. Ver Barroso ocupar um cargo político de relevância mundial, não me deixa indiferente. Tratou bem da vida dele. Quanto ao resto, já temos o Sr. Scolari. Contudo, não é possível desligar isto da política doméstica. Bruxelas representa o fim abrupto do "barrosismo" e, num certo sentido, da "sua" coligação. Coloca, ou colocaria em qualquer país sério, um problema de legitimidade política para o futuro imediato. Barroso foi escolhido pelos eleitores para ser primeiro-ministro. Santana Lopes foi votado para exercer um mandato de presidente de câmara. Passar por cima disto, com o alto patrocínio do Senhor Presidente da República, é "tropicalizar" ainda mais a pobre vida cívica nacional. O biombo jurídico-constitucional que permite inequivocamente à actual maioria "gerar" uma solução governativa, não pode constituir desculpa para a emergência de uma "nova dinastia Ming" a partir da Lapa e do Caldas. Nem Barroso nem Santana podem orgulhar-se excessivamente do exercício dos respectivos mandatos. E não se recomendam particularmente como "exemplos" nas respectivas áreas executivas. Apesar de tudo, Barroso era o único elemento "unificador" do actual regime. Sem ele, passa-se automaticamente para "outra coisa". Habita em Santana uma incontornável e perigosa "leveza do ser", vivamente aplaudida por Paulo Portas, que o pode recomendar para tudo menos para ser chefe de governo. A preciosa "estabilidade" do Dr. Sampaio vale tudo? Se vale, realmente o céu é o limite.
PS: Não vale a pena perder tempo a comentar as "opiniões" de lacaios como Luis Delgado. O que me espanta é a pusilanimidade com que outros "comentadores" falam de Santana Lopes como putativo primeiro-ministro. Ainda um dia se terá que contar a verdadeira história da sua "boa imprensa"... Pobre país, como escreve simplesmente o Pacheco Pereira.
23.6.04
NA MESMA
O Dr. Telmo, uma insuportabilidade convencida que chefia o PP no Parlamento, explicou ao país que o seu partido não perdeu nada nas "europeias". Sem máquina de calcular e com papel, Telmo devolveu o desastre do dia 13 inteiramente ao PSD. Na sua matemática, o PP deve valer uns 10 % e, tivesse ele avançado sozinho, os dois deputados que sonegou ao PSD em coligação, de qualquer maneira, seriam sempre seus. É com esta aritmética, imagino, que o Dr. Nobre Guedes, outra luminária do grupo e assaz próximo do "querido líder", prevê uma coligação para 20 anos! Um ironista inesperado, este Guedes. Entretanto, para esconder o transe governativo e distraír os mais atentos do lento desmembramento da "força Portugal", foram postas em marcha umas quantas manobras de informação e de contra-informação, ligadas, umas, à coligação, e outras relativas ao primeiro-ministro. Este já deve ter percebido que o "aparelho laranja" não vê a hora de se ver livre dos amigos do Dr. Portas, com ele naturalmente à cabeça. Daqui para diante qualquer pretexto vai servir e, no momento adequado, ninguém chorará a coligação. A curta matemática do Dr. Telmo foi, nessa medida, uma preciosa ajuda. Por outro lado, e para que o país compreenda o grande estadista que tem à frente do seu governo, foi criada esta extraordinária "história" da presidência da Comissão Europeia para Barroso. Pelo caminho, como era de esperar, ficou Vitorino de novo a despontar para o anonimato. A volúpia silenciosa de Barroso é particularmente eloquente. Em condições "normais", o primeiro-ministro já teria vindo confirmar ou infirmar a consistência do ruído, dada a suposta importância do cargo de chefe do executivo, e reafirmar que "estamos em boas mãos". Contudo, graças ao estado anestésico deliberadamente alimentado pelo governo em torno do Euro, o país encara com indiferença e ignorância estas peripécias puramente "políticas". Se quisermos ver as coisas pelo pior lado, dir-se-ia que o "futuro" de Durão Barroso não é manifestamente uma preocupação concreta dos portugueses. Eu suspeito que tudo isto não passa de um "teste" que Barroso impôs a si próprio e aos seus infelizes acólitos. Quando tudo virar poeira, deverá seguir-se o conselho de Lampedusa. Barroso mudará alguma alguma coisa para que tudo fique na mesma.
O Dr. Telmo, uma insuportabilidade convencida que chefia o PP no Parlamento, explicou ao país que o seu partido não perdeu nada nas "europeias". Sem máquina de calcular e com papel, Telmo devolveu o desastre do dia 13 inteiramente ao PSD. Na sua matemática, o PP deve valer uns 10 % e, tivesse ele avançado sozinho, os dois deputados que sonegou ao PSD em coligação, de qualquer maneira, seriam sempre seus. É com esta aritmética, imagino, que o Dr. Nobre Guedes, outra luminária do grupo e assaz próximo do "querido líder", prevê uma coligação para 20 anos! Um ironista inesperado, este Guedes. Entretanto, para esconder o transe governativo e distraír os mais atentos do lento desmembramento da "força Portugal", foram postas em marcha umas quantas manobras de informação e de contra-informação, ligadas, umas, à coligação, e outras relativas ao primeiro-ministro. Este já deve ter percebido que o "aparelho laranja" não vê a hora de se ver livre dos amigos do Dr. Portas, com ele naturalmente à cabeça. Daqui para diante qualquer pretexto vai servir e, no momento adequado, ninguém chorará a coligação. A curta matemática do Dr. Telmo foi, nessa medida, uma preciosa ajuda. Por outro lado, e para que o país compreenda o grande estadista que tem à frente do seu governo, foi criada esta extraordinária "história" da presidência da Comissão Europeia para Barroso. Pelo caminho, como era de esperar, ficou Vitorino de novo a despontar para o anonimato. A volúpia silenciosa de Barroso é particularmente eloquente. Em condições "normais", o primeiro-ministro já teria vindo confirmar ou infirmar a consistência do ruído, dada a suposta importância do cargo de chefe do executivo, e reafirmar que "estamos em boas mãos". Contudo, graças ao estado anestésico deliberadamente alimentado pelo governo em torno do Euro, o país encara com indiferença e ignorância estas peripécias puramente "políticas". Se quisermos ver as coisas pelo pior lado, dir-se-ia que o "futuro" de Durão Barroso não é manifestamente uma preocupação concreta dos portugueses. Eu suspeito que tudo isto não passa de um "teste" que Barroso impôs a si próprio e aos seus infelizes acólitos. Quando tudo virar poeira, deverá seguir-se o conselho de Lampedusa. Barroso mudará alguma alguma coisa para que tudo fique na mesma.
22.6.04
PATRIOTISMO
De acordo com a "moda", eu não posso ser considerado um "bom português". É-me indiferente o destino da selecção do Sr. Scolari. Não exibo bandeiras nem no carro nem na janelas. Não uso definitivamente cachecóis. Não buzino nem mostro os mamilos no Marquês de Pombal. Bebo moderadamente a minha cerveja, em casa, com as refeições. E só vou a Alcochete para comer. Para além do mais, estimo muito Shakespeare e A. J. P. Taylor. Decididamente eu não sou um "bom português". Há uma coisa, porém, que me consola e com a qual eu pretendo elevar o meu patriotismo. Refiro-me à nossa língua e, nesta, à nossa poesia. Em hora de tremenda frivolidade nacional, deixo aqui dois poemas de um amigo, o Joaquim Manuel Magalhães, como prova de que, afinal, também sou um patriota. E de que o Joaquim, em qualquer parte de mundo, é um grande poeta.
Amarelo quebrado
As casas ganham um ar mais mortal
na tristeza depois de não ter havido coito.
Vão depressa as nuvens, tão depressa, levam pombos
e telhados agudos com ardósia quebram
em radiações de treva na água aprisionada.
Já tínhamos falado de tudo na véspera,
do adiamento, da sufocação,
mas senti que não seria assim.
Com a garganta ao contrário da Holanda,
seca, incapaz de falar.
Vi os gráficos do sangue empresarial.
Na floração das vendas, o risco suspendia
câmbios de gasolina sobre mim.
Ao som do telefax, um visor de números
era agora o teu rosto.
Por cima do casaco hesitavam as mãos
de novo perdidas no medo de prender-se
ao metal tecido de milagre da saliva.
Eram mãos que não sabiam pousar.
A experiência agora é esta: chamar desamor
à emoção que não entende o que deseja,
confunde os sentimentos numa aridez tão pesada
que nem eu percebo como deixa voar um avião
por este sem fim de céu que traz o fim.
Mas foi horas antes que findou.
Ia a noite avançando, escurecia o hotel
e as mãos ficaram presas. Tanto tempo,
tanto tempo nenhum.
Que por ti perdi
O mar dentro da árvore, as nuvens
dentro da terra sem fim,
a luz. A luz dentro doutra luz
que limitava as mãos e as abria
para outras mãos dentro de um olhar.
Batem na fornalha os ventos.
Um cálice de vidro grosso com o licor
de fermentação caseira. Um prato
com avelãs e nozes e folhas de medronho.
Nas margens as portadas corridas
ganham um halo de candeeiros de rua
que se difunde na fluorescência do televisor,
na palidez rubra das pequenas luzes do rádio.
A última claridade do dia mistura-se
à primeira da noite.
Este vento na auto-estrada onde rebenta a chuva
não me vai forçar o coração; nem estas sebes
ladeadas de cimento suspenderão o voo
do que sou até ao que não és. Mas será
a carícia que no cinto treme, o calor do pescoço
descoberto, os vimes da cadeira donde te levantas
quando estou quase para me sentar.
Entre veios de relva desigual,
valados por cuidar abrigam
máquinas de desolação.
Formações de patos atravessam
o vidro polido do postigo.
O dia bate no jornal pousado
sobre a manta castanha que prende
os joelhos no silêncio de interior.
Outras vezes, as persianas já corridas,
um globo de lona ilumina o livro
na pequena mesa, um arame de flores
pendurado numa trave e o armário
com os objectos de estanho e meditação.
A vida acumulou-se em roldanas ao redor de tudo,
um fumo que sobe durante a noite sobre os mapas
enrolados na parede despida, há tanto nos esquecemos
de os desdobrar, de por eles chegar aos confins
do nosso mundo. E já estamos a desaparecer.
De acordo com a "moda", eu não posso ser considerado um "bom português". É-me indiferente o destino da selecção do Sr. Scolari. Não exibo bandeiras nem no carro nem na janelas. Não uso definitivamente cachecóis. Não buzino nem mostro os mamilos no Marquês de Pombal. Bebo moderadamente a minha cerveja, em casa, com as refeições. E só vou a Alcochete para comer. Para além do mais, estimo muito Shakespeare e A. J. P. Taylor. Decididamente eu não sou um "bom português". Há uma coisa, porém, que me consola e com a qual eu pretendo elevar o meu patriotismo. Refiro-me à nossa língua e, nesta, à nossa poesia. Em hora de tremenda frivolidade nacional, deixo aqui dois poemas de um amigo, o Joaquim Manuel Magalhães, como prova de que, afinal, também sou um patriota. E de que o Joaquim, em qualquer parte de mundo, é um grande poeta.
Amarelo quebrado
As casas ganham um ar mais mortal
na tristeza depois de não ter havido coito.
Vão depressa as nuvens, tão depressa, levam pombos
e telhados agudos com ardósia quebram
em radiações de treva na água aprisionada.
Já tínhamos falado de tudo na véspera,
do adiamento, da sufocação,
mas senti que não seria assim.
Com a garganta ao contrário da Holanda,
seca, incapaz de falar.
Vi os gráficos do sangue empresarial.
Na floração das vendas, o risco suspendia
câmbios de gasolina sobre mim.
Ao som do telefax, um visor de números
era agora o teu rosto.
Por cima do casaco hesitavam as mãos
de novo perdidas no medo de prender-se
ao metal tecido de milagre da saliva.
Eram mãos que não sabiam pousar.
A experiência agora é esta: chamar desamor
à emoção que não entende o que deseja,
confunde os sentimentos numa aridez tão pesada
que nem eu percebo como deixa voar um avião
por este sem fim de céu que traz o fim.
Mas foi horas antes que findou.
Ia a noite avançando, escurecia o hotel
e as mãos ficaram presas. Tanto tempo,
tanto tempo nenhum.
Que por ti perdi
O mar dentro da árvore, as nuvens
dentro da terra sem fim,
a luz. A luz dentro doutra luz
que limitava as mãos e as abria
para outras mãos dentro de um olhar.
Batem na fornalha os ventos.
Um cálice de vidro grosso com o licor
de fermentação caseira. Um prato
com avelãs e nozes e folhas de medronho.
Nas margens as portadas corridas
ganham um halo de candeeiros de rua
que se difunde na fluorescência do televisor,
na palidez rubra das pequenas luzes do rádio.
A última claridade do dia mistura-se
à primeira da noite.
Este vento na auto-estrada onde rebenta a chuva
não me vai forçar o coração; nem estas sebes
ladeadas de cimento suspenderão o voo
do que sou até ao que não és. Mas será
a carícia que no cinto treme, o calor do pescoço
descoberto, os vimes da cadeira donde te levantas
quando estou quase para me sentar.
Entre veios de relva desigual,
valados por cuidar abrigam
máquinas de desolação.
Formações de patos atravessam
o vidro polido do postigo.
O dia bate no jornal pousado
sobre a manta castanha que prende
os joelhos no silêncio de interior.
Outras vezes, as persianas já corridas,
um globo de lona ilumina o livro
na pequena mesa, um arame de flores
pendurado numa trave e o armário
com os objectos de estanho e meditação.
A vida acumulou-se em roldanas ao redor de tudo,
um fumo que sobe durante a noite sobre os mapas
enrolados na parede despida, há tanto nos esquecemos
de os desdobrar, de por eles chegar aos confins
do nosso mundo. E já estamos a desaparecer.
