7.6.04

O SOBRESSALTO

O Senhor Presidente da República pediu um "novo sobressalto democrático". Numa entrevista a Maria João Seixas, publicada no suplemento de domingo do Público, Sampaio discorre longamente acerca das suas íntimas inquietações e revela qualquer coisa de si próprio. Naturalmente nada do que ali se diz é novidade. Eu tenho a maior consideração pessoal e, nalguns casos, política pelo Chefe do Estado. Contudo, confesso que sinto alguma dificuldade em o acompanhar nas suas "reflexões" e nos seus "anseios". E, mais do que isso, sinto-o demasiado complacente para com um país que "perdeu a inteligência", como escrevia Eça. Neste contexto, que ele ajuda a manter, como é que pode esperar "um sobressalto"? Sampaio muito legitimamente verbera os "interesses" e reclama maior "justiça". Invectiva os "políticos" a darem o seu melhor. Depois também fala ao coração da "massa": "gosto de futebol e de touradas". Lembra o seu cosmopolitismo e, tenho a certeza, é dos que mais se esforça, e nem sequer por causa do "exemplo". Ele é mesmo assim. Eu preferia ver o Presidente mais entusiasmado com, por exemplo, livros ou com a investigação, do que com jogos de futebol ou concertos rock. Não é com afagos à "selecção" nem com bandeirinhas expostas por todo o lado que se conseguem "sobressaltos". Nunca vi ninguém pedir bandeiras à janela em momentos verdadeiramente simbólicos da vida nacional. É preciso um campeonato de bola europeu para se derramar provincianamente o "sentimento nacional" nos automóveis, nas varandas e nos discursos, banalizando simultaneamente o estandarte e o "sentimento". Sampaio acha isto maravilhoso. Marcelo, por seu lado, como "grande revisor semanal da identidade nacional", aproveita para mostrar, na TVI, calendários dos jogos distribuidos pela "Força Portugal", um primarismo eleitoralista subliminar que lhe fica mal. No meio de toda esta indigência colectiva, o melhor "sobressalto" que se pode pedir nas próximas semanas é que a "selecção" do Dr. Sampaio, após três ou quatro jogos de animação, seja removida tranquilamente para casa.

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