19.2.04

O "NATURAL"

O sr. Villas- Boas, que é presidente da Comissão de Acompanhamento da Lei da Adopção portuguesa, comentando a entrega por um tribunal espanhol de uma criança a um casal de lésbicas, disse considerar preferível que a criança passe toda uma vida numa instituição social, ou em famílias de acolhimento, do que ser sujeita à, e passo a citar, "infelicidade de ser educado por homossexuais, sejam dois ou um". De acordo com a criatura, isso mexe com a "sexualidade natural" das crianças e é "um atentado" aos seus direitos. E, quanto às mulheres, foi peremptório: "Ser lésbica não é ser mulher na plenitude natural do termo, porque se assim fosse não haveria o problema da procriação natural." Aparentemente este senhor ocupa-se das chamadas "questões sociais", pelo que se presume que tenha formação adequada. Um módico de bom-senso, alguma leitura e uma percepção mínima do mundo em que vive, devia proibí-lo de falar de coisas tais como "sexualidade natural", "mulher na plenitude natural do termo" ou de confundir sexualidade com procriação. Como a história abundantemente mostra, não há na sexualidade propriamente uma norma, um dever-ser e, nesse sentido, não há nenhuma sexualidade natural. O que existem são pessoas que possuem uma sexualidade que se manifesta, ora consigo mesmo, ora com mulheres, ora com homens, ora, como na antiguidade pagã, com os "rapazes". Gore Vidal vai até mais longe e explica que não há homo ou heterossexuais, mas antes actos homossexuais ou actos heterossexuais. Tudo depende da oportunidade. E depois, o que diabo será uma "mulher na plenitude natural do termo"? Não me parece que o desempenho sexual represente uma qualquer capitio diminutio, sejam dois homens, duas mulheres, um homem e uma mulher, um trio ou um quarteto. Finalmente- e este é o maior disparate - não se entende por que é que uma criança criada por homossexuais possa ser mais "infeliz" do que outra criada por um contente e próspero casal heterossexual. Uma rápida sondagem mundial demonstrará com relativa facilidade que o Globo está pejado de criancinhas infelizes, cujos papás e mamãs, seus progenitores, o foram "na plenitude natural do termo". Na sua "natural" ignorância, o sr. Villas-Boas desconhece por certo o que seja a felicidade, a infelicidade ou a sexualidade, e prefere que a caridadezinha estadual ou outra, desde que "natural", promova o bem-estar das crianças abandonadas à sua sorte, algumas seguramente por "mulheres na plenitude natural do termo".

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