21.6.04
A GRAVATA II
Nem a homilia dominical do Prof. Marcelo escapou à "futebolização". Incapaz de falar sobre qualquer outra coisa e paramentado com o cachecol da praxe, Marcelo limitou-se ontem a seguir o ritmo populista. Sim , porque o "populismo" também inclui a utilização demagógica do futebol. Mais grave do que andar "alcoolizado", desenvolve-se agora um novo "estado" alucinatório, o estar "futebolizado". Este "estado" permite, ao contrário do primeiro, que não se imponham quaisquer barreiras, designadamente ao disparate. As televisões passam horas a mostrar os delírios simiescos dos "adeptos" como se isso fosse notícia. Comentadores encartados e amadores, proferem as maiores vulgaridades como se estivessem a debitar pura ciência. Este ensandecimento por causa do futebol merece ser estudado. É o que tem feito o sociólogo João Nuno Coelho que, para além de gostar, com normalidade, de futebol, também tenta perceber o "fenómeno". Por ser oportuno e pela acutilância das suas observações, reproduzo seguidamente a entrevista que concedeu à Pública do Público de domingo último. Nem toda a gente tem necessariamente que suportar esta canga folclórica que não nos serve rigorosamente para nada.
A Excessiva Importância Social e Política Que Damos ao Futebol É Ditatorial e Asfixiante
Por JOÃO NUNO COELHO
Começou por fazer parte da alta burguesia ligada aos ingleses. Depressa se alargou a todas as classes sociais e Salazar não tardou em usá-lo como instrumento legitimador. Hoje, a sociedade portuguesa está totalmente futebolizada, espelhando um país litoralizado e imobilista. O sociólogo João Nuno Coelho diz que há uma total futebolização da sociedade portuguesa e havemos de pagar um preço depois do Euro 2004.
P. Em que momento é que, em Portugal, o futebol deixou de ser um fenómeno de elites para se democratizar e tornar num espectáculo de massas?
Nos anos 1920 e 1930. O primeiro jogo de futebol envolvendo portugueses foi em 1888, promovido pela aristocracia e alta burguesia de Lisboa, que tinham contactos com os ingleses ou alguns filhos a estudar em Inglaterra, e que trouxeram bolas e começaram, no fundo, a convidar os seus pares para jogar futebol. Até ao final do século XIX, é essa a realidade: um desporto praticado de forma desinteressada, sem estruturas, sem clubes, apenas brincadeira de amigos.
P. Mas expande-se rapidamente a toda a sociedade.
Curiosamente, o futebol teve alguma dificuldade de inserção por causa do Ultimato inglês, que levou a que se considerasse mau tudo o que estivesse conotado com os ingleses. O futebol era, aliás, chamado o "jogo do coice" dos ingleses. Só no início do século XX é que surge o primeiro clube de base claramente popular, quando diversos casapianos se juntam para criar o Sport Lisboa e Benfica (na altura Sport Lisboa de Belém). O Sporting e o Porto, que nasceram também nessa altura, foram criados por pessoas de condição social superior e ainda com muitas ligações aos ingleses.
P. O futebol português não ajudou também a alcandorar à condição de heróis indivíduos de classes baixas?
A popularidade do futebol está muito ligada ao associativismo e às identidades locais. Por volta de 1910, o futebol começa a representar o local em competição com outros locais, proporcionando a sensação de pertença, de fazer parte de algo. É a partir do momento em que se tornam legítimos representantes do local (da nossa cidade do nosso país...) que os jogadores são elevados à condição de heróis. Aquilo que eles dão, no fundo, é a validação da nossa identidade.
P. Essa equiparação dos de condição baixa à condição de heróis não baralhava a lógica salazarista, que promovia a conformação social, o viver pobre e alegremente?
Sim, mas até 1960 não havia profissionalismo no futebol em Portugal. Ninguém podia dizer que havia jogadores profissionais a ganhar imenso dinheiro. Não era legal nem assumido. Ou seja, essa ideia do herói não era correspondida por pagamentos e por capital económico. Por outro lado, Salazar não permitiu que vários jogadores fossem para o estrangeiro. O Eusébio podia ter ido jogar para o estrangeiro ganhar imenso dinheiro nos anos 60, mas foi proibida a sua saída, porque era um símbolo nacional.
P. E daí passa-se para o aproveitamento do futebol enquanto instrumento de afirmação do orgulho pátrio?
Apesar de não gostar nada de futebol, Salazar teve a noção de que ele podia ajudar a manipular os processos identitários. O Benfica (não por culpa sua mas pelo facto de ganhar) tornou-se muito apelativo em termos de discurso identitário. Mas Salazar serviu-se muito do futebol sobretudo na questão da multirracialidade do Império, aproveitando o facto de haver muitos jogadores oriundos das ex-colónias.
P. Isso era usado para legitimar a presença portuguesa nas colónias?
Completamente. Numa altura em que havia enorme pressão internacional no sentido do reconhecimento da independência das colónias, o futebol apresentava essa presença de forma positiva, dando a entender que existia respeito pelos colonizados e uma grande multirracialidade, o que não era verdade.
P. Como é que o futebol, na altura como agora, reproduz a ideia de nação?
O futebol propicia a criação da tal unidade nacional, que é a pedra de toque do nacionalismo, fazendo-nos crer que somos todos iguais, todos portugueses e todos juntos. E esse é o grande perigo, porque esse discurso de unidade facilmente faz esquecer as tais diferenças que são salutares. E porque o futebol faz a tal representação da nação como interesse supremo é que muitas vezes o discurso reproduzido pelos jornalistas e também pelos políticos coloca o interesse da selecção acima de todos os outros interesses, dizendo, em termos simbólicos, que o que interessa é a nação. Aliás, se há ideologia bem sucedida é o nacionalismo, que é apresentado como mais importante do que a própria vida.
P. Que consequências é que isso pode ter no viver colectivo?
O caso português é muito interessante porque faz parte de um conjunto de países em que a identidade nacional está muito ligada ao futebol. E isso decorre, como dizia o [sociólogo] Boaventura Sousa Santos, do défice de produção de cultura e de identidade nacional, na escola e a vários níveis, por parte do Estado português.
P. Que se serve do futebol como muleta para colmatar essa falha?
Sim. E chegamos a esse ponto simbólico que é o Euro 2004, que traduz uma grande e quase patética imaginação do centro: estamos nós a tentar fazer parte do centro. E depois vemos os políticos, que detêm as responsabilidades, a falarem permanentemente da sua importância na auto-estima dos portugueses. É algo que a mim me choca profundamente. Sou um grande apaixonado por futebol, mas acho muito grave ver a auto-estima dos portugueses dependente de um evento futebolístico.
P. Até porque o futebol é um jogo todo ele dominado pela arbitrariedade: a sorte e o azar...
... E por uma bola de futebol que bate num poste e pelo mau momento de um jogador. Estamos a atravessar um momento de total futebolização da sociedade portuguesa. E havemos de pagar um preço, nomeadamente depois do Euro 2004, por esta excessiva importância social e política do futebol, que é ditatorial e asfixiante. Não faz sentido que o futebol profissional, que tem supostamente tantas potencialidades económicas, seja apoiado pelo poder político. O que faz sentido é apoiar o futebol amador.
P. Haverá aqui uma inversão da lógica inicial? A nação usava o futebol para se legitimar e agora é o futebol que se impõe à política.
Na medida em que os políticos esperam que o apoio aos clubes se traduza em votos no dia das eleições. E isso também se passa devido à tal simplicidade do futebol que permite que a maior parte das pessoas o compreenda e se sinta capaz de discutir e de manejar os conceitos. Note que a maior parte das esferas mediatizadas surge como complexas e difíceis de interpretar pelas pessoas, enquanto o futebol é muito simples e por isso é que há tantos treinadores de bancada: as pessoas sentem que controlam esses factores. Para os políticos, a colagem ao futebol é também uma maneira de se tornarem compreendidos.
P. O que é que o futebol português, dentro e fora do campo, diz daquilo que somos?
Por um lado, vemos uma concentração do poder à volta de três clubes. E o facto de os três grandes terem ganho 97 por cento dos títulos diz muito acerca de uma sociedade conservadora e imobilista. E mesmo o Belenenses e o Boavista são clubes das grandes cidades (Lisboa e Porto, respectivamente), o que traduz uma litoralização, uma desigualdade brutal em termos territoriais e sociais. Depois: como é que um fenómeno social que consegue fazer parar o país várias vezes ao ano e abre telejornais e bate recordes de audiência e tem capacidade para vender mais de 300 mil diários desportivos por dia não consegue ter nos estádios mais de uma média de cinco mil espectadores por jogo? O que é que isso diz acerca do processo de mediatização brutal na sociedade portuguesa? O que é que isso diz acerca da participação dos portugueses nas coisas ou da sua acomodação? Acho que diz muito.
P. Então o que é que se está a jogar verdadeiramente no Euro 2004?
O que se devia estar a jogar era um Campeonato da Europa de Futebol, que é realmente uma festa fantástica. O que me parece é que, ao mesmo tempo, se está a jogar essas representações de pequenez e de grandeza, de decadência, de fazer parte do centro...
P. O investimento de dinheiros públicos no evento está à espera de ser justificado com uma vitória portuguesa?
Sem dúvida.
P. O que é que acontece num cenário de derrota?
Há aqui duas coisas diferentes: organização do campeonato e aspecto desportivo. É mais aceitável que corra mal em termos desportivos - embora me preocupe a forma como foi concebida a ideia de que a auto-estima dos portugueses poderá ficar muito melhorada com uma vitória - do que na própria organização do evento. Se a organização falhar, se houver problemas de segurança, então sim, será grave. De resto, não faz sentido que Portugal, com as suas lacunas em termos económicos, organize um campeonato desta dimensão. Os outros países que organizaram campeonatos europeus são centrais: a França, Alemanha, Inglaterra... A Holanda e a Bélgica optaram por organizar juntas o campeonato.
P. A Inglaterra, por exemplo, tem diários desportivos?
Não. Tem imensas revistas e semanários de desporto, mas, em termos de diários, há jornais generalistas com secções de desporto.
P. E como explica o facto de em Portugal haver três diários desportivos?
Talvez porque o futebol cumpre funções muito mais vastas do que seria desejável e racional. Isso decorre também da tal incapacidade de o Estado promover políticas de cultura, de desporto que não só o futebol, de educação. É um factor do nosso subdesenvolvimento.
P. Pode-se dizer que o futebol tem um efeito terapêutico na vida das pessoas?
Não sei se é terapêutico, é com certeza factor de excitação numa sociedade cada vez mais inexcitante, em que as emoções são cada vez mais controladas. Há todo um processo civilizacional que leva ao controlo dos comportamentos e a uma redução cada vez maior dos espaços de transgressão. Nessa medida, o futebol permite um descontrolo controlado das emoções. Mas tenho um cuidado brutal em não me deixar apanhar pelo discurso legitimador, porque o futebol não pode ser tudo na vida, tem que haver outras formas de êxtase.
P. E tem os ingredientes de que se compõe a vida: a arbitrariedade, a sorte e o azar, a meritocracia.
Porque funciona como uma condensação simbólica das sociedades é que o futebol tem tanta popularidade. E tem, além dos factores que referiu, um elemento neutro, o árbitro, que nos permite justificar as derrotas. Se não houvesse esse bode expiatório, seria terrífico, insuportável para algumas pessoas. Aquele senhor que está ali permite que a derrota nunca seja total.
Nem a homilia dominical do Prof. Marcelo escapou à "futebolização". Incapaz de falar sobre qualquer outra coisa e paramentado com o cachecol da praxe, Marcelo limitou-se ontem a seguir o ritmo populista. Sim , porque o "populismo" também inclui a utilização demagógica do futebol. Mais grave do que andar "alcoolizado", desenvolve-se agora um novo "estado" alucinatório, o estar "futebolizado". Este "estado" permite, ao contrário do primeiro, que não se imponham quaisquer barreiras, designadamente ao disparate. As televisões passam horas a mostrar os delírios simiescos dos "adeptos" como se isso fosse notícia. Comentadores encartados e amadores, proferem as maiores vulgaridades como se estivessem a debitar pura ciência. Este ensandecimento por causa do futebol merece ser estudado. É o que tem feito o sociólogo João Nuno Coelho que, para além de gostar, com normalidade, de futebol, também tenta perceber o "fenómeno". Por ser oportuno e pela acutilância das suas observações, reproduzo seguidamente a entrevista que concedeu à Pública do Público de domingo último. Nem toda a gente tem necessariamente que suportar esta canga folclórica que não nos serve rigorosamente para nada.
A Excessiva Importância Social e Política Que Damos ao Futebol É Ditatorial e Asfixiante
Por JOÃO NUNO COELHO
Começou por fazer parte da alta burguesia ligada aos ingleses. Depressa se alargou a todas as classes sociais e Salazar não tardou em usá-lo como instrumento legitimador. Hoje, a sociedade portuguesa está totalmente futebolizada, espelhando um país litoralizado e imobilista. O sociólogo João Nuno Coelho diz que há uma total futebolização da sociedade portuguesa e havemos de pagar um preço depois do Euro 2004.
P. Em que momento é que, em Portugal, o futebol deixou de ser um fenómeno de elites para se democratizar e tornar num espectáculo de massas?
Nos anos 1920 e 1930. O primeiro jogo de futebol envolvendo portugueses foi em 1888, promovido pela aristocracia e alta burguesia de Lisboa, que tinham contactos com os ingleses ou alguns filhos a estudar em Inglaterra, e que trouxeram bolas e começaram, no fundo, a convidar os seus pares para jogar futebol. Até ao final do século XIX, é essa a realidade: um desporto praticado de forma desinteressada, sem estruturas, sem clubes, apenas brincadeira de amigos.
P. Mas expande-se rapidamente a toda a sociedade.
Curiosamente, o futebol teve alguma dificuldade de inserção por causa do Ultimato inglês, que levou a que se considerasse mau tudo o que estivesse conotado com os ingleses. O futebol era, aliás, chamado o "jogo do coice" dos ingleses. Só no início do século XX é que surge o primeiro clube de base claramente popular, quando diversos casapianos se juntam para criar o Sport Lisboa e Benfica (na altura Sport Lisboa de Belém). O Sporting e o Porto, que nasceram também nessa altura, foram criados por pessoas de condição social superior e ainda com muitas ligações aos ingleses.
