OS VILÕES DO DIA
A poderosa e sábia herança clássica, de Homero a Tucídides, derrotou ontem, pelas pernas de uns jogadores de futebol, a gloriosa selecção nacional. Confesso que olho para um jogo de futebol com o mesmo desprendimento que um apreciador de calendários de senhoras nuas olha para uma tela de Picasso. Do que vi-porque vi- pareceu-me que os filhos de Píndaro manobraram melhor o "esférico" do que as lusas estrelas. Nem tudo foi mau. Os portugueses conseguiram a proeza de, pela primeira vez em mais de vinte anos, a equipa anfitriã do EURO perder o primeiro jogo "em casa". Não fui eu quem depositou toda a "esperança nacional" nos pés de onze homens. Por isso, o mais significativo episódio de ontem foi a chamada "reacção oficial". Não houve nenhuma. Nas patéticas romarias a Alcochete, que incluíram desde as mais altas figuras do Estado ao fadista Carlos do Carmo, toda a gente quis aparecer ao lado dos putativos "heróis nacionais" que estavam prestes a devolver-nos a "confiança" perdida e, em versão mais colorida, a própria "retoma" económica. Antes do jogo começar, ainda esta mesmas figuras dissertavam abundantemente sobre o sucesso que estava a chegar. Lugubremente não chegou. Se o resultado tivesse sido outro, em vez dos jogadores, teríamos tido direito aos mesmos oficiais e oficiosos pela noite dentro. Quais cães por vinhas vindimadas, porém, esta gente desapareceu rapidamente de cena, deixando o palco por inteiro aos malogrados jogadores, vistos, com a habitual hipocrisia e ingratidão nacionais, como os vilões do dia.
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