7.12.04

PARABÉNS, DR. SOARES!



Comemoram-se os 80 anos de Mário Soares. Como restam poucos, Soares deve considerar-se o político puro. Eu escrevo político sem aspas porque considero a política uma actividade nobre em que infelizmente tropeçam demasiados patetas e aprendizes de patetas que só a diminuem em vez de a servir. Conheci-o em 1985, numa cerimónia singela em que um grupo de cidadãos, não directamente afectos ao Partido Socialista, “apelava” à sua candidatura presidencial. Dessa fantástica odisseia recordo dois momentos. O primeiro, em Alhandra, onde o candidato Soares passava num fim de tarde entre insultos e ameaças do “povo comunista". Não se intimidou com o tradicional “vai-te embora” ou com as pancadas dadas nos automóveis da caravana. Sem medos e de megafone na mão, falou. Também recordo um encontro, no Solar do Vinho do Porto, nas vésperas do acto eleitoral. Estavam “intelectuais” e jornalistas, um ou outro mais apreensivo. Soares passeava-se entre todos deixando um lastro de confiança, de bonomia e de tranquilidade. Daí o grupo seguiu para o Largo da Misericórdia, Chiado abaixo, pela Rua do Carmo até à Rua Augusta. Aqui Soares assomou à varanda da sede da UGT, tendo a seu lado uma inesperada e saudosa Natália Correia. A procissão continuou até à Praça do Comércio onde Soares se despediu candidato para atravessar o rio num cacilheiro. Dois dias depois era Presidente. Isto são apenas pequenos episódios sem excessiva importância. Se os recordo nesta altura em que escrevo sobre Mário Soares, é apenas para ilustrar algumas evidências. Ele representa a memória “política” da juventude e da adolescência da maior parte da minha geração. Com ele ou contra ele, tudo o que de essencial aconteceu nestes trinta anos de democracia passou por Soares. No que me toca, ele ajudou-me a aprender que não se pode mudar o “outro” contra a sua vontade e que a coragem, nos momentos decisivos, é o verdadeiro alimento de uma consciência livre. Convém não esquecer que Soares esteve mais tempo na oposição do que propriamente no “poder”. Tal permitiu-lhe associar a dignidade da “suprema magistratura” com uma visão “desapaixonada” da função, sem nunca perder de vista o seu carácter eminentemente “político”. Por muito, pouco ou nada que se apreciasse o exercício, ao menos não havia lugar para impasses ou para lamúrias embotadas. A Mário Soares devemos a resolução do problema da liberdade. E isso não tem preço. Agora Aníbal Cavaco Silva pode, se quiser, resolver-nos o problema da credibilidade. Uma “história” que fica para a próxima. Para já, parabéns, dr. Soares!

1 comentário:

Anónimo disse...

Disse o dr. Soares à TSF qq coisa como isto: "Não comento os silêncios do dr. Sampaio porque, como já exerci essas funções, entendo que seria uma deselegância".
Ora, então, porque é que o dr. Soares não se lembra deste postulado quando critica o PM?
Já não lhe dá jeito?!...