P. O futebol português não ajudou também a alcandorar à condição de heróis indivíduos de classes baixas?
A popularidade do futebol está muito ligada ao associativismo e às identidades locais. Por volta de 1910, o futebol começa a representar o local em competição com outros locais, proporcionando a sensação de pertença, de fazer parte de algo. É a partir do momento em que se tornam legítimos representantes do local (da nossa cidade do nosso país...) que os jogadores são elevados à condição de heróis. Aquilo que eles dão, no fundo, é a validação da nossa identidade.
P. Essa equiparação dos de condição baixa à condição de heróis não baralhava a lógica salazarista, que promovia a conformação social, o viver pobre e alegremente?
Sim, mas até 1960 não havia profissionalismo no futebol em Portugal. Ninguém podia dizer que havia jogadores profissionais a ganhar imenso dinheiro. Não era legal nem assumido. Ou seja, essa ideia do herói não era correspondida por pagamentos e por capital económico. Por outro lado, Salazar não permitiu que vários jogadores fossem para o estrangeiro. O Eusébio podia ter ido jogar para o estrangeiro ganhar imenso dinheiro nos anos 60, mas foi proibida a sua saída, porque era um símbolo nacional.
P. E daí passa-se para o aproveitamento do futebol enquanto instrumento de afirmação do orgulho pátrio?
Apesar de não gostar nada de futebol, Salazar teve a noção de que ele podia ajudar a manipular os processos identitários. O Benfica (não por culpa sua mas pelo facto de ganhar) tornou-se muito apelativo em termos de discurso identitário. Mas Salazar serviu-se muito do futebol sobretudo na questão da multirracialidade do Império, aproveitando o facto de haver muitos jogadores oriundos das ex-colónias.
P. Isso era usado para legitimar a presença portuguesa nas colónias?
Completamente. Numa altura em que havia enorme pressão internacional no sentido do reconhecimento da independência das colónias, o futebol apresentava essa presença de forma positiva, dando a entender que existia respeito pelos colonizados e uma grande multirracialidade, o que não era verdade.
P. Como é que o futebol, na altura como agora, reproduz a ideia de nação?
O futebol propicia a criação da tal unidade nacional, que é a pedra de toque do nacionalismo, fazendo-nos crer que somos todos iguais, todos portugueses e todos juntos. E esse é o grande perigo, porque esse discurso de unidade facilmente faz esquecer as tais diferenças que são salutares. E porque o futebol faz a tal representação da nação como interesse supremo é que muitas vezes o discurso reproduzido pelos jornalistas e também pelos políticos coloca o interesse da selecção acima de todos os outros interesses, dizendo, em termos simbólicos, que o que interessa é a nação. Aliás, se há ideologia bem sucedida é o nacionalismo, que é apresentado como mais importante do que a própria vida.
P. Que consequências é que isso pode ter no viver colectivo?
O caso português é muito interessante porque faz parte de um conjunto de países em que a identidade nacional está muito ligada ao futebol. E isso decorre, como dizia o [sociólogo] Boaventura Sousa Santos, do défice de produção de cultura e de identidade nacional, na escola e a vários níveis, por parte do Estado português.
P. Que se serve do futebol como muleta para colmatar essa falha?
Sim. E chegamos a esse ponto simbólico que é o Euro 2004, que traduz uma grande e quase patética imaginação do centro: estamos nós a tentar fazer parte do centro. E depois vemos os políticos, que detêm as responsabilidades, a falarem permanentemente da sua importância na auto-estima dos portugueses. É algo que a mim me choca profundamente. Sou um grande apaixonado por futebol, mas acho muito grave ver a auto-estima dos portugueses dependente de um evento futebolístico.
P. Até porque o futebol é um jogo todo ele dominado pela arbitrariedade: a sorte e o azar...
... E por uma bola de futebol que bate num poste e pelo mau momento de um jogador. Estamos a atravessar um momento de total futebolização da sociedade portuguesa. E havemos de pagar um preço, nomeadamente depois do Euro 2004, por esta excessiva importância social e política do futebol, que é ditatorial e asfixiante. Não faz sentido que o futebol profissional, que tem supostamente tantas potencialidades económicas, seja apoiado pelo poder político. O que faz sentido é apoiar o futebol amador.
P. Haverá aqui uma inversão da lógica inicial? A nação usava o futebol para se legitimar e agora é o futebol que se impõe à política.
Na medida em que os políticos esperam que o apoio aos clubes se traduza em votos no dia das eleições. E isso também se passa devido à tal simplicidade do futebol que permite que a maior parte das pessoas o compreenda e se sinta capaz de discutir e de manejar os conceitos. Note que a maior parte das esferas mediatizadas surge como complexas e difíceis de interpretar pelas pessoas, enquanto o futebol é muito simples e por isso é que há tantos treinadores de bancada: as pessoas sentem que controlam esses factores. Para os políticos, a colagem ao futebol é também uma maneira de se tornarem compreendidos.
P. O que é que o futebol português, dentro e fora do campo, diz daquilo que somos?
Por um lado, vemos uma concentração do poder à volta de três clubes. E o facto de os três grandes terem ganho 97 por cento dos títulos diz muito acerca de uma sociedade conservadora e imobilista. E mesmo o Belenenses e o Boavista são clubes das grandes cidades (Lisboa e Porto, respectivamente), o que traduz uma litoralização, uma desigualdade brutal em termos territoriais e sociais. Depois: como é que um fenómeno social que consegue fazer parar o país várias vezes ao ano e abre telejornais e bate recordes de audiência e tem capacidade para vender mais de 300 mil diários desportivos por dia não consegue ter nos estádios mais de uma média de cinco mil espectadores por jogo? O que é que isso diz acerca do processo de mediatização brutal na sociedade portuguesa? O que é que isso diz acerca da participação dos portugueses nas coisas ou da sua acomodação? Acho que diz muito.
P. Então o que é que se está a jogar verdadeiramente no Euro 2004?
O que se devia estar a jogar era um Campeonato da Europa de Futebol, que é realmente uma festa fantástica. O que me parece é que, ao mesmo tempo, se está a jogar essas representações de pequenez e de grandeza, de decadência, de fazer parte do centro...
P. O investimento de dinheiros públicos no evento está à espera de ser justificado com uma vitória portuguesa?
Sem dúvida.
P. O que é que acontece num cenário de derrota?
Há aqui duas coisas diferentes: organização do campeonato e aspecto desportivo. É mais aceitável que corra mal em termos desportivos - embora me preocupe a forma como foi concebida a ideia de que a auto-estima dos portugueses poderá ficar muito melhorada com uma vitória - do que na própria organização do evento. Se a organização falhar, se houver problemas de segurança, então sim, será grave. De resto, não faz sentido que Portugal, com as suas lacunas em termos económicos, organize um campeonato desta dimensão. Os outros países que organizaram campeonatos europeus são centrais: a França, Alemanha, Inglaterra... A Holanda e a Bélgica optaram por organizar juntas o campeonato.
P. A Inglaterra, por exemplo, tem diários desportivos?
Não. Tem imensas revistas e semanários de desporto, mas, em termos de diários, há jornais generalistas com secções de desporto.
P. E como explica o facto de em Portugal haver três diários desportivos?
Talvez porque o futebol cumpre funções muito mais vastas do que seria desejável e racional. Isso decorre também da tal incapacidade de o Estado promover políticas de cultura, de desporto que não só o futebol, de educação. É um factor do nosso subdesenvolvimento.
P. Pode-se dizer que o futebol tem um efeito terapêutico na vida das pessoas?
Não sei se é terapêutico, é com certeza factor de excitação numa sociedade cada vez mais inexcitante, em que as emoções são cada vez mais controladas. Há todo um processo civilizacional que leva ao controlo dos comportamentos e a uma redução cada vez maior dos espaços de transgressão. Nessa medida, o futebol permite um descontrolo controlado das emoções. Mas tenho um cuidado brutal em não me deixar apanhar pelo discurso legitimador, porque o futebol não pode ser tudo na vida, tem que haver outras formas de êxtase.
P. E tem os ingredientes de que se compõe a vida: a arbitrariedade, a sorte e o azar, a meritocracia.
Porque funciona como uma condensação simbólica das sociedades é que o futebol tem tanta popularidade. E tem, além dos factores que referiu, um elemento neutro, o árbitro, que nos permite justificar as derrotas. Se não houvesse esse bode expiatório, seria terrífico, insuportável para algumas pessoas. Aquele senhor que está ali permite que a derrota nunca seja total.
20.6.04
A GRAVATA
Ao som da selvajaria que decorre na rua, aparece-me, na TVI, o sorridente primeiro-ministro. Ninguém o viu há uma semana depois do tremor grego. Já no episódio russo tinha, naturalmente, aparecido. Terá, de facto, motivos para aparecer e para sorrir. Há uma semana-lembram-se?- Barroso e o seu "governo de coligação" perdiam clamorosamente as eleições europeias. Nada melhor para passar uma esponja sobre o ocorrido, do que parasitar umas vitórias no futebol. O governo pode assim prolongar artificialmente, e com a habitual generosidade do "povo" entretido, o seu estado nefelibata, pelo menos, até ao final da futebolada. Barroso, como ele próprio mencionou há oito dias, "entendeu" a mensagem dos portugueses e, por isso, segue a "via de Alcochete": de vitória em vitória, até à derrota final. Para dar algum colorido à ruidosa circunstância, Barroso decidiu exibir uma gravata com as cores da bandeira nacional, para além do inevitável cachecol. O decoro da função e um módico de bom-gosto estético aconselhariam o chefe do governo a poupar-se a tal imagem. O que lhe vale é que, no meio da algazarra, ninguém deve ter dado por ele. Para a história só fica mesmo aquela berrante gravata.
Ao som da selvajaria que decorre na rua, aparece-me, na TVI, o sorridente primeiro-ministro. Ninguém o viu há uma semana depois do tremor grego. Já no episódio russo tinha, naturalmente, aparecido. Terá, de facto, motivos para aparecer e para sorrir. Há uma semana-lembram-se?- Barroso e o seu "governo de coligação" perdiam clamorosamente as eleições europeias. Nada melhor para passar uma esponja sobre o ocorrido, do que parasitar umas vitórias no futebol. O governo pode assim prolongar artificialmente, e com a habitual generosidade do "povo" entretido, o seu estado nefelibata, pelo menos, até ao final da futebolada. Barroso, como ele próprio mencionou há oito dias, "entendeu" a mensagem dos portugueses e, por isso, segue a "via de Alcochete": de vitória em vitória, até à derrota final. Para dar algum colorido à ruidosa circunstância, Barroso decidiu exibir uma gravata com as cores da bandeira nacional, para além do inevitável cachecol. O decoro da função e um módico de bom-gosto estético aconselhariam o chefe do governo a poupar-se a tal imagem. O que lhe vale é que, no meio da algazarra, ninguém deve ter dado por ele. Para a história só fica mesmo aquela berrante gravata.
19.6.04
A GUERRA
O Sr. Scolari, que é um assalariado da notabilidade Madaíl, informou o mundo que, afinal, o jogo da selecção que ele treina, com a Espanha, não é um "jogo": é uma guerra. Este senhor, cujos verdadeiros méritos ainda estão por apurar, excitou da melhor maneira as já excessivamente excitadas bases lusas, recorrendo a este preciosismo linguístico-histórico. Do outro lado, o Sr. Camacho, a quem também já foi proporcionado conhecer a lusa valia, veio dizer que "os portugueses não funcionam bem sob pressão". Neste Euro, depois da humilhação grega, por causa da "pressão" e das vedetas cansadas, era no mínimo esperável a derrota dos encalorados e pouco animados russos. Deu, pelo menos, para três dias de júbilo nacional e para os jogadores manterem alguma "grace under pressure". Em matéria de "guerra" com a Espanha, porém, os antecedentes históricos recomendam alguma prudência. Suspeito que a "pressão" e a "guerra" inventada pelo Sr. Scolari irão produzir um mau resultado, como aconteceu no passado, e não estou a pensar só no futebol. Tudo isto podia, no entanto, ter sido evitado. Bastava não ter havido um 1 º de Dezembro, há quase quatrocentos anos atrás. Como escrevi na "comemoração" do ano passado, olhando ao País que somos e ao que a Espanha é, o episódio do 1º de Dezembro e respectivas sequelas bem podem ter representado um passo atrás. Da mesma forma que me considero federalista, já fui mais céptico quanto a ser "iberista". Entre outras vantagens, teríamos sido poupados a esta discussão idiota acerca de uma desnecessária revisão constitucional e poderíamos ter construído um sólido corpo de elites em diversas áreas, cuja falta se sente cada vez mais, desde as universidades a S. Bento, passando pela administração pública e pela "sociedade civil". O desastre de Alcácer Quibir levou-nos as poucas que possuíamos. E daí em diante é o que se sabe. Assim como estamos agora, julgamo-nos independentes, contentinhos e "europeus". Não estará porventura no momento de voltar a atirar alguém, de novo, pela janela?
