A VOTAR
1. Não há outra maneira de dizer isto. Durão Barroso, ao trocar a função de primeiro-ministro por um alto cargo funcionário na Europa, traíu o eleitorado que nele votou para promover uma política alternativa à do último Guterres, o de 2000 e de 2001. Em certo sentido, este abandono culminou o percurso retorcido do "tempo novo" anunciado por Barroso em 2002. Entalado entre a espada e a parede, Barroso escolheu uma janela com vista.
2. À excepção de um pequeno grupo de mal formados, onde se incluem Vasco Pulido Valente e Mário Soares, toda a gente acha magnífica a deriva europeia do ainda chefe do governo. O ar basbaque e de puro gozo infantil com que Barroso respondeu ontem às perguntas dos jornalistas em Bruxelas, denota o alívio com que deixou cá dentro o caos. Portugal tem mais motivos para se orgulhar da sua selecção de futebol (eu estou completamente à vontade para dizer isto) do que da sinecura funcionária de Barroso. Não há memória de nenhum país, com um seu nacional titular da presidência da Comissão, ter sido particularmente beneficiado por esse facto. À excepção de Delors, que tinha densidade política, os seus sucessores limitaram-se praticamente a gerir a rotina comunitária, deixando naturalmente o palco para quem manda. Como eles, Barroso será pouco mais do que a estátua do acquis communautaire que se leva de reunião em reunião.
3. O PSD, no recato do seu conselho nacional, escolhe amanhã Santana Lopes para presidir ao partido. Sempre que a escolha dependeu da vontade directa dos militantes, Santana nunca ganhou uma eleição interna. Vai agora ser sagrado administrativamente por um pequeno bando de dependentes. Cá fora, os seus vassalos de sempre e uns quantos inesperados, animam, sem discrição nenhuma, a sua "campanha" para outros lances. Com a mesma naturalidade com que é candidato a tudo e ao seu contrário, Santana também trocará sem quaisquer problemas de consciência o cargo para que foi eleito, se ocorrer o "chamamento". E assim sucessivamente. Para não me confundir com esta salada estragada, prefiro mandar o meu cartão de militante com 20 anos de casa ao sr. secretário geral do partido e partir rapidamente para "outra".
4. Barroso depositou as consequências da sua privada ambição nas mãos trémulas de Jorge Sampaio. A solicitude inicial do Presidente e o seu deslumbramento pelas novas funções do primeiro ministro, deram azo a este cortejo inusitado de audições e à dúvida. Quando Sampaio percebeu até que ponto tinha dado lastro à via dinástica de Barroso, já era tarde. A sua presente angústia não o deve fazer esquecer para que é que foi eleito. E a sua visão burocrática dos deveres constitucionais não se pode sobrepôr à inerente condição puramente política da solução desta crise não anunciada. Num momento em que alguns andam a perder a passo rápido e estugado a vergonha, o Chefe do Estado, por respeito por si próprio, pelos que o elegeram e pela nobreza democrática da função singular que exerce, só tem uma solução. Chamar-nos a votar.
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