O Sr. Scolari, que é um assalariado da notabilidade Madaíl, informou o mundo que, afinal, o jogo da selecção que ele treina, com a Espanha, não é um "jogo": é uma guerra. Este senhor, cujos verdadeiros méritos ainda estão por apurar, excitou da melhor maneira as já excessivamente excitadas bases lusas, recorrendo a este preciosismo linguístico-histórico. Do outro lado, o Sr. Camacho, a quem também já foi proporcionado conhecer a lusa valia, veio dizer que "os portugueses não funcionam bem sob pressão". Neste Euro, depois da humilhação grega, por causa da "pressão" e das vedetas cansadas, era no mínimo esperável a derrota dos encalorados e pouco animados russos. Deu, pelo menos, para três dias de júbilo nacional e para os jogadores manterem alguma "grace under pressure". Em matéria de "guerra" com a Espanha, porém, os antecedentes históricos recomendam alguma prudência. Suspeito que a "pressão" e a "guerra" inventada pelo Sr. Scolari irão produzir um mau resultado, como aconteceu no passado, e não estou a pensar só no futebol. Tudo isto podia, no entanto, ter sido evitado. Bastava não ter havido um 1 º de Dezembro, há quase quatrocentos anos atrás. Como escrevi na "comemoração" do ano passado, olhando ao País que somos e ao que a Espanha é, o episódio do 1º de Dezembro e respectivas sequelas bem podem ter representado um passo atrás. Da mesma forma que me considero federalista, já fui mais céptico quanto a ser "iberista". Entre outras vantagens, teríamos sido poupados a esta discussão idiota acerca de uma desnecessária revisão constitucional e poderíamos ter construído um sólido corpo de elites em diversas áreas, cuja falta se sente cada vez mais, desde as universidades a S. Bento, passando pela administração pública e pela "sociedade civil". O desastre de Alcácer Quibir levou-nos as poucas que possuíamos. E daí em diante é o que se sabe. Assim como estamos agora, julgamo-nos independentes, contentinhos e "europeus". Não estará porventura no momento de voltar a atirar alguém, de novo, pela janela?
18.6.04
A GRANDE ILUSÃO
Inebriado com a vitória nas eleições europeias, o líder do PS anunciou uma recandidatura extemporânea ao cargo de secretário-geral. O que é que nós (e o partido) ganhámos com isso? Nada. O infinito labirinto das secções, subsecções e federações que constituem o PS, aproveitaram o infeliz "embalo" de Ferro Rodrigues para, depois de um bom resultado, evidenciarem a sua intrínseca e estreita natureza, esquecendo-se do país. Os seus "narcisos e seabras" de estimação nem sequer um inquérito mereciam. Para a purificação imediata do ar, a porta da rua, nestes casos, devia ser a serventia da casa. Sucede que o PS, nestas eleições, ganhou apenas cerca de dezanove mil votos a mais, em relação a 1999. A "coligação" perdeu mais de duzentos e trinta mil. Ou seja, os portugueses demonstraram não estimar particularmente o Dr. Barroso, o que não quer nitidamente dizer que se vão atirar já para os braços do Dr. Ferro ou de qualquer outro. Não vão. O eleitorado não gosta do governo, mas está ainda longe de confiar no PS ao ponto de lhe devolver a governança. Os punhais afiaram-se um pouco mais entretanto. Os delíquios dos putativos candidatos a líder, incluindo o actual, nada dizem ao eleitorado do "centro" que o PS precisa conquistar, sem alienar o seu "património". Tudo o mais é uma grande ilusão.
Inebriado com a vitória nas eleições europeias, o líder do PS anunciou uma recandidatura extemporânea ao cargo de secretário-geral. O que é que nós (e o partido) ganhámos com isso? Nada. O infinito labirinto das secções, subsecções e federações que constituem o PS, aproveitaram o infeliz "embalo" de Ferro Rodrigues para, depois de um bom resultado, evidenciarem a sua intrínseca e estreita natureza, esquecendo-se do país. Os seus "narcisos e seabras" de estimação nem sequer um inquérito mereciam. Para a purificação imediata do ar, a porta da rua, nestes casos, devia ser a serventia da casa. Sucede que o PS, nestas eleições, ganhou apenas cerca de dezanove mil votos a mais, em relação a 1999. A "coligação" perdeu mais de duzentos e trinta mil. Ou seja, os portugueses demonstraram não estimar particularmente o Dr. Barroso, o que não quer nitidamente dizer que se vão atirar já para os braços do Dr. Ferro ou de qualquer outro. Não vão. O eleitorado não gosta do governo, mas está ainda longe de confiar no PS ao ponto de lhe devolver a governança. Os punhais afiaram-se um pouco mais entretanto. Os delíquios dos putativos candidatos a líder, incluindo o actual, nada dizem ao eleitorado do "centro" que o PS precisa conquistar, sem alienar o seu "património". Tudo o mais é uma grande ilusão.
17.6.04
16.6.04
O FILHO DA MÃE
Há, em Portugal, a insuportável mania de associar o comportamento de uma determinada pessoa à circunstância de ser pai, filho, primo, amante, mulher ou marido de a, b ou c. Para o tabloidismo vigente, o que conta não é a insignificância ou a gravidade do comportamento, mas antes a relação familiar ou outra que possa unir o visado a uma determinada figura pública. O caso mais extraordinário passou-se com o "processo Casa Pia", em que praticamente todo o país era suspeito, em virtude de quase toda a gente estar ligada a quase toda a gente, fosse lá por que fosse. Agora, numa acção policial perfeitamente rotineira de combate ao tráfico de estupefacientes, foram detidos não sei quantos indivíduos anódinos. De entre eles, o cidadão Miguel Beleza mereceu a distinção dos tablóides, não em virtude de ser suspeito de ter cometido um delito do foro criminal, como todos os outros cujos nomes e formas de vida ignoramos, mas por ser filho "daquela" mãe, Leonor Beleza. A relação filial, julgo eu, é completamente irrelevante para a caracterização do suposto delito. Porém é essa "verdade" que interessa exclusivamente "passar". Não há nenhum "facto político" nesta detenção para além da forma insinuosa como é divulgada. Esta mentalidade vulgar de porteira intriguista (com o devido respeito pela função das porteiras) que os jornais e as televisões exploram à exaustão, babando-se de gozo incontido, é apenas mais uma imitação grosseira de maus hábitos importados, sem respeito nenhum pela intimidade e pela infelicidade alheias.
Há, em Portugal, a insuportável mania de associar o comportamento de uma determinada pessoa à circunstância de ser pai, filho, primo, amante, mulher ou marido de a, b ou c. Para o tabloidismo vigente, o que conta não é a insignificância ou a gravidade do comportamento, mas antes a relação familiar ou outra que possa unir o visado a uma determinada figura pública. O caso mais extraordinário passou-se com o "processo Casa Pia", em que praticamente todo o país era suspeito, em virtude de quase toda a gente estar ligada a quase toda a gente, fosse lá por que fosse. Agora, numa acção policial perfeitamente rotineira de combate ao tráfico de estupefacientes, foram detidos não sei quantos indivíduos anódinos. De entre eles, o cidadão Miguel Beleza mereceu a distinção dos tablóides, não em virtude de ser suspeito de ter cometido um delito do foro criminal, como todos os outros cujos nomes e formas de vida ignoramos, mas por ser filho "daquela" mãe, Leonor Beleza. A relação filial, julgo eu, é completamente irrelevante para a caracterização do suposto delito. Porém é essa "verdade" que interessa exclusivamente "passar". Não há nenhum "facto político" nesta detenção para além da forma insinuosa como é divulgada. Esta mentalidade vulgar de porteira intriguista (com o devido respeito pela função das porteiras) que os jornais e as televisões exploram à exaustão, babando-se de gozo incontido, é apenas mais uma imitação grosseira de maus hábitos importados, sem respeito nenhum pela intimidade e pela infelicidade alheias.
15.6.04
MELHORES TEMPOS
A SIC Notícias tem um programa mensal com Mário Soares, de seu nome Sociedade Aberta. Dada a hora a que passa, não creio que seja visto por muita gente. Este último programa serviu a Soares para fazer o "rescaldo" das eleições europeias. Retive três ou quatro "deixas" fundamentais. A primeira, a de que, por mais que o primeiro-ministro "mexa" no governo, este já não tem grande remédio. A segunda, dirigida a Cavaco Silva, no sentido de este dever "repensar" uma candidatura presidencial apoiada na derrotada coligação. A terceira, para o PS, que precisa rapidamente de saber se Guterres quer ser candidato para, em devido tempo, partir para "outra". Finalmente, e ainda no âmbito do PS, Soares aconselhou Paulo Pedroso a manter alguma prudência no seu regresso à política activa enquanto subsistem recursos de decisões judiciais. Os próximos tempos adivinham-se parcos quanto à qualidade do "pessoal político", independentemente do "lado" para que se olhe. A lucidez serena e a intuição de Mário Soares continuam a ser um bálsamo numa sociedade ainda demasiadamente acrítica e civicamente imatura. Depois de o ouvir, uma vez mais desejei que ele pudesse ser, de novo, candidato a um mandato presidencial. Seria uma transição tranquila e segura para melhores tempos.
A SIC Notícias tem um programa mensal com Mário Soares, de seu nome Sociedade Aberta. Dada a hora a que passa, não creio que seja visto por muita gente. Este último programa serviu a Soares para fazer o "rescaldo" das eleições europeias. Retive três ou quatro "deixas" fundamentais. A primeira, a de que, por mais que o primeiro-ministro "mexa" no governo, este já não tem grande remédio. A segunda, dirigida a Cavaco Silva, no sentido de este dever "repensar" uma candidatura presidencial apoiada na derrotada coligação. A terceira, para o PS, que precisa rapidamente de saber se Guterres quer ser candidato para, em devido tempo, partir para "outra". Finalmente, e ainda no âmbito do PS, Soares aconselhou Paulo Pedroso a manter alguma prudência no seu regresso à política activa enquanto subsistem recursos de decisões judiciais. Os próximos tempos adivinham-se parcos quanto à qualidade do "pessoal político", independentemente do "lado" para que se olhe. A lucidez serena e a intuição de Mário Soares continuam a ser um bálsamo numa sociedade ainda demasiadamente acrítica e civicamente imatura. Depois de o ouvir, uma vez mais desejei que ele pudesse ser, de novo, candidato a um mandato presidencial. Seria uma transição tranquila e segura para melhores tempos.
14.6.04
O PREÇO
Escrevi aqui outro dia que o PSD estava acantonado numa coligação que o envergonhava e que o diminuía. Quanto à vergonha, as declarações de ontem dos principais "responsáveis", mostram que ela continua irremediavelmente perdida. O "rumo certo" que os portugueses decididamente não apreciam, disse-se, é para seguir, provavelmente até ao fundo. No resto, o PSD não só saiu diminuído desta aventura infeliz com o PP, um partido decididamente sem qualquer expressão eleitoral, como acabou amarfanhado pelo seu próprio eleitorado. Internamente "ganhou" o PP, que manteve os seus dois euro-deputados, enquanto o PSD alienou alguns dos seus. Pior humilhação do que esta era impossível. Se eu bem conheço o "povo laranja", a intriga já deve estar instalada. Santana Lopes- quem mais?- escolheu os ares frescos de Monsanto para falar de "autismo", guardando prudente distância do local da catástrofe. Menezes, ao norte, conhecido medium da seita, forneceu rostos e nomes à derrota, para puro consumo seu. Se olhar em redor, Durão Barroso verificará instintivamente que não tem grande margem de manobra. Se os "melhores" lhe falharam logo em 2002, quem é que agora estará disponível (à excepção de alguns patos-bravos de terceira linha) para a recomposição inevitável do ramalhete? Barroso por sua culpa, sua máxima culpa, ficou mais isolado. O Dr. Portas tornou-se, a partir daqui, numa irrelevância carissima. Em democracia representativa, contam todos os votos expressos. O resultado foi bem claro. Para já, o eleitorado não parece disposto a pagar o preço dessa irrelevância. A prazo, não muito longo, o PSD também não.
Escrevi aqui outro dia que o PSD estava acantonado numa coligação que o envergonhava e que o diminuía. Quanto à vergonha, as declarações de ontem dos principais "responsáveis", mostram que ela continua irremediavelmente perdida. O "rumo certo" que os portugueses decididamente não apreciam, disse-se, é para seguir, provavelmente até ao fundo. No resto, o PSD não só saiu diminuído desta aventura infeliz com o PP, um partido decididamente sem qualquer expressão eleitoral, como acabou amarfanhado pelo seu próprio eleitorado. Internamente "ganhou" o PP, que manteve os seus dois euro-deputados, enquanto o PSD alienou alguns dos seus. Pior humilhação do que esta era impossível. Se eu bem conheço o "povo laranja", a intriga já deve estar instalada. Santana Lopes- quem mais?- escolheu os ares frescos de Monsanto para falar de "autismo", guardando prudente distância do local da catástrofe. Menezes, ao norte, conhecido medium da seita, forneceu rostos e nomes à derrota, para puro consumo seu. Se olhar em redor, Durão Barroso verificará instintivamente que não tem grande margem de manobra. Se os "melhores" lhe falharam logo em 2002, quem é que agora estará disponível (à excepção de alguns patos-bravos de terceira linha) para a recomposição inevitável do ramalhete? Barroso por sua culpa, sua máxima culpa, ficou mais isolado. O Dr. Portas tornou-se, a partir daqui, numa irrelevância carissima. Em democracia representativa, contam todos os votos expressos. O resultado foi bem claro. Para já, o eleitorado não parece disposto a pagar o preço dessa irrelevância. A prazo, não muito longo, o PSD também não.
13.6.04
OS VILÕES DO DIA
A poderosa e sábia herança clássica, de Homero a Tucídides, derrotou ontem, pelas pernas de uns jogadores de futebol, a gloriosa selecção nacional. Confesso que olho para um jogo de futebol com o mesmo desprendimento que um apreciador de calendários de senhoras nuas olha para uma tela de Picasso. Do que vi-porque vi- pareceu-me que os filhos de Píndaro manobraram melhor o "esférico" do que as lusas estrelas. Nem tudo foi mau. Os portugueses conseguiram a proeza de, pela primeira vez em mais de vinte anos, a equipa anfitriã do EURO perder o primeiro jogo "em casa". Não fui eu quem depositou toda a "esperança nacional" nos pés de onze homens. Por isso, o mais significativo episódio de ontem foi a chamada "reacção oficial". Não houve nenhuma. Nas patéticas romarias a Alcochete, que incluíram desde as mais altas figuras do Estado ao fadista Carlos do Carmo, toda a gente quis aparecer ao lado dos putativos "heróis nacionais" que estavam prestes a devolver-nos a "confiança" perdida e, em versão mais colorida, a própria "retoma" económica. Antes do jogo começar, ainda esta mesmas figuras dissertavam abundantemente sobre o sucesso que estava a chegar. Lugubremente não chegou. Se o resultado tivesse sido outro, em vez dos jogadores, teríamos tido direito aos mesmos oficiais e oficiosos pela noite dentro. Quais cães por vinhas vindimadas, porém, esta gente desapareceu rapidamente de cena, deixando o palco por inteiro aos malogrados jogadores, vistos, com a habitual hipocrisia e ingratidão nacionais, como os vilões do dia.
A poderosa e sábia herança clássica, de Homero a Tucídides, derrotou ontem, pelas pernas de uns jogadores de futebol, a gloriosa selecção nacional. Confesso que olho para um jogo de futebol com o mesmo desprendimento que um apreciador de calendários de senhoras nuas olha para uma tela de Picasso. Do que vi-porque vi- pareceu-me que os filhos de Píndaro manobraram melhor o "esférico" do que as lusas estrelas. Nem tudo foi mau. Os portugueses conseguiram a proeza de, pela primeira vez em mais de vinte anos, a equipa anfitriã do EURO perder o primeiro jogo "em casa". Não fui eu quem depositou toda a "esperança nacional" nos pés de onze homens. Por isso, o mais significativo episódio de ontem foi a chamada "reacção oficial". Não houve nenhuma. Nas patéticas romarias a Alcochete, que incluíram desde as mais altas figuras do Estado ao fadista Carlos do Carmo, toda a gente quis aparecer ao lado dos putativos "heróis nacionais" que estavam prestes a devolver-nos a "confiança" perdida e, em versão mais colorida, a própria "retoma" económica. Antes do jogo começar, ainda esta mesmas figuras dissertavam abundantemente sobre o sucesso que estava a chegar. Lugubremente não chegou. Se o resultado tivesse sido outro, em vez dos jogadores, teríamos tido direito aos mesmos oficiais e oficiosos pela noite dentro. Quais cães por vinhas vindimadas, porém, esta gente desapareceu rapidamente de cena, deixando o palco por inteiro aos malogrados jogadores, vistos, com a habitual hipocrisia e ingratidão nacionais, como os vilões do dia.
11.6.04
LUTA CONTÍNUA
Este blogue completa hoje um ano. O primeiro título que me ocorreu, roubei-o a Marcel Proust, "os prazeres e os dias". Porém, antes de começar, compreendi de imediato a puerilidade do exercício. Proust, esse fino narrador de ambientes e de "estados de alma", ilustre membro da "classe dos nervosos", não merecia ser convocado a umas meras frases de circunstância, ora sobre eminências esquecíveis, ora sobre "factos" e "não factos", e totalmente irrelevantes para o bem estar da humanidade. Aliás, o que me convocava a experimentar esta -na altura- "febre" bloguista, não passava precisamente disso mesmo, experimentar. Rapidamente troquei o título inicial pelo "portugal dos pequeninos". Na altura justifiquei a opção:
Não se trata de um blog destinado a enaltecer a obra coimbrã de Bissaia Barreto. O Portugal de que se fala é o País onde tudo ou quase tudo é "pequenino": a política, o Estado, o crime, o combate ao crime, a cultura, a comunicação social, a cidadania, a sexualidade, a sardinha, etc, etc. Até nós: a epígrafe de O'Neill continha um "lapsus scriptae" , em boa hora emendado, graças à oportuna chamada de atenção do Prof. Abel Barros Baptista. Neste blog procuraremos surpreender o quotidiano nacional - e não só - no que ele possa conter de ameaça à efectiva realização de uma "política democrática" e às liberdades individuais, no sentido que lhes atribuem os pragmatistas ironistas e liberais, como o americano Richard Rorty, felizmente com algumas traduções entre nós. Talvez esta citação de Rorty nos ajude a explicitar o sentido deste blog, se é que ele tem de ter algum:
"Uso o termo "ironista" para designar o tipo de pessoa que encara frontalmente a contingência das suas próprias crenças e dos seus próprios desejos mais centrais - alguém suficientemente historicista e nominalista para ter abandonado a ideia de que essas crenças de desejos centrais estão relacionados com algo situado para além do tempo e do acaso. Os ironistas liberais são pessoas que incluem entre esses desejos infundáveis a sua esperança de que o sofrimento venha a diminuir e de que a humilhação causada a seres humanos por outros seres humanos possa terminar."
(in Richard Rorty, Contingência, Ironia e Solidariedade, trad. de Nuno Ferreira da Fonseca, Ed. Presença)
Visto isto à distância de um ano, que não é nada, julgo não me ter afastado demasiadamente deste propósito. Nestes textos tem aparecido alguma coisa de que gosto e muita de que decididamente não gosto. Em certo sentido, este blogue "cresceu" numa direcção inesperada. Há nele muito mais "desprazer" do que jubilação. A culpa não é minha. Quando Miguel Sousa Tavares reuniu em livro as suas crónicas do "guterrismo", chamou-lhes "os anos perdidos". O "portugal dos pequeninos" tem sido fundamentalmente a minha privada "crónica" do "ano perdido" por Durão Barroso, alguém em que eu confiei, e de uma "ambição" em que eu deixei de acreditar. Provavelmente nunca chegou a existir qualquer "ambição" e eu estaria equivocado quanto a Barroso. Um ano passa depressa. Há muitas outras coisas que não. É uma luta contínua.
Este blogue completa hoje um ano. O primeiro título que me ocorreu, roubei-o a Marcel Proust, "os prazeres e os dias". Porém, antes de começar, compreendi de imediato a puerilidade do exercício. Proust, esse fino narrador de ambientes e de "estados de alma", ilustre membro da "classe dos nervosos", não merecia ser convocado a umas meras frases de circunstância, ora sobre eminências esquecíveis, ora sobre "factos" e "não factos", e totalmente irrelevantes para o bem estar da humanidade. Aliás, o que me convocava a experimentar esta -na altura- "febre" bloguista, não passava precisamente disso mesmo, experimentar. Rapidamente troquei o título inicial pelo "portugal dos pequeninos". Na altura justifiquei a opção:
Não se trata de um blog destinado a enaltecer a obra coimbrã de Bissaia Barreto. O Portugal de que se fala é o País onde tudo ou quase tudo é "pequenino": a política, o Estado, o crime, o combate ao crime, a cultura, a comunicação social, a cidadania, a sexualidade, a sardinha, etc, etc. Até nós: a epígrafe de O'Neill continha um "lapsus scriptae" , em boa hora emendado, graças à oportuna chamada de atenção do Prof. Abel Barros Baptista. Neste blog procuraremos surpreender o quotidiano nacional - e não só - no que ele possa conter de ameaça à efectiva realização de uma "política democrática" e às liberdades individuais, no sentido que lhes atribuem os pragmatistas ironistas e liberais, como o americano Richard Rorty, felizmente com algumas traduções entre nós. Talvez esta citação de Rorty nos ajude a explicitar o sentido deste blog, se é que ele tem de ter algum:
"Uso o termo "ironista" para designar o tipo de pessoa que encara frontalmente a contingência das suas próprias crenças e dos seus próprios desejos mais centrais - alguém suficientemente historicista e nominalista para ter abandonado a ideia de que essas crenças de desejos centrais estão relacionados com algo situado para além do tempo e do acaso. Os ironistas liberais são pessoas que incluem entre esses desejos infundáveis a sua esperança de que o sofrimento venha a diminuir e de que a humilhação causada a seres humanos por outros seres humanos possa terminar."
(in Richard Rorty, Contingência, Ironia e Solidariedade, trad. de Nuno Ferreira da Fonseca, Ed. Presença)
Visto isto à distância de um ano, que não é nada, julgo não me ter afastado demasiadamente deste propósito. Nestes textos tem aparecido alguma coisa de que gosto e muita de que decididamente não gosto. Em certo sentido, este blogue "cresceu" numa direcção inesperada. Há nele muito mais "desprazer" do que jubilação. A culpa não é minha. Quando Miguel Sousa Tavares reuniu em livro as suas crónicas do "guterrismo", chamou-lhes "os anos perdidos". O "portugal dos pequeninos" tem sido fundamentalmente a minha privada "crónica" do "ano perdido" por Durão Barroso, alguém em que eu confiei, e de uma "ambição" em que eu deixei de acreditar. Provavelmente nunca chegou a existir qualquer "ambição" e eu estaria equivocado quanto a Barroso. Um ano passa depressa. Há muitas outras coisas que não. É uma luta contínua.
9.6.04
UM VOTO
Não se pense, pelo teor do post anterior, que eu não tenciono votar nas eleições europeias. Nem muito menos que, votando, o faria "em branco". Como escreve Vital Moreira no Causa Nossa, numa democracia eleitoral conta quem vota e não quem se abstém de o fazer. Eu não concebo a nossa famosa "identidade nacional" sem a União Europeia. Gostava de ver o meu país como um espaço de liberdade verdadeiramente cosmopolita, integrado numa Europa federal, um país menos periférico e paroquial e substancialmente mais democrático e menos desconfiado do "outro". Lamento, porém, que o debate em torno de "nós" e da "Europa" esteja a ser, nesta campanha, completamente anão. Os principais dirigentes partidários, quando aparecem, berram vulgaridades folclóricas em torno do último dichote apanhado na praça. A comunicação social, sempre disposta para caçar a pilhéria mais rasteira, como de costume, não ajuda. Continua dramaticamente a faltar-nos o sentido cívico e "republicano" da coisa pública. Há, no entanto, que avançar, seja por causa disso, seja apesar disso. Destas eleições está ausente, na prática, o PSD, o outro grande partido da "integração europeia". Envergonhado e acantonado numa coligação que o diminui, o PSD deu indirectamente liberdade de voto aos seus militantes e simpatizantes. Eu, sem hesitações, votarei no Partido Socialista. Por duas razões fundamentais. A "europeia", porque acompanho as posições do PS e do social-democrata Sousa Franco em relação ao nosso "lado europeu", afinal, o único que interessa. A "interna", por entender que Durão Barroso não soube estar à altura da confiança que lhe foi transmitida oportunamente mas urnas. Deixou crescer um "novo pântano" que se traduz metaforicamente no governo e na falta de força da "Força Portugal". Pela sua natureza contraditória e inócua, não podia naturalmente ter nenhuma.
Não se pense, pelo teor do post anterior, que eu não tenciono votar nas eleições europeias. Nem muito menos que, votando, o faria "em branco". Como escreve Vital Moreira no Causa Nossa, numa democracia eleitoral conta quem vota e não quem se abstém de o fazer. Eu não concebo a nossa famosa "identidade nacional" sem a União Europeia. Gostava de ver o meu país como um espaço de liberdade verdadeiramente cosmopolita, integrado numa Europa federal, um país menos periférico e paroquial e substancialmente mais democrático e menos desconfiado do "outro". Lamento, porém, que o debate em torno de "nós" e da "Europa" esteja a ser, nesta campanha, completamente anão. Os principais dirigentes partidários, quando aparecem, berram vulgaridades folclóricas em torno do último dichote apanhado na praça. A comunicação social, sempre disposta para caçar a pilhéria mais rasteira, como de costume, não ajuda. Continua dramaticamente a faltar-nos o sentido cívico e "republicano" da coisa pública. Há, no entanto, que avançar, seja por causa disso, seja apesar disso. Destas eleições está ausente, na prática, o PSD, o outro grande partido da "integração europeia". Envergonhado e acantonado numa coligação que o diminui, o PSD deu indirectamente liberdade de voto aos seus militantes e simpatizantes. Eu, sem hesitações, votarei no Partido Socialista. Por duas razões fundamentais. A "europeia", porque acompanho as posições do PS e do social-democrata Sousa Franco em relação ao nosso "lado europeu", afinal, o único que interessa. A "interna", por entender que Durão Barroso não soube estar à altura da confiança que lhe foi transmitida oportunamente mas urnas. Deixou crescer um "novo pântano" que se traduz metaforicamente no governo e na falta de força da "Força Portugal". Pela sua natureza contraditória e inócua, não podia naturalmente ter nenhuma.
8.6.04
A "COMPETÊNCIA"
Uma das poucas curiosidades das eleições do próximo dominigo, é saber o que é que o "povo" dito "moderado" vai fazer. Por "moderado" eu entendo aquele eleitorado que umas vezes dá vitórias ao PSD, e outras ao PS. O eleitorado que confiou no austero Cavaco Silva e lhe deu duas maiorias sozinho, e que, mais tarde, se deixou seduzir pelo "diálogo" sorridente de Guterres. Penso que, pelo caminho, a maior parte desta gente "partiu" para a abstenção, continuando uns quantos a dividir-se por ambos os partidos. Em 2002, por causa do abrupto abandono de Guterres e da notória infelicidade do biénio 2000/2001, foi dado um ténue benefício de dúvida a D. Barroso. Para tornar a coisa supostamente sólida, Barroso achou por bem aliar-se à sua pequena direita. O decurso do tempo tem vindo a demonstrar que aquela foi uma disposição errada. Barroso frustrou a disponibilidade que os "moderados" lhe manifestaram nas urnas para que ele fizesse mais, melhor e diferente. Tolhido pelas sinergias negativas que ele próprio criou, embalado pelo canto populista de Portas e cercado por uma "nova" classe partidária medíocre, Barroso está em plenas condições para levar o que merece: uma "sova" eleitoral. O "povo" social-democrata, ao contrário do que Barroso concebe, não estima o Dr. Portas nem lhe agradece a coligação. Tem a sorte, porém, de a maioria dos "moderados" se estar nas tintas para o escrutínio europeu. Na realidade, a "maioria silenciosa" tem pela frente opções deliciosas. Passeios, futebol e praia devem valer seguramente mais do que a "competência" do Prof. Deus.
Uma das poucas curiosidades das eleições do próximo dominigo, é saber o que é que o "povo" dito "moderado" vai fazer. Por "moderado" eu entendo aquele eleitorado que umas vezes dá vitórias ao PSD, e outras ao PS. O eleitorado que confiou no austero Cavaco Silva e lhe deu duas maiorias sozinho, e que, mais tarde, se deixou seduzir pelo "diálogo" sorridente de Guterres. Penso que, pelo caminho, a maior parte desta gente "partiu" para a abstenção, continuando uns quantos a dividir-se por ambos os partidos. Em 2002, por causa do abrupto abandono de Guterres e da notória infelicidade do biénio 2000/2001, foi dado um ténue benefício de dúvida a D. Barroso. Para tornar a coisa supostamente sólida, Barroso achou por bem aliar-se à sua pequena direita. O decurso do tempo tem vindo a demonstrar que aquela foi uma disposição errada. Barroso frustrou a disponibilidade que os "moderados" lhe manifestaram nas urnas para que ele fizesse mais, melhor e diferente. Tolhido pelas sinergias negativas que ele próprio criou, embalado pelo canto populista de Portas e cercado por uma "nova" classe partidária medíocre, Barroso está em plenas condições para levar o que merece: uma "sova" eleitoral. O "povo" social-democrata, ao contrário do que Barroso concebe, não estima o Dr. Portas nem lhe agradece a coligação. Tem a sorte, porém, de a maioria dos "moderados" se estar nas tintas para o escrutínio europeu. Na realidade, a "maioria silenciosa" tem pela frente opções deliciosas. Passeios, futebol e praia devem valer seguramente mais do que a "competência" do Prof. Deus.
7.6.04
O SOBRESSALTO
O Senhor Presidente da República pediu um "novo sobressalto democrático". Numa entrevista a Maria João Seixas, publicada no suplemento de domingo do Público, Sampaio discorre longamente acerca das suas íntimas inquietações e revela qualquer coisa de si próprio. Naturalmente nada do que ali se diz é novidade. Eu tenho a maior consideração pessoal e, nalguns casos, política pelo Chefe do Estado. Contudo, confesso que sinto alguma dificuldade em o acompanhar nas suas "reflexões" e nos seus "anseios". E, mais do que isso, sinto-o demasiado complacente para com um país que "perdeu a inteligência", como escrevia Eça. Neste contexto, que ele ajuda a manter, como é que pode esperar "um sobressalto"? Sampaio muito legitimamente verbera os "interesses" e reclama maior "justiça". Invectiva os "políticos" a darem o seu melhor. Depois também fala ao coração da "massa": "gosto de futebol e de touradas". Lembra o seu cosmopolitismo e, tenho a certeza, é dos que mais se esforça, e nem sequer por causa do "exemplo". Ele é mesmo assim. Eu preferia ver o Presidente mais entusiasmado com, por exemplo, livros ou com a investigação, do que com jogos de futebol ou concertos rock. Não é com afagos à "selecção" nem com bandeirinhas expostas por todo o lado que se conseguem "sobressaltos". Nunca vi ninguém pedir bandeiras à janela em momentos verdadeiramente simbólicos da vida nacional. É preciso um campeonato de bola europeu para se derramar provincianamente o "sentimento nacional" nos automóveis, nas varandas e nos discursos, banalizando simultaneamente o estandarte e o "sentimento". Sampaio acha isto maravilhoso. Marcelo, por seu lado, como "grande revisor semanal da identidade nacional", aproveita para mostrar, na TVI, calendários dos jogos distribuidos pela "Força Portugal", um primarismo eleitoralista subliminar que lhe fica mal. No meio de toda esta indigência colectiva, o melhor "sobressalto" que se pode pedir nas próximas semanas é que a "selecção" do Dr. Sampaio, após três ou quatro jogos de animação, seja removida tranquilamente para casa.
O Senhor Presidente da República pediu um "novo sobressalto democrático". Numa entrevista a Maria João Seixas, publicada no suplemento de domingo do Público, Sampaio discorre longamente acerca das suas íntimas inquietações e revela qualquer coisa de si próprio. Naturalmente nada do que ali se diz é novidade. Eu tenho a maior consideração pessoal e, nalguns casos, política pelo Chefe do Estado. Contudo, confesso que sinto alguma dificuldade em o acompanhar nas suas "reflexões" e nos seus "anseios". E, mais do que isso, sinto-o demasiado complacente para com um país que "perdeu a inteligência", como escrevia Eça. Neste contexto, que ele ajuda a manter, como é que pode esperar "um sobressalto"? Sampaio muito legitimamente verbera os "interesses" e reclama maior "justiça". Invectiva os "políticos" a darem o seu melhor. Depois também fala ao coração da "massa": "gosto de futebol e de touradas". Lembra o seu cosmopolitismo e, tenho a certeza, é dos que mais se esforça, e nem sequer por causa do "exemplo". Ele é mesmo assim. Eu preferia ver o Presidente mais entusiasmado com, por exemplo, livros ou com a investigação, do que com jogos de futebol ou concertos rock. Não é com afagos à "selecção" nem com bandeirinhas expostas por todo o lado que se conseguem "sobressaltos". Nunca vi ninguém pedir bandeiras à janela em momentos verdadeiramente simbólicos da vida nacional. É preciso um campeonato de bola europeu para se derramar provincianamente o "sentimento nacional" nos automóveis, nas varandas e nos discursos, banalizando simultaneamente o estandarte e o "sentimento". Sampaio acha isto maravilhoso. Marcelo, por seu lado, como "grande revisor semanal da identidade nacional", aproveita para mostrar, na TVI, calendários dos jogos distribuidos pela "Força Portugal", um primarismo eleitoralista subliminar que lhe fica mal. No meio de toda esta indigência colectiva, o melhor "sobressalto" que se pode pedir nas próximas semanas é que a "selecção" do Dr. Sampaio, após três ou quatro jogos de animação, seja removida tranquilamente para casa.
6.6.04
D
Decorrem nas praias da Normandia as comemorações dos 60 anos do desembarque aliado pela libertação da Europa. Os protagonistas são bem diferentes dos de há vinte anos. Reagan esteve nas cerimónias em 1984. Ironicamente desapareceu na véspera desta celebração em que os Estados Unidos estão representados pelo seu pior presidente desde há muito. Com a devida vénia, deixo aqui o discurso então proferido, nas costas da Normandia, pelo presidente Ronald Reagan de quem esta semana nos despedimos.
We're here to mark that day in history when the Allied peoples joined in battle to reclaim this continent to liberty. For four long years, much of Europe had been under a terrible shadow. Free nations had fallen, Jews cried out in the camps, millions cried out for liberation. Europe was enslaved, and the world prayed for its rescue. Here in Normandy the rescue began. Here the Allies stood and fought against tyranny in a giant undertaking unparalleled in human history. We stand on a lonely, windswept point on the northern shore of France. The air is soft, but forty years ago at this moment, the air was dense with smoke and the cries of men, and the air was filled with the crack of rifle fire and the roar of cannon. At dawn, on the morning of the 6th of June 1944, 225 Rangers jumped off the British landing craft and ran to the bottom of these cliffs. Their mission was one of the most difficult and daring of the invasion: to climb these sheer and desolate cliffs and take out the enemy guns. The Allies had been told that some of the mightiest of these guns were here and they would be trained on the beaches to stop the Allied advance. The Rangers looked up and saw the enemy soldiers -- at the edge of the cliffs shooting down at them with machine-guns and throwing grenades. And the American Rangers began to climb. They shot rope ladders over the face of these cliffs and began to pull themselves up. When one Ranger fell, another would take his place. When one rope was cut, a Ranger would grab another and begin his climb again. They climbed, shot back, and held their footing. Soon, one by one, the Rangers pulled themselves over the top, and in seizing the firm land at the top of these cliffs, they began to seize back the continent of Europe. Two hundred and twenty-five came here. After two days of fighting only ninety could still bear arms. Behind me is a memorial that symbolizes the Ranger daggers that were thrust into the top of these cliffs. And before me are the men who put them there. These are the boys of Pointe du Hoc. These are the men who took the cliffs. These are the champions who helped free a continent. These are the heroes who helped end a war.
Gentlemen, I look at you and I think of the words of Stephen Spender's poem. You are men who in your 'lives fought for life...and left the vivid air signed with your honor'... Forty summers have passed since the battle that you fought here. You were young the day you took these cliffs; some of you were hardly more than boys, with the deepest joys of life before you. Yet you risked everything here. Why? Why did you do it? What impelled you to put aside the instinct for self-preservation and risk your lives to take these cliffs? What inspired all the men of the armies that met here? We look at you, and somehow we know the answer. It was faith, and belief; it was loyalty and love. The men of Normandy had faith that what they were doing was right, faith that they fought for all humanity, faith that a just God would grant them mercy on this beachhead or on the next. It was the deep knowledge -- and pray God we have not lost it -- that there is a profound moral difference between the use of force for liberation and the use of force for conquest. You were here to liberate, not to conquer, and so you and those others did not doubt your cause. And you were right not to doubt. You all knew that some things are worth dying for. One's country is worth dying for, and democracy is worth dying for, because it's the most deeply honorable form of government ever devised by man. All of you loved liberty. All of you were willing to fight tyranny, and you knew the people of your countries were behind you.
Decorrem nas praias da Normandia as comemorações dos 60 anos do desembarque aliado pela libertação da Europa. Os protagonistas são bem diferentes dos de há vinte anos. Reagan esteve nas cerimónias em 1984. Ironicamente desapareceu na véspera desta celebração em que os Estados Unidos estão representados pelo seu pior presidente desde há muito. Com a devida vénia, deixo aqui o discurso então proferido, nas costas da Normandia, pelo presidente Ronald Reagan de quem esta semana nos despedimos.
We're here to mark that day in history when the Allied peoples joined in battle to reclaim this continent to liberty. For four long years, much of Europe had been under a terrible shadow. Free nations had fallen, Jews cried out in the camps, millions cried out for liberation. Europe was enslaved, and the world prayed for its rescue. Here in Normandy the rescue began. Here the Allies stood and fought against tyranny in a giant undertaking unparalleled in human history. We stand on a lonely, windswept point on the northern shore of France. The air is soft, but forty years ago at this moment, the air was dense with smoke and the cries of men, and the air was filled with the crack of rifle fire and the roar of cannon. At dawn, on the morning of the 6th of June 1944, 225 Rangers jumped off the British landing craft and ran to the bottom of these cliffs. Their mission was one of the most difficult and daring of the invasion: to climb these sheer and desolate cliffs and take out the enemy guns. The Allies had been told that some of the mightiest of these guns were here and they would be trained on the beaches to stop the Allied advance. The Rangers looked up and saw the enemy soldiers -- at the edge of the cliffs shooting down at them with machine-guns and throwing grenades. And the American Rangers began to climb. They shot rope ladders over the face of these cliffs and began to pull themselves up. When one Ranger fell, another would take his place. When one rope was cut, a Ranger would grab another and begin his climb again. They climbed, shot back, and held their footing. Soon, one by one, the Rangers pulled themselves over the top, and in seizing the firm land at the top of these cliffs, they began to seize back the continent of Europe. Two hundred and twenty-five came here. After two days of fighting only ninety could still bear arms. Behind me is a memorial that symbolizes the Ranger daggers that were thrust into the top of these cliffs. And before me are the men who put them there. These are the boys of Pointe du Hoc. These are the men who took the cliffs. These are the champions who helped free a continent. These are the heroes who helped end a war.
Gentlemen, I look at you and I think of the words of Stephen Spender's poem. You are men who in your 'lives fought for life...and left the vivid air signed with your honor'... Forty summers have passed since the battle that you fought here. You were young the day you took these cliffs; some of you were hardly more than boys, with the deepest joys of life before you. Yet you risked everything here. Why? Why did you do it? What impelled you to put aside the instinct for self-preservation and risk your lives to take these cliffs? What inspired all the men of the armies that met here? We look at you, and somehow we know the answer. It was faith, and belief; it was loyalty and love. The men of Normandy had faith that what they were doing was right, faith that they fought for all humanity, faith that a just God would grant them mercy on this beachhead or on the next. It was the deep knowledge -- and pray God we have not lost it -- that there is a profound moral difference between the use of force for liberation and the use of force for conquest. You were here to liberate, not to conquer, and so you and those others did not doubt your cause. And you were right not to doubt. You all knew that some things are worth dying for. One's country is worth dying for, and democracy is worth dying for, because it's the most deeply honorable form of government ever devised by man. All of you loved liberty. All of you were willing to fight tyranny, and you knew the people of your countries were behind you.
NOT BAD AT ALL
Ronald Reagan, 40 º Presidente dos Estados Unidos (1911-2004)
Ronald Reagan e Bill Clinton foram, nestas últimas décadas, os grandes representantes da maior nação do chamado Ocidente. Quando Reagan chegou ao poder em 1980, os EUA estavam deprimidos, a economia de rastos e o célebre "orgulho" americano meio desfeito. Durante dois mandatos, o ex-actor de Hollywood devolveu-lhes tudo a que tinham direito (ou que achavam que tinham) e muito mais. Contavam-se as piores e as mais divertidas "piadas" contra o presidente, lá e um pouco pelo mundo. Reagan deu-se bem com isso porque se dava bem com a vida. E, para o bem e para o mal, foi um grande líder. Sendo um visceral anti-comunista e entrando "a matar" contra o que chamava "o império do mal", preparou politicamente o terreno para a queda definitiva desse império que discretamente começava a implodir. Os "inimigos" deixaram entretanto de residir no Kremlin e andam por aí no meio de nós, com uma mochila às costas, na internet e de telemóvel. A sua intensa e contagiante vitalidade, o sorriso cordial e a imponente figura, destacavam-se na galeria de "ouro" dos dirigentes mundiais da década de 80. Era conhecido como o "grande comunicador". Esse tempo já tinha desaparecido muito antes da sua morte física. Depois dele, só Bill Clinton, esse homem "humano, demaiado humano", conseguiu deixar a presidência americana em "bom estado" e com uma "boa" imagem, embora desgraçadamente em péssimas mãos. Quando, ao fim de oito anos, deixou a presidência dos EUA e a sua "revolução" instalada, Reagan dirigiu-se ao seus "fellow americans" num discurso que terminava assim:
We've done our part. And as I walk off into the city streets, a final word to the men and women of the Reagan revolution, the men and women across America who for 8 years did the work that brought America back. My friends: We did it. We weren't just marking time. We made a difference. We made the city stronger, we made the city freer, and we left her in good hands. All in all, not bad, not bad at all.
Tinha razão. Não tinha sido mesmo nada mau.
Ronald Reagan, 40 º Presidente dos Estados Unidos (1911-2004)
Ronald Reagan e Bill Clinton foram, nestas últimas décadas, os grandes representantes da maior nação do chamado Ocidente. Quando Reagan chegou ao poder em 1980, os EUA estavam deprimidos, a economia de rastos e o célebre "orgulho" americano meio desfeito. Durante dois mandatos, o ex-actor de Hollywood devolveu-lhes tudo a que tinham direito (ou que achavam que tinham) e muito mais. Contavam-se as piores e as mais divertidas "piadas" contra o presidente, lá e um pouco pelo mundo. Reagan deu-se bem com isso porque se dava bem com a vida. E, para o bem e para o mal, foi um grande líder. Sendo um visceral anti-comunista e entrando "a matar" contra o que chamava "o império do mal", preparou politicamente o terreno para a queda definitiva desse império que discretamente começava a implodir. Os "inimigos" deixaram entretanto de residir no Kremlin e andam por aí no meio de nós, com uma mochila às costas, na internet e de telemóvel. A sua intensa e contagiante vitalidade, o sorriso cordial e a imponente figura, destacavam-se na galeria de "ouro" dos dirigentes mundiais da década de 80. Era conhecido como o "grande comunicador". Esse tempo já tinha desaparecido muito antes da sua morte física. Depois dele, só Bill Clinton, esse homem "humano, demaiado humano", conseguiu deixar a presidência americana em "bom estado" e com uma "boa" imagem, embora desgraçadamente em péssimas mãos. Quando, ao fim de oito anos, deixou a presidência dos EUA e a sua "revolução" instalada, Reagan dirigiu-se ao seus "fellow americans" num discurso que terminava assim:
We've done our part. And as I walk off into the city streets, a final word to the men and women of the Reagan revolution, the men and women across America who for 8 years did the work that brought America back. My friends: We did it. We weren't just marking time. We made a difference. We made the city stronger, we made the city freer, and we left her in good hands. All in all, not bad, not bad at all.
Tinha razão. Não tinha sido mesmo nada mau.
5.6.04
O PARTIDO-CANGURU
A primeira vez que os líderes do PSD e do PP apareceram num comíco conjunto, foi a última. Eu explico. Os protagonistas eram então Marcelo Rebelo de Sousa e a já promessa/certeza Paulo Portas. Nessa altura, este último nem queria ouvir falar de D. Barroso e assinara, com Marcelo, uma "convergência democrática". A primeira experiência desta serôdia AD iria ter lugar precisamente nas eleições europeias de 1999. Quando foi aprazado o referido comício, o ambiente estava irremediavelmente toldado. Os rumores "Universidade Moderna" começavam a espalhar-se e a confiança entre Marcelo e Portas corria rapidamente para o fim. Pouco tempo depois disto, Marcelo saía e o PSD foi naturalmente estatelar-se aos pés de Durão Barroso, num amplo movimento "anti-PP". Cinco anos volvidos, o cenário repete-se em Aveiro, segundo li. Só os "costumes" é que mudaram, e algumas pessoas também. Portas é exactamente o mesmo de 99. Quanto a Barroso, não tenho a certeza. Une-os circunstancialmente um poder que escapava há cinco anos, e uma coligação meramente oportunista. De salto em salto, é o "partido-canguru", criticado por Morais Sarmento, que vai estar em palco esta noite pela primeira vez. Quem sabe se não será, de novo, a última.
A primeira vez que os líderes do PSD e do PP apareceram num comíco conjunto, foi a última. Eu explico. Os protagonistas eram então Marcelo Rebelo de Sousa e a já promessa/certeza Paulo Portas. Nessa altura, este último nem queria ouvir falar de D. Barroso e assinara, com Marcelo, uma "convergência democrática". A primeira experiência desta serôdia AD iria ter lugar precisamente nas eleições europeias de 1999. Quando foi aprazado o referido comício, o ambiente estava irremediavelmente toldado. Os rumores "Universidade Moderna" começavam a espalhar-se e a confiança entre Marcelo e Portas corria rapidamente para o fim. Pouco tempo depois disto, Marcelo saía e o PSD foi naturalmente estatelar-se aos pés de Durão Barroso, num amplo movimento "anti-PP". Cinco anos volvidos, o cenário repete-se em Aveiro, segundo li. Só os "costumes" é que mudaram, e algumas pessoas também. Portas é exactamente o mesmo de 99. Quanto a Barroso, não tenho a certeza. Une-os circunstancialmente um poder que escapava há cinco anos, e uma coligação meramente oportunista. De salto em salto, é o "partido-canguru", criticado por Morais Sarmento, que vai estar em palco esta noite pela primeira vez. Quem sabe se não será, de novo, a última.
4.6.04
RECORDANDO JOSÉ RABAÇA, O EANISMO E MÁRIO SOARES
1. Referindo-se, salvo erro, a José Augusto França, Eduardo Lourenço, terminava um escrito dizendo qualquer coisa como isto: "tinha, tínhamos então vinte anos, tudo era possível e isso desculpa tudo". Eu também tinha vinte anos, ou menos, e também julgava que tudo era possível. Nos jornais, acompanhava regularmente alguns "cronistas". Francisco Sousa Tavares, o irreverente director de A Capital , era um eleito. A pouco e pouco, porém, fui descobrindo igualmente o José Rabaça. Nessa altura, Rabaça discorria fundamentalmente em defesa do Presidente da República, Ramalho Eanes, e abria definitivamente a via da ruptura com o seu partido, o PS. O PS, o primeiro partido nacional em votos, depois de duas experiências governativas, uma a solo, a outra, com um "acordo de incidência parlamentar" com o CDS (o genuíno, naturalmente), foi apeado por Eanes, seguindo-se um "interlúdio" de governação dita "de inspiração presidencial". Criaturas dos partidos (PS, PSD e CDS) e homens "independentes", face à "instabilidade" e à "incoerência" do "sistema" (leia-se: dos partidos "deles" e do Parlamento), começaram a ver em Eanes uma boa alternativa. Os apelos a uma maior intervenção presidencial sucediam-se, e acenava-se, ora com a possibilidade de um "novo partido" em torno do presidente, ora com a liderança institucional deste à frente de uma "maioria presidencial". Nada disto, obviamente, incluia o PS, pelo menos o PS de Mário Soares. Sá Carneiro, a dado passo, "desistiu" de Eanes e avançou sozinho. O resultado é conhecido. A sua AD triunfou, apesar do presidente e apesar de Mário Soares. Eu tinha-me ligado entretanto à mais famosa dissidência de "direita" do PS, o movimento reformador de António Barreto e de Medeiros Ferreira. Mais uma vez, era por causa de Eanes que se traçara aquela fractura. Nós éramos, como se dizia, "eanistas". Sá Carneiro fez um acordo com os "reformadores" e alguns destes integraram as listas da AD. O ambiente político, em 1980, era de chumbo e atingiu o paroxismo com as eleições presidenciais do final do ano. Os "reformadores" separaram-se da AD e separaram-se entre si. Uns acompanharam o candidato da AD, outros seguiram Eanes na recandidatura. As prosas de José Rabaça, em prol do presidente-candidato, entusiasmaram-me. Andei pela CNARPE (a comissão de apoio a Eanes)e aí conheci o mais dedicado defensor do "nosso" homem. Tudo se precipitou. Soares não gostou do elogio do presidente ao modelo da AD, de novo vitoriosa, nas eleições de Outubro, e largou, num mesmo gesto, a CNARPE e o PS. Tragicamente- parecia que não podia ser de outra maneira- Sá Carneiro desapareceu nas vésperas das eleições que reconfirmaram Eanes. Soares prepara-se, então, para no ano seguinte reconquistar o PS. O seu instinto dizia-lhe que a seguir viria, de novo, o País. Estava certo.
2. No estertor da AD de Balsemão e durante o "bloco central" que se seguiu, a "linha" favorável à emergência do "partido eanista" manifestava-se como podia. Comemorava-se a CNARPE em almoços sibilinos (onde eu estive), criticava-se o "sistema" e apelava-se ao presidente. Contudo, Soares e Balsemão, em 1982, liquidaram, na revisão constitucional, quaisquer veleidades "presidencialistas". Os "eanistas" estremeceram e houve quem sugerisse um "apelo" do General directamente ao "povo". Eanes hesitou em dar o passo. Falhada a "via institucional", os seus mais próximos avançaram para o "movimento". Foi nesse ano que, ao defender o aparecimento de uma nova força política referenciada em Eanes, que José Rabaça é expulso do PS, onde era o militante n º 100. Sem nunca ter deixado de admirar determinadas características do presidente, do homem e do militar, com o passar dos anos eu percebi que aquele "espírito da CNARPE" não ia a lado nenhum e que, em certo sentido, era bom que não fosse. Em Maio de 1983 filiei-me no PSD e, dois anos depois, apoiei a candidatura de Mário Soares. Jamais acompanhei as aventuras do PRD. Lembro-me de ter visitado o General Eanes no Palácio das Laranjeiras, onde tinha o seu gabinete como antigo presidente. Nos dias seguintes ele ia assumir a presidência do partido, pressentindo o inevitável declínio. Disse-me que "tinha que ser" porque a tal se tinha comprometido. Para trás tinham ficado os miríficos 18% de 1985, o confronto com Soares nas presidenciais através da candidatura Zenha e o surgimento de um novo político "anti-sistema" cujos créditos lhe viriam a dar as únicas maiorias absolutas até hoje conquistadas por um partido político, Cavaco Silva. Em todos estes combates, Rabaça esteve na primeira linha, sempre ao lado de Ramalho Eanes. E sempre, sempre, contra Mário Soares.
3. Passaram vinte e tal anos. O "eanismo" produziu um conjunto de laços entre determinadas pessoas que dificilmente se desfizeram. O livro de homenagem a José Rabaça, que reúne mais de cem contributos, é, se quisermos, o epílogo dessa aventura. Lendo-o, percebe-se que o "eanismo", em boa verdade, foi um "não pensamento político", difuso, errático e inorgânico, e sempre "acima dos partidos". O erro dos "estrategas" do "eanismo, primeiro, e do PRD e da candidatura Zenha, depois, foi a obsessão na eliminação política de Mário Soares, com base em dicotomias de efeito fácil, mas precário, em nome da "pureza", da "verticalidade" e da "honestidade". Acontece que a política, feliz ou infelizmente, não se compadece com bons sentimentos e, em democracia, faz-se com os partidos, ora punindo-os, ora elegendo-os. De mansinho, os portugueses foram confundido- e bem - a democracia e a liberdade com o nome de Mário Soares. Aliás, Soares é o grande "presente-ausente" deste livro, como sempre acontece nestas coisas. Por isso mesmo, e do lado da "política", o livro espelha a confissão indirecta de uma imensa derrota.
4. Dito isto, fica o muito que é o homem José Rabaça que eu conheci. O marido da Dona Maria Helena, o pai da Manel e da Ginha, o avõ da Joana e o bisavô da Maria e do Pedro. O Rogério Alves foi "adoptado" posteriormente, ao casar com a Joana, e é dos poucos amigos que ficaram desses remotos vinte anos. A família Rabaça tem um jeito particular para lidar com os afectos e com a amizade. José Rabaça- sente-se isso nos testemunhos mais "intimistas" do livro- era o centro motor dessa generosidade sem limites que contagiou os seus mais próximos. São amigos sem desfalecimentos, um bem já raro e muito precioso.
5. Estes meus vinte a tal anos estão pejados de encontros e de desencontros irremediáveis com amigos, inimigos e "íntimos". Ficou sempre e apenas, um conjunto de acasos felizes e uma infinita frigidez "social" minha que progressivamente me tem tornado mais amargo e mais cínico, afastando-me profilaticamente dos outros. Finalmente a vida demonstrou-me que, afinal, "nem tudo era possível" e que "nem tudo se desculpa". Nem que fosse por isto, a imagem feliz do José Rabaça, prolongada na mulher, na Manel, na Joana e no Rogério, na Maria e no Pedro, sempre me vai ensinando a praticar, de vez em quando, um ritual com que eu decididamente não estou muito familiarizado. O da amizade.
(Recordando José Rabaça, 1926-1998, organização de Maria Manuel Rabaça, com prefácio de António Ramalho Eanes, Edeline Multimedia, 2004)
1. Referindo-se, salvo erro, a José Augusto França, Eduardo Lourenço, terminava um escrito dizendo qualquer coisa como isto: "tinha, tínhamos então vinte anos, tudo era possível e isso desculpa tudo". Eu também tinha vinte anos, ou menos, e também julgava que tudo era possível. Nos jornais, acompanhava regularmente alguns "cronistas". Francisco Sousa Tavares, o irreverente director de A Capital , era um eleito. A pouco e pouco, porém, fui descobrindo igualmente o José Rabaça. Nessa altura, Rabaça discorria fundamentalmente em defesa do Presidente da República, Ramalho Eanes, e abria definitivamente a via da ruptura com o seu partido, o PS. O PS, o primeiro partido nacional em votos, depois de duas experiências governativas, uma a solo, a outra, com um "acordo de incidência parlamentar" com o CDS (o genuíno, naturalmente), foi apeado por Eanes, seguindo-se um "interlúdio" de governação dita "de inspiração presidencial". Criaturas dos partidos (PS, PSD e CDS) e homens "independentes", face à "instabilidade" e à "incoerência" do "sistema" (leia-se: dos partidos "deles" e do Parlamento), começaram a ver em Eanes uma boa alternativa. Os apelos a uma maior intervenção presidencial sucediam-se, e acenava-se, ora com a possibilidade de um "novo partido" em torno do presidente, ora com a liderança institucional deste à frente de uma "maioria presidencial". Nada disto, obviamente, incluia o PS, pelo menos o PS de Mário Soares. Sá Carneiro, a dado passo, "desistiu" de Eanes e avançou sozinho. O resultado é conhecido. A sua AD triunfou, apesar do presidente e apesar de Mário Soares. Eu tinha-me ligado entretanto à mais famosa dissidência de "direita" do PS, o movimento reformador de António Barreto e de Medeiros Ferreira. Mais uma vez, era por causa de Eanes que se traçara aquela fractura. Nós éramos, como se dizia, "eanistas". Sá Carneiro fez um acordo com os "reformadores" e alguns destes integraram as listas da AD. O ambiente político, em 1980, era de chumbo e atingiu o paroxismo com as eleições presidenciais do final do ano. Os "reformadores" separaram-se da AD e separaram-se entre si. Uns acompanharam o candidato da AD, outros seguiram Eanes na recandidatura. As prosas de José Rabaça, em prol do presidente-candidato, entusiasmaram-me. Andei pela CNARPE (a comissão de apoio a Eanes)e aí conheci o mais dedicado defensor do "nosso" homem. Tudo se precipitou. Soares não gostou do elogio do presidente ao modelo da AD, de novo vitoriosa, nas eleições de Outubro, e largou, num mesmo gesto, a CNARPE e o PS. Tragicamente- parecia que não podia ser de outra maneira- Sá Carneiro desapareceu nas vésperas das eleições que reconfirmaram Eanes. Soares prepara-se, então, para no ano seguinte reconquistar o PS. O seu instinto dizia-lhe que a seguir viria, de novo, o País. Estava certo.
2. No estertor da AD de Balsemão e durante o "bloco central" que se seguiu, a "linha" favorável à emergência do "partido eanista" manifestava-se como podia. Comemorava-se a CNARPE em almoços sibilinos (onde eu estive), criticava-se o "sistema" e apelava-se ao presidente. Contudo, Soares e Balsemão, em 1982, liquidaram, na revisão constitucional, quaisquer veleidades "presidencialistas". Os "eanistas" estremeceram e houve quem sugerisse um "apelo" do General directamente ao "povo". Eanes hesitou em dar o passo. Falhada a "via institucional", os seus mais próximos avançaram para o "movimento". Foi nesse ano que, ao defender o aparecimento de uma nova força política referenciada em Eanes, que José Rabaça é expulso do PS, onde era o militante n º 100. Sem nunca ter deixado de admirar determinadas características do presidente, do homem e do militar, com o passar dos anos eu percebi que aquele "espírito da CNARPE" não ia a lado nenhum e que, em certo sentido, era bom que não fosse. Em Maio de 1983 filiei-me no PSD e, dois anos depois, apoiei a candidatura de Mário Soares. Jamais acompanhei as aventuras do PRD. Lembro-me de ter visitado o General Eanes no Palácio das Laranjeiras, onde tinha o seu gabinete como antigo presidente. Nos dias seguintes ele ia assumir a presidência do partido, pressentindo o inevitável declínio. Disse-me que "tinha que ser" porque a tal se tinha comprometido. Para trás tinham ficado os miríficos 18% de 1985, o confronto com Soares nas presidenciais através da candidatura Zenha e o surgimento de um novo político "anti-sistema" cujos créditos lhe viriam a dar as únicas maiorias absolutas até hoje conquistadas por um partido político, Cavaco Silva. Em todos estes combates, Rabaça esteve na primeira linha, sempre ao lado de Ramalho Eanes. E sempre, sempre, contra Mário Soares.
3. Passaram vinte e tal anos. O "eanismo" produziu um conjunto de laços entre determinadas pessoas que dificilmente se desfizeram. O livro de homenagem a José Rabaça, que reúne mais de cem contributos, é, se quisermos, o epílogo dessa aventura. Lendo-o, percebe-se que o "eanismo", em boa verdade, foi um "não pensamento político", difuso, errático e inorgânico, e sempre "acima dos partidos". O erro dos "estrategas" do "eanismo, primeiro, e do PRD e da candidatura Zenha, depois, foi a obsessão na eliminação política de Mário Soares, com base em dicotomias de efeito fácil, mas precário, em nome da "pureza", da "verticalidade" e da "honestidade". Acontece que a política, feliz ou infelizmente, não se compadece com bons sentimentos e, em democracia, faz-se com os partidos, ora punindo-os, ora elegendo-os. De mansinho, os portugueses foram confundido- e bem - a democracia e a liberdade com o nome de Mário Soares. Aliás, Soares é o grande "presente-ausente" deste livro, como sempre acontece nestas coisas. Por isso mesmo, e do lado da "política", o livro espelha a confissão indirecta de uma imensa derrota.
4. Dito isto, fica o muito que é o homem José Rabaça que eu conheci. O marido da Dona Maria Helena, o pai da Manel e da Ginha, o avõ da Joana e o bisavô da Maria e do Pedro. O Rogério Alves foi "adoptado" posteriormente, ao casar com a Joana, e é dos poucos amigos que ficaram desses remotos vinte anos. A família Rabaça tem um jeito particular para lidar com os afectos e com a amizade. José Rabaça- sente-se isso nos testemunhos mais "intimistas" do livro- era o centro motor dessa generosidade sem limites que contagiou os seus mais próximos. São amigos sem desfalecimentos, um bem já raro e muito precioso.
5. Estes meus vinte a tal anos estão pejados de encontros e de desencontros irremediáveis com amigos, inimigos e "íntimos". Ficou sempre e apenas, um conjunto de acasos felizes e uma infinita frigidez "social" minha que progressivamente me tem tornado mais amargo e mais cínico, afastando-me profilaticamente dos outros. Finalmente a vida demonstrou-me que, afinal, "nem tudo era possível" e que "nem tudo se desculpa". Nem que fosse por isto, a imagem feliz do José Rabaça, prolongada na mulher, na Manel, na Joana e no Rogério, na Maria e no Pedro, sempre me vai ensinando a praticar, de vez em quando, um ritual com que eu decididamente não estou muito familiarizado. O da amizade.
(Recordando José Rabaça, 1926-1998, organização de Maria Manuel Rabaça, com prefácio de António Ramalho Eanes, Edeline Multimedia, 2004)
3.6.04
A GRAMÁTICA DA ESTUPIDEZ
Num livrinho chamado Addagio ma non troppo (Celta Editora), Carlo Cipolla, professor de história económica em Itália e nos EUA, desaparecido em 2000, explica "as leis fundamentais da estupidez humana". É muito simples. Eu próprio, em vários momentos da minha vida, já experimentei duramente os seus efeitos práticos, relativos a comportamentos individuais e muito menos, naturalmente, às idiossincrasias de cada um. Segundo Cipolla, existem cinco "leis" que definem o "comportamento estúpido". A primeira, diz-nos que "cada um de nós subestima sempre e inevitavelmente o número de indivíduos estúpidos em circulação". A segunda, ensina-nos que "a probabilidade de uma certa pessoa ser estúpida é independente de qualquer outra característica dessa mesma pessoa". A terceira, define a pessoa estúpida como aquela "que causa um dano a outra pessoa ou grupo de pessoas, sem que disso resulte alguma vantagem para si, ou podendo, até, vir a sofrer um prejuízo". A quarta, alerta para o facto de "as pessoas não estúpidas subestimarem sempre o potencial nocivo das pessoas estúpidas", isto é, "os não estúpidos esquecem-se constantemente que em qualquer momento, lugar e situação, tratar e/ou associar-se com indivíduos estúpidos revela-se, infalivelmente, um erro que se paga muito caro". Finalmente a "quinta lei" chama a atenção para o óbvio: a pessoa estúpida é o tipo de pessoa mais perigosa que existe. Conclui Cipolla que "as pessoas estúpidas causam perdas a outras pessoas sem que obtenham vantagens para si próprias". Verdadeiramente, "elas apenas conseguem empobrecer toda a sociedade". Se aplicarmos isto ao produto híbrido que é a "Força Portugal", a percepção da coisa torna-se infinitamente mais fácil e eventualmente mais sinistra. A associação a criaturas que se comportam de acordo com este "padrão" apresentado pelo Prof. Cipolla, não abona nem o Dr. Barroso, nem o PSD, e muito menos o pobre Prof. Deus, mero figurante número um nesta farsa. A sua (deles) verdadeira "gramática" é outra e muito pouco "europeia". É, para já, a pura gramática da estupidez.
Num livrinho chamado Addagio ma non troppo (Celta Editora), Carlo Cipolla, professor de história económica em Itália e nos EUA, desaparecido em 2000, explica "as leis fundamentais da estupidez humana". É muito simples. Eu próprio, em vários momentos da minha vida, já experimentei duramente os seus efeitos práticos, relativos a comportamentos individuais e muito menos, naturalmente, às idiossincrasias de cada um. Segundo Cipolla, existem cinco "leis" que definem o "comportamento estúpido". A primeira, diz-nos que "cada um de nós subestima sempre e inevitavelmente o número de indivíduos estúpidos em circulação". A segunda, ensina-nos que "a probabilidade de uma certa pessoa ser estúpida é independente de qualquer outra característica dessa mesma pessoa". A terceira, define a pessoa estúpida como aquela "que causa um dano a outra pessoa ou grupo de pessoas, sem que disso resulte alguma vantagem para si, ou podendo, até, vir a sofrer um prejuízo". A quarta, alerta para o facto de "as pessoas não estúpidas subestimarem sempre o potencial nocivo das pessoas estúpidas", isto é, "os não estúpidos esquecem-se constantemente que em qualquer momento, lugar e situação, tratar e/ou associar-se com indivíduos estúpidos revela-se, infalivelmente, um erro que se paga muito caro". Finalmente a "quinta lei" chama a atenção para o óbvio: a pessoa estúpida é o tipo de pessoa mais perigosa que existe. Conclui Cipolla que "as pessoas estúpidas causam perdas a outras pessoas sem que obtenham vantagens para si próprias". Verdadeiramente, "elas apenas conseguem empobrecer toda a sociedade". Se aplicarmos isto ao produto híbrido que é a "Força Portugal", a percepção da coisa torna-se infinitamente mais fácil e eventualmente mais sinistra. A associação a criaturas que se comportam de acordo com este "padrão" apresentado pelo Prof. Cipolla, não abona nem o Dr. Barroso, nem o PSD, e muito menos o pobre Prof. Deus, mero figurante número um nesta farsa. A sua (deles) verdadeira "gramática" é outra e muito pouco "europeia". É, para já, a pura gramática da estupidez.
2.6.04
A CONVOCATÓRIA II
O amigo Aniceto, mais conhecido por pulha, é seguramente mais um português infame. É a sorte dele. Vale a pena ir até ao seu quarto. Nunca a "Força Portugal" teve tanta força ali. Belos postais para responder à "convocatória" do Dr. Arnaut! Eu fico com este. Mas há lá mais. O lema é, e passo a citar: sintetizar aquilo que querem dizer, numa frase da dimensão de um cachecol. Portugal agradece.
O amigo Aniceto, mais conhecido por pulha, é seguramente mais um português infame. É a sorte dele. Vale a pena ir até ao seu quarto. Nunca a "Força Portugal" teve tanta força ali. Belos postais para responder à "convocatória" do Dr. Arnaut! Eu fico com este. Mas há lá mais. O lema é, e passo a citar: sintetizar aquilo que querem dizer, numa frase da dimensão de um cachecol. Portugal agradece.
1.6.04
A CONVOCATÓRIA
O inimitável Dr. Arnaut, por ora ministro-adjunto do primeiro-ministro, mandou-me uma carta a cores. Numa folha A4, explica-me as virtudes salvíficas do Euro 2004 para o ego nacional. Eu, um português nitidamente infame, ainda não tinha dado por elas. Vai daí, Arnaut, no final da missiva, determina que eu seja convocado. "Estamos todos convocados", grita o homem, e assina em baixo. Eu não procuro nem desejo intimidades deste género com o Dr. Arnaut. Sobretudo quando elas são um sinal da patética propaganda em torno do grande "desígnio nacional", em má hora aprovado pelo PS, com a complacência posterior do PSD. Acresce que jamais fui tocado pela "graça" do futebol. E exacro profundamente a tirania que ele exerce sobre a nossa precária sociedade, sempre a leste do essencial. Quando o circo acabar, o que é que, de seguida, a cabecinha prodigiosa do Dr. Arnaut irá inventar para entreter a plebe e para a distraír do seu alegre afundamento? No presente clima de falsa euforia, o Euro 2004 é uma espécie de "sopa do Sidónio" de luxo, oferecida pelo Dr. Arnaut, com o dinheiro dos contribuintes e da UEFA, e para a qual estamos todos forçosamente convidados. Eu é que não vou.
O inimitável Dr. Arnaut, por ora ministro-adjunto do primeiro-ministro, mandou-me uma carta a cores. Numa folha A4, explica-me as virtudes salvíficas do Euro 2004 para o ego nacional. Eu, um português nitidamente infame, ainda não tinha dado por elas. Vai daí, Arnaut, no final da missiva, determina que eu seja convocado. "Estamos todos convocados", grita o homem, e assina em baixo. Eu não procuro nem desejo intimidades deste género com o Dr. Arnaut. Sobretudo quando elas são um sinal da patética propaganda em torno do grande "desígnio nacional", em má hora aprovado pelo PS, com a complacência posterior do PSD. Acresce que jamais fui tocado pela "graça" do futebol. E exacro profundamente a tirania que ele exerce sobre a nossa precária sociedade, sempre a leste do essencial. Quando o circo acabar, o que é que, de seguida, a cabecinha prodigiosa do Dr. Arnaut irá inventar para entreter a plebe e para a distraír do seu alegre afundamento? No presente clima de falsa euforia, o Euro 2004 é uma espécie de "sopa do Sidónio" de luxo, oferecida pelo Dr. Arnaut, com o dinheiro dos contribuintes e da UEFA, e para a qual estamos todos forçosamente convidados. Eu é que não vou